
Psicopata! Quando a maioria das pessoas ouve essa palavra, imediatamente imagina assassinos em série, máscaras de hóquei e cortinas de chuveiro dilaceradas. Mas quando saímos do senso comum e adentramos na realidade, estamos nos referindo a um grupo de indivíduos com um subconjunto muito particular de características de personalidade, tais como falta de empatia, destemor, autoconfiança, foco, frieza sob pressão, resistência mental, charme, carisma, irresponsabilidade, impulsividade e zero peso na consciência.
Nos últimos 15 anos, uma série de estudos e pesquisadores vêm desmistificando o psicopata e apresentando-o como uma pessoa, acreditem, necessária à sociedade. É que algumas características que eles têm são importantes em determinados empregos, profissões e situações. O assunto é polêmico, mas o que não se pode negar é que os psicopatas caminham entre nós desde o início dos tempos. Se os cientistas estiverem certos, temos até 240 milhões deles no mundo. Se uma minoria irrisória está na prisão, onde estão os outros?
Uma parte pode muito bem ser o seu colega de trabalho. Estes, convencionou-se chamar de “bons psicopatas”, “psicopatas funcionais” ou “psicopatas de sucesso” — indivíduos com traços psicopáticos que conseguem funcionar e atingir o sucesso dentro da sociedade, apesar dos potenciais déficits e disfunções afetivas, interpessoais e comportamentais.
Também conhecidos como “tomadores de risco pró-sociais”, estes indivíduos “fazem coisas como dirigir carros de corrida, testar aviões, [são] pilotos de caça, técnicos de desarmamento de bombas… algumas pessoas na aplicação da lei são corajosas e tem a mesma capacidade de não sentir medo”, disse o psiquiatra forense Park Dietz em um documentário da HBO. Mas a verdade inconveniente é que os tomadores de risco pró-sociais estão em todos os lugares — de salas de cirurgia a laboratórios de ciência avançada; na lista dos escritores mais vendidos ao tapete do Oscar; psicopatas salvam vidas, contribuem com a cultura e podem ajudar na evolução do conhecimento e humanidade. Acredite se quiser.
Abaixo, apresentamos dois casos clinicamente comprovados de psicopatas “de sucesso”.
Com uma carreira brilhante, o neurocientista James “Jim” Fallon passou décadas escaneando o cérebro de pessoas com esquizofrenia e depressão em busca de anomalias. Reconhecido entre seus pares, em 1992, colegas o pediram para analisar alguns scans cerebrais, mas não disseram a quem pertenciam ou se aquelas pessoas tinham algum distúrbio. Olhando para os exames, Jim notou algo que achou fascinante.
Disse ele em um documentário da BBC: “Um certo grupo tinha sempre uma lesão no córtex orbital, acima dos olhos. Outra parte que parecia não funcionar bem era a parte frontal do lobo temporal que abriga a amídala, o local onde nossas reações se tornam diferentes dos animais. Achei extraordinário. Separei esses scans e disse para meus colegas: ‘Esses são diferentes’. E quando fomos ver, aquele grupo de scans pertenciam a assassinos”.
Todos eram clinicamente psicopatas e, fascinado com a pesquisa, Jim começou a cooperar com seus colegas. Logo, eles concluíram que tais lesões eram cruciais para o controle dos impulsos e das emoções. A descoberta de Jim e seus amigos foi um marco no estudo dos psicopatas.
Empolgado, Jim comentou sobre a questão em uma reunião de família. Ao ouvir o filho discorrer sobre como o cérebro de psicopatas assassinos era diferente, sua mãe lhe contou sobre uma prima distante, acusada de matar os pais com um machado. Intrigado, Jim pesquisou a linhagem da família e descobriu 16 assassinos, todos por parte de pai. Assustado, ele decidiu escanear o cérebro da família inteira.
Todos os scans deram resultados normais, exceto um. Essa tomografia não mostrava atividade no córtex orbital nem no lobo temporal. Todo o sistema límbico não funcionava. Quando Jim olhou para o nome do paciente ficou chocado: era a sua tomografia.
Jim era um psicopata, mas não sabia. Sua descoberta foi importante, pois ele não era assassino, e isso fez os pesquisadores irem além. Por que uns matam e outros não?
Ao contar a novidade para a esposa, Jim ouviu: “isso não me surpreende” — ele podia ser um cientista de sucesso, mas era um psicopata.
Quem diria que o destino reservaria a um cientista psicopata descobrir como funciona o cérebro de um… psicopata!
Em uma entrevista para a TV, a esposa de Fallon disse ser casada “com duas pessoas, uma é inteligente, engraçada e afetuosa. A outra é um sujeito perverso, de quem eu não gosto”. Sua mãe também confessou que desde criança via algo esquisito no filho. Mas a realidade é que Jim cresceu para se tornar um dos grandes cientistas do mundo. Em várias entrevistas, ele afirmou ter dois dos três ingredientes de psicopatas assassinos: as lesões no cérebro e genes (como o MAO-A) associados com a falta de empatia e comportamento agressivo e violento. Mas um terceiro ingrediente poderoso ele não tem e, segundo Jim, isso foi de fundamental importância para ele não ser criminoso. Jim não foi abusado na infância, algo que poderia “ativar” o gene MAO-A, por exemplo. Sua mãe teve quatro abortos espontâneos até Jim nascer, então, o garoto foi tratado como um reizinho. “Se tivesse sido criado normalmente, talvez hoje fosse meio barra-pesada. E, se fosse abusado, creio que não estaríamos tendo essa conversa agora”, disse ele em um documentário da BBC.
