7 perguntas para Maureen Callahan, autora de Predador Americano

Uma das características que mais chama a atenção do público nos assassinos em série é a capacidade deles levarem uma vida dupla. São muitos os exemplos de homens casados,...

Uma das características que mais chama a atenção do público nos assassinos em série é a capacidade deles levarem uma vida dupla. São muitos os exemplos de homens casados, pais de família, empreendedores ou trabalhadores que foram desmascarados como o arrepio no escuro — um verdadeiro monstro que rapta, tortura, estupra, mata, às vezes mutila, ou literalmente come outro ser humano. A habilidade de ser duas caras, sem que a parte maligna interfira na outra a ponto de chamar atenção, intriga não apenas o público comum, como também aqueles que os estudam.

Em um caso ocorrido nos Estados Unidos, ao investigar o passado de um homem suspeito no desaparecimento de uma garota, autoridades se depararam com um montante de gente não tendo nada de ruim para dizer sobre o sujeito. O investigado era autônomo e trabalhava construindo e reformando casas e consertando qualquer coisa. Sua clientela gostava dele e tinha confiança. Um casal de advogados, por exemplo, não teve problemas em deixá-lo semanas com as chaves da própria casa, enquanto ele trabalhava em uma reforma. Vários outros clientes, além de amigos e conhecidos, também comentaram sobre como ele era uma pessoa super normal. Fingir comportamentos normais perante a sociedade, entretanto, é o que fazem os assassinos em série, mas ainda assim pode haver sinais — embora uma parte muito pequena das pessoas tenha aptidão para identificá-los ou senti-los. Isso aconteceu no caso citado, e essas pessoas comentaram sobre esses sentimentos.

Certa vez, uma cliente ficou assustada quando o flagrou encarando com um olhar esquisito. Ela teve medo, mas logo se tranquilizou, por acreditar que aquilo fosse coisa de sua cabeça — o sujeito era tão boa praça, além disso, ele tinha uma filha pequena que às vezes o acompanhava. Outra mulher, porém, deu razão ao seu sexto sentido. Ela também o contratou para consertar algumas coisas em sua residência. O homem trabalhou direitinho e entregou tudo nos conformes, entretanto, havia alguma coisa nele que ela não gostou. A mulher não sabia o que era, mas agradeceu aos céus quando o serviço foi finalizado e nunca mais o contratou.

O nome deste indivíduo antagônico era Israel Keyes, o homicida psicopata mais enigmático — e o “primeiro assassino em série sui generis” — do século XXI.

Keyes causou um curto-circuito na aplicação da lei quando foi preso em 2011. De um lado, especialistas na psicologia de assassinos em série ficaram pasmos, pois nunca haviam visto alguém como ele. Do outro, investigadores e promotores tiveram os cérebros fritados ao traçarem as estratégias de interrogatório, pois logo perceberam que o assassino não confessaria seus crimes sem antes entreter-se em um jogo de gato e rato.

Israel Keyes foi preso após o desaparecimento de uma garota no Alasca e imediatamente ficou claro que ele estava envolvido em múltiplos homicídios. O FBI entrou na investigação e descobriu um modus operandi singular e para lá de sofisticado. As vítimas não tinham um perfil definido; a localização que usava para caçar, assassinar e enterrar era aleatória; morava há milhares de quilômetros das vítimas; tinha arsenais e objetos diversos — como cordas e fitas adesivas — enterrados por todos os Estados Unidos. Quando sentia a necessidade de matar, ele viajava de avião até uma grande cidade, alugava um carro e dirigia centenas, milhares de quilômetros, cruzando estados, até encontrar uma cidade pacata e convidativa. Para evitar ser rastreado, não usava cartões de crédito e desmontava o celular; usando apenas mapas de papel (e a própria memória) para se orientar. Com a cidade definida, ele se registrava em um hotel barato ou simplesmente acampava no meio do mato, e observava vítimas em potencial — aventureiros ou trilheiros que caminhavam sozinhos ou em dupla, mulheres saindo de algum shopping center pouco movimentado ou dirigindo por estradas à noite, até mesmo casais dentro de suas próprias casas. Escolhida a vítima, Keyes ia em busca do seu arsenal, o desenterrava e o usava no ataque surpresa. Após sequestrar, torturar, matar e desovar o corpo, ele voltava para sua vida de pai de família e trabalhador da construção como se nada tivesse acontecido. Ele fez isso por anos e ninguém jamais suspeitou.

Vidrado em caçar e abater pessoas, Keyes conseguia varar madrugadas dirigindo e observando vítimas em potencial sem a ajuda de drogas, só com café e adrenalina, e nunca deixou nenhuma pista. Em um mundo quase que totalmente tecnológico, ele conseguiu esconder completamente seus rastros digitais. Como bem relatou a autora Maureen Callahan, Israel Keyes era um “assassino analógico em um mundo digital”.

