Crimes Históricos: a noiva Alpha Dias e o professor assassino

Hoje, os alunos do Pedro II não fazem ideia que um dia este tradicional colégio foi parte de um escândalo que abalou a sociedade carioca 70 anos atrás. Alpha...

Hoje, os alunos do Pedro II não fazem ideia que um dia este tradicional colégio foi parte de um escândalo que abalou a sociedade carioca 70 anos atrás.

Alpha Carneiro Dias era aluna do Pedro II e muito bonita. Tinha um namorado, mas era amante do professor. Certo dia o professor e o namorado se encontraram. Discutiram. Brigaram. O namorado foi para o necrotério, completamente morto. O professor foi para a cadeia, completamente assassino. A jovem ficou sozinha. Completamente. Mas não por muito tempo. Meses depois os jornais anunciaram o seu casamento com o “terceiro homem”. Que apareceu na história depois. Não se sabe como. Casaram-se no civil. Pois o padre recusou-se a recebê-los na igreja.

A NOIVA INSENSÍVEL


“Indignidade”, “despudor” e “cinismo” foram algumas palavras usadas na época para descrever o caso Alpha Dias. Em 9 de dezembro de 1952, José Correia Filho, um respeitado homem casado e pai de três filhos, professor do tradicional Pedro II, matou a tiros o jovem industrial e de “família tradicional”, Luís Augusto Ferreira, de 25 anos. A polícia logo descobriu que havia uma mulher ligada ao caso, mas por uma questão de “honra”, o professor não quis revelar seu nome. Jornalistas, entretanto, revelaram tudo. A “pivot” da tragédia “realmente se trata dum brôto, dum lindo brôto. Que cometeu a leviandade de dividir os seus preciosos favores entre o mestre e o industrial”.

Aos 18 anos, Alpha era aluna do Pedro II e vivia um romance proibido com o professor casado. Um belo dia, ela se engraçou com o rapaz mais novo e os dois começaram a namorar. O jornalista David Nasser escreveu na época que “entre os dois, a leviana Alpha balançou durante meses, tapeando-os, burlando a vigilância do professor e conseguindo despistar a ambos, como excelente malabarista do amor proibido”.

Foi Alpha quem armou o encontro entre seus dois homens. Influenciado por uma história de assédio, Ferreira foi tirar satisfação com Correia Filho, que o matou a sangue frio na porta de sua casa, em Copacabana.

Meses depois, para espanto dos cariocas, Alpha trocou juras de amor em um casamento pomposo. Aparentemente, ela superou a tragédia tão rápido quanto a bala que matou seu ex.

Existem alegações conflitantes sobre o ocorrido. Algumas reportagens da época afirmam que Alpha estava apaixonada pelo rapaz mais jovem e queria chamar mais a sua atenção, então quis provocar ciúmes em Ferreira, dizendo que o professor a assediava. Era mentira, pois ela mantinha um caso com ele há pelo menos um ano. Ferreira entrou em contato com Correia Filho e o professor disse ao jovem que os dois poderiam acertar as contas em sua casa. O homem mais velho parecia não se importar com sua esposa e filhos, que estavam na casa no momento em que Ferreira chegou. Ferreira questionou o professor sobre suas investidas imorais para com Alpha e ele não demorou para sacar sua arma e matar o jovem a sangue frio com quatro tiros.

De acordo com testemunhas, a jovem vítima, em nenhum momento, ameaçou fisicamente o assassino. O matador alegou legítima defesa e foi absolvido. A decisão da justiça causou indignação. David Nasser escreveu na época: “Estamos numa cidade selvagem? Pode-se matar impunemente, por ciúme, à queima-roupa, pelas costas e depois esperar com calma a absolvição dos jurados? Essa é a escola de monstros!”

Anos depois, o julgamento foi anulado, mas o advogado de Correia Filho, o criminalista Alfredo Tranjan, levou o caso ao STF. Em junho de 1958, chorando, Tranjan fez uma pungente sustentação oral e o STF decidiu por unanimidade encerrar o caso, e livrou Correia Filho de um novo julgamento.

O TRISTE FIM DE ALPHA DIAS


Em meados do século passado, uma escritora chamada Myrna publicou no antológico jornal Diário da Noite o romance “A mulher que amou demais”. O verdadeiro autor, Nelson Rodrigues, utilizou um pseudônimo para escrever mais uma de suas histórias geniais envolvendo sexo e assassinato. Como a arte imita a vida, três anos depois, uma “mulher que amou demais” voltou a ser tema do jornal.

Um homem morto. Outro na cadeia. O terceiro no altar. Como num enredo de Nelson Rodrigues, o Diário da Noite contou como Alpha Dias já conhecia seu futuro marido “desde antes daquele caso sangrento”. Eles não se importavam com o falatório, só queriam seguir em frente. “O que passou, passou”, disseram Alpha e Carl.

E a vida realmente passou para o brôto.

Mas quem poderia imaginar que seu fim seria tão brutal quanto o de seu namorado Luís Ferreira?

