
Hosana de Siqueira e Silva era um padre estranho e virulento. Pra começar, ele andava armado. Que tipo de padre anda balançando um Taurus .32 na cintura?
Seu nome foi exposto nas páginas policiais em julho de 1957, quando assassinou a tiros o bispo Dom Expedito Lopes, dentro do Palácio Episcopal de Garanhuns, Pernambuco.
Ele passou um ano tranquilo à espera do julgamento. A todos que perguntavam, dizia não estar preocupado porque “razões muito fortes” levaram-no ao crime, portanto, no final, todos “lhe dariam razão”.
Hosana não tinha qualquer remorso pelo crime que havia cometido. Quando seu julgamento finalmente começou, ficou marcada sua expressão de desprezo e soberba. Ele se comportou de forma arrogante perante o juiz e sempre tinha um sorriso atrevido no rosto. Em sua mente, seus pecados não eram nada demais. Por maior pecador que fosse, o Senhor ainda o perdoaria, portanto, por que se preocupar? Ele se via injustiçado, em uma “via crucis”. Mas tal tormento, também, lhe serviria para o caminho da glória.
Dois psiquiatras, Gaudino Loreto e