Callahan é autora de American Predator, livro já comentado aqui no site à época de seu lançamento, em 2019. American Predator narra os sombrios acontecimentos que levaram à captura de Keyes e de como as autoridades tentaram descobrir quantas vidas foram tiradas pelo homicida, que carregava nas costas um rastro de crimes monstruosos. Em agosto de 2023, a obra foi lançada no Brasil pela DarkSide Books, sob o título Predador Americano. A edição brasileira tem a digital do OAV Crime — Daniel Cruz, fundador e editor do projeto, assina a contracapa.

Predador Americano é um livro obrigatório para estudiosos e amantes do tema, um trabalho que devemos elogiar e celebrar, pois se objetiva por contar aquilo que não devia ser contado, pelo menos essa era a vontade de Israel Keyes, e ele trabalhou arduamente por isso — até cometer um erro, ser preso e ter seu nome e rosto estampados em jornais e programas de TV. Ainda assim, e por motivos desconhecidos, boa parte de sua história foi escondida/censurada pelas autoridades. Os membros da justiça americana, entretanto, só não contavam com uma coisa: Maureen Callahan e seu Predador Americano.

Tivemos a oportunidade de entrevistar Callahan e as perguntas que fizemos a ela, assim como suas respostas, podem ser lidas a seguir:

OAV CRIME Entrevista: Maureen Callahan


1. Em Predador Americano, você investiga o arrepiante caso do assassino em série Israel Keyes. Que aspecto do seu processo de pesquisa mais a surpreendeu ou a levou a encarar o caso de maneira diferente do que esperava inicialmente?

M. CALLAHAN: Que o FBI, apesar de ter pedido ajuda ao público americano em 2012, estava, na verdade, escondendo de nós muito sobre este caso. [E eu só descobri isso] após dois anos conversando semanalmente com os agentes deste caso, viajando para o Alasca e para o estado de Washington, e tendo um agente [especial] me dizendo que, em seus mais de 20 anos no Bureau, ele nunca viu uma jornalista receber o tipo de acesso e liberdade dada a mim. Não sei, mas quando eu descobri que centenas de documentos do caso estavam desaparecidos — não estando em lugar algum — tive que contratar um advogado [especializado] em Primeira Emenda e gastar trinta mil dólares do meu próprio bolso para ir atrás dessas páginas em um tribunal federal. A audiência durou cinco minutos e eu ganhei, e essas páginas incrivelmente importantes informam a segunda metade do livro.

2. As ações e os métodos de Israel Keyes muitas vezes parecem ter paralelos com os de assassinos em série fictícios de livros, filmes e programas de TV. Quais são os seus pensamentos sobre como os comportamentos de Keyes se alinham ou desviam do arquétipo de um assassino em série fictício, e o que o caso dele pode nos ensinar sobre as conexões entre criminosos da realidade e suas contrapartes fictícias?

M. CALLAHAN: Nos anais do crime na América, ele é sem precedentes. Embora ele tenha estudado outros, especialmente Ted Bundy, e lido livros sobre assassinos em série e assistido CSI, o escopo e a escala absoluta de seu modus operandi nunca foram vistos antes — voar de sua casa no Alasca, não usar seu telefone celular, mas apenas dinheiro, aterrizar em uma grande cidade americana, alugar um carro e dirigir centenas de quilômetros até algum lugar obscuro, desenterrando um dos muitos kits de morte que ele enterrou por todos os Estados Unidos, depois encontrando uma vítima ou vítimas, pegando-as, torturando-as e matando-as em poucas horas, levando os corpos para outro estado e depois voltar para casa. Ninguém — nem mesmo sua namorada ou filha que moravam com ele — nunca soube.

O FBI disse, mais de uma vez, que [Keyes] os deixou aterrorizados. Eu sabia que essa era uma história incrível que merecia um livro.

3. O livro examina a mente de um assassino em série particularmente esquivo e metódico. Que percepções sobre a psicologia de Keyes você achou mais intrigantes ou perturbadoras durante sua pesquisa e escrita?

M. CALLAHAN: Eu realmente tive que brigar por sua avaliação psicológica. O FBI precisava provar no tribunal que ele era são o suficiente e assim chegar ao seu objetivo: a pena de morte. O FBI realmente não queria divulgar isso e eu não conseguia entender o porquê. Isso estava nos documentos que busquei na justiça e ganhei, e eu sabia que seria o melhor autorrelato que teríamos sobre como ele via sua educação e o que contribuiu para torná-lo assim.

Também falei com a mãe dele, Heidi, que criou os seus muitos filhos sem muitos recursos e saltando de culto religioso em culto religioso. Israel caçava animais selvagens para alimentar a família quando era garoto: matando-os, dissecando-os e cozinhando-os. Ele estava arrombando e invadindo [casas] aos 14 anos e movimentando armas no mercado clandestino. Ela sabia que ele era mau e me disse isso. Mas as coisas que ele falou em sua avaliação psicológica — torturar animais e assustar outras crianças — ela alegou não ter memória, o que é totalmente possível.