60 ANOS DEPOIS


Em julho de 2012, o executivo Robert Dannenberg estranhou quando sua mãe de 77 anos parou de atender ao telefone. Viúva e morando sozinha em uma imponente casa no bairro de São Conrado, Zona Sul do Rio, a idosa sempre falava com o filho e, da última vez que tiveram uma conversa, disse que faria uma viagem até Teresópolis, onde possuía imóveis. Quando se passaram vários dias sem notícia alguma, Robert viajou de São Paulo, onde morava, até o Rio para saber o que estava acontecendo. A polícia foi avisada e investigadores entraram em ação.

Um pente-fino na casa da desaparecida não revelou nada demais. Não havia sinais de arrombamento e tudo parecia em ordem. Ao fundo do belo sobrado existia um jardim e um detetive notou a terra mexida. Um olhar mais aguçado revelou o horror: um corpo em decomposição.

Na hora, não havia como identificar os restos mortais, mas todos suspeitavam a quem pertencia. A confirmação veio posteriormente com um exame de DNA: era a mãe de Robert Dannenberg.

O nome dela? Alpha Dias Kieling — o “brôto pivot” de um dos mais célebres crimes da década de 1950. Sessenta anos depois de ter o seu nome envolvido numa trama de homicídio, Alpha novamente estava nas páginas policiais, mas dessa vez como vítima: assassinada e enterrada no jardim da própria casa que viveu por mais de 40 anos.

FIM.

Alpha foi assassinada por Ênio Tomaz Rocha, de 47 anos, um criminoso com extensa ficha policial e que perambulava tranquilamente pelas ruas do Rio. Não se coloca dentro de casa pessoas que não se conhece, mas foi isso o que fez Alpha. Idosa, a mulher precisava de ajuda para cuidar da imensa casa. Talvez querendo economizar com funcionários, Alpha oferecia trabalhos esporádicos a quem tivesse interesse, além de pagar menos por qualquer um que aparecesse. Em algum momento ela topou com Ênio, que virou um tipo de caseiro, com cópias das chaves e tudo. Se Alpha tivesse pesquisado o passado do homem, descobriria seus inúmeros crimes, incluindo o estupro e homicídio de uma mulher em maio de 2011. Assim como Alpha, esta mulher também foi enterrada. Por quatro meses, Ênio prestou serviços a Alpha, até o dia em que a estrangulou e a enterrou no jardim. Existe a suspeita de que ele a tenha violentado antes. Ênio roubou algumas coisas, mas não demorou a ser preso pela polícia.

Fontes consultadas: [1] Alfa casou com o “terceiro homem”. Revista Manchete. Edição 68. 8 de ago. 1953. Página 2; [2] Tragédia em Copacabana. Revista Manchete. Edição 35. 20 de dez. 1952. Página 4; [3] Acha que o professor Corrêa deva ir a novo juri. A Noite. 25 de fev. 1956. Página 2; [4] Está sendo julgado o Professor Correia Filho. A Noite. 18 de out. 1955. Página 1; [5] O Professor Assassino. O Cruzeiro. Ano XXV. N30. Página 37; [6] Alfa Casou. A Noite. 27 de jul. 1953. Página 2; [7] Justiça anula julgamento de Correia Filho. Tribuna da Imprensa. 29 de jan. 1957. Página 6; [8] Enquanto Alfa se Casa… O Mundo Ilustrado. Edição 28. 11 de ago. 1953. Página 30; [9] Com botões de laranjeira. O Cruzeiro. Ano XXV. N42. Página 14; [10] Ponto final no “Crime do Professor”: chorou o advogado na sustentação do “habeas corpus”. Última Hora. 3 de jun. 1958. Página 8; [11] Casou-se, em Niteroi, o “Pivot” de uma Tregedia em Copacabana. Diário da Noite. 27 de jul. 1953. Página 4; [12] Mãe de empresário é achada morta em São Conrado, na Zona Sul. Extra; [13] Empresário suspeita que mãe foi morta por alguém que ela conhecia. Extra; [14] Caso de idosa morta e enterrada no quintal é tratado como homicídio e ocultação de cadáver. Veja; [15] Objetos de valor foram roubados de casa onde idosa foi encontrada morta. Extra; [16] Polícia do Rio diz que caseiro confessou ter matado mãe de empresário e enterrado corpo no quintal da vítima. UOL; [17] Mãe de executivo é encontrada morta em São Conrado, diz polícia. G1; [18] Dias antes do assassinato de idosa, Justiça pediu prisão de caseiro no Rio. G1;

Escute os podcasts do OAV Crime em nosso site de podcasts ou no agregador de sua preferência.

Apoie o OAV


Apoie o nosso trabalho. O OAV Crime precisa do seu apoio para continuar a crescer, disponibilizando textos e podcasts de qualidade, assim como o desenvolvimento de outros projetos. Acesse a página abaixo e saiba como apoiar.

Por:


Daniel Cruz
Texto

Assine o nosso projeto no Catarse

"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz." (Platão)
Deixe o seu comentario:

RELACIONADOS

Receba nosso conteúdo por e-mail!

Digite o seu endereço de e-mail:

OAV Crime no WhatsApp!

OAV no Whatsapp

OAV Crime no Twitter

As últimas notícias

Categorias

× Receba nosso conteúdo no WP