Em 1968, o pacato estudante de medicina Stephen Westaby foi levado ao hospital após sofrer uma pancada na cabeça. Imediatamente ele deu em cima da enfermeira e foi agressivo com a equipe médica que tentou ajudá-lo. Nem Westaby entendeu seu comportamento. Isso porque ele era extremamente passivo, tímido e introvertido. Um exame apontou traumatismo craniano e posteriormente descobriu-se que o trauma afetou o córtex pré-frontal, e isso levou a uma alteração completa da personalidade do estudante.
Escreveu Westaby em sua autobiografia: “Os testes dos psicólogos mostraram que eu obtive uma pontuação alta em algo chamado ‘inventário de personalidade psicopata’, e o psicólogo me disse: ‘Não se preocupe, a maioria dos grandes realizadores são psicopatas. Cirurgiões em particular.'”
Do dia pra noite, Westaby foi de um rapaz retraído para um desinibido, ousado e egoísta. A ansiedade sumiu como num passe de mágica, ele não sentia mais vergonha e ficou “terrivelmente extrovertido”. Imune ao estresse, o estudante virou um tomador de risco habitual e um viciado em adrenalina. “Me tornei implacavelmente competitivo e perfeitamente apto para uma carreira como cirurgião cardíaco… bons cirurgiões acreditam que compaixão e comunicação são para os outros”, escreveu em sua biografia. “Às vezes, minha imprudência era interpretada como coragem, mas não era nada disso — diferentemente dos outros, eu simplesmente não dava a mínima para os perigos”.
Ser desinibido, imprudente e negligente o ajudou a evoluir na carreira, pois era visto como um jovem imperturbável, super confiante e ambicioso. Ele varava a noite abrindo pessoas, mesmo sem autorização do hospital. Quanto mais horrível fosse o trauma, mais Westaby se deleitava. “Carpintaria humana”, comentou sobre suas experiências. Certa vez, recebeu o apelido de “Tubarão” devido ao pouco tempo que levou para amputar uma perna. “Quando eu entrava na sala de cirurgia, o interruptor da psicopatia era acionado”. Antes de se importar com o paciente, Westaby se divertia imaginando ter o poder de duelar com o Ceifador pela vida que operava.
Ao se aposentar, Stephen Westaby era considerado um dos maiores cirurgiões do Reino Unido.
“O ambiente altamente estressante e cheio de adrenalina em que os cirurgiões trabalham, sem dúvida, atrai um certo tipo de personalidade. Cortar pessoas e depois chafurdar em sangue, bile, pus ou pó de osso é um passatempo tão estranho para pessoas normais que o mero processo de OPERAR nos diferencia imediatamente.”
– STEPHEN WESTABY, The Knife’s Edge. Pág. 24 –
“Disseram-me repetidamente que meus esquemas nunca funcionariam – que os tubos de borracha de silicone na traqueia entupiriam (não entupiram); que pessoas sem pulso não poderiam sobreviver (elas sobreviveram); que colocar eletricidade na cabeça das pessoas era perigoso (não era); que injetar células-tronco diretamente em corações com cicatrizes causaria morte súbita (não é assim; nós as usamos para tratar insuficiência cardíaca agora).”
– STEPHEN WESTABY, The Knife’s Edge. Pág. 72 –
“Nos dias pioneiros, aqueles que persistiram e, finalmente, conseguiram operar o coração, sem dúvidas tinham tendências psicopáticas. A cirurgia cardíaca na Europa teria sido possível [Sem a ajuda dos psicopatas]? Provavelmente, mas ainda haveria um longo caminho pela frente”.
– STEPHEN WESTABY, The Knife’s Edge. Pág. 65 –
A história de Stephen Westaby é impressionante e sugiro a leitura de sua autobiografia (citada nas referências), principalmente para quem é da área da saúde. No livro, ele detalha cirurgias de gelar a espinha e de como era uma pessoa fria e sem emoção, abrindo pessoas como se elas fossem brinquedos, sem sentir absolutamente nada. A sua biografia é interessante porque Westaby não se mostra incomodado em ser do jeito que é. Inclusive, conta histórias de como a sua imprudência desenfreada aliada à autoconfiança, típica dos psicopatas, o levou a ter inúmeros problemas no trabalho, com direito a uma vez em que, devido à autoconfiança excessiva, ele acredita ter matado um paciente na mesa de cirurgia.
Obs.: o “Andy” na imagem do topo é Andy McNab, ex-militar de elite das forças britânicas e escritor de sucesso.
Referências: [1] Dutton et al. “Correlates of psychopathic personality traits in everyday life: results from a large community survey.” Frontiers in Psychology. 2014. doi.org/10.3389/fpsyg.2014.00740; [2] sobre Park Dietz: The Iceman and the Psychiatrist. HBO. 2003; [3] Falkenbach, D., Tsoukalas, M. (2011). “Can adaptive traits be observed in hero populations?” Poster Session Presented at Biennial Meeting of the Society for the Scientific Study of Psychopathy (Montreal, QC); [4] Falkenbach et al. “Identifying psychopathic traits in a hero population.” 2012; [5] Are you born good or evil? BBC Horizon; [6] Neuroscientist: ‘I discovered I was a psychopath’. BBC; [7] Explorando a mente de um assassino. Ted Talks; [8] Westaby, Stephen. In the knife’s edge. Mudlark. 2019. Edição do Kindle; [9] The heart of a heart surgeon. Outlook. BBC.
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