4. Elaborar a narrativa de um crime real exige equilibrar a sensibilidade às histórias das vítimas com a necessidade de envolver os leitores. Como você abordou a manutenção desse equilíbrio, especialmente ao lidar com um assunto tão angustiante como o caso Keyes?

M. CALLAHAN: As vítimas sempre estiveram em primeiro lugar. A dignidade delas era primordial. Incluí apenas os detalhes que poderiam ajudar a resolver outros casos relacionados a Keyes, ou que poderiam ajudar aqueles que estudam direito, crime ou análise comportamental.

5. Histórias de crimes reais muitas vezes suscitam discussões sobre a sociedade, a justiça criminal e a natureza do mal. O que você espera que os leitores tirem de Predador Americano em termos de compreensão das implicações mais amplas dessas questões?

M. CALLAHAN: A última vítima conhecida de Keyes, não a última de fato, mas aquela que o FBI se sente confortável em nomear, era uma garota de uma família disfuncional sem muito dinheiro — um pai que pode ter tido seus próprios problemas com a lei, uma menina que teve problemas com abuso de substâncias, muito comum em Anchorage, e cujo desaparecimento alarmou a cidade imediatamente, mas não foi tratado como uma emergência pela polícia. Na verdade, eles pensaram que ela encenou o próprio sequestro. Foram cometidos muitos erros com base em sua condição socioeconômica, um problema que persiste.

Quanto à justiça criminal: bem, o livro trata de muitas coisas que o cidadão comum, mesmo aquele que lida com o sistema, nunca vê. Minha cunhada trabalha há anos na Suprema Corte da cidade de Nova Iorque, e quando eu disse a ela que o promotor federal do caso fez desaparecer documentos importantes, nunca os registrando em lugar algum, ela me disse, “Isso acontece o tempo inteiro”. Você não tem ideia de quantos juízes pegam um arquivo de um caso e dizem, “Jogue-o em uma gaveta e tranque-a”. Nós, na América, gostamos de pensar que temos o melhor sistema de justiça do mundo. É melhor que a maioria, mas não isento de falhas.

Sobre a natureza do mal: a pergunta que fiz a todos que trabalharam neste caso não teve resposta. Keyes nasceu ou foi feito assim? Este, penso eu, é o grande mistério existencial que paira sobre todos os casos como este. Disseram-me que seu cérebro está sendo estudado em um instituto secreto do FBI chamado — sem brincadeira — O Museu de Pesquisa de Mentes Maléficas¹.

¹The Evil Minds Research Museum, no original em inglês.

6. Surgem questões éticas ao lidarmos com crimes reais, especialmente em termos de respeito à memória das vítimas. Como você lidou com essas preocupações éticas ao escrever sobre as vítimas e suas famílias em Predador Americano?

M. CALLAHAN: Fiquei sabendo que as famílias de Samantha Koenig e dos Curriers — os casos que abordo mais extensivamente — pediram para contar tudo o que havia acontecido com seus entes queridos: como exatamente Keyes os pegou e os detalhes de como sofreram. No início, isso me surpreendeu, mas depois fez sentido: eles sentiram que era um último ato de amor testemunhar o sofrimento deles — e suas bravuras. Cada uma dessas vítimas lutou. Isso era muito importante lembrar.

7. Passar muito tempo pesquisando e escrevendo sobre um assassino em série pode ser um desafio emocional e mental. Como o trabalho neste livro lhe afetou pessoalmente? Mudou algum de seus preconceitos sobre crimes reais e comportamento criminoso?

M. CALLAHAN: Já me perguntaram isso antes, mas honestamente foi uma experiência de muita humildade. As pessoas que realmente sofreram estão neste livro — mesmos os heróis do caso, aqueles que capturaram Keyes e recuperaram os restos mortais de Samantha, carregarão o trauma do caso para sempre. Eu me senti privilegiada por eles confiarem em mim para contar essa história.

A contracapa de Predador Americano foi assinada por Daniel Cruz, do OAV Crime.

A história de Israel Keyes é o conto de um assassino em série arrogante e controlador que, como um mestre do xadrez, levou o jogo para onde quis, sempre estando alguns passos à frente de seu adversário, cuidadosamente fornecendo migalhas e usando jogos mentais para manipular experientes agentes do FBI, promotores e quem mais ousasse sentar-se do outro lado do tabuleiro. Quando ele se cansou da brincadeira, aplicou o xeque-mate e saiu de cena, deixando autoridades atônitas e um carimbo de incompetência na testa do governo americano, que tanto odiava.

Agradecemos à Maureen Callahan pela conversa e à DarkSide Books por fazer acontecer.

O ótimo Predador Americano – A caçada ao serial killer mais meticuloso do século 21 pode ser adquirido no site da DarkSide Books.

Anjos Cruéis é um livro de autoria de Daniel Cruz, fundador e editor do OAV Crime. Clique na imagem acima e adquira o seu exemplar.

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Por:


Daniel Cruz
Texto

"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz." (Platão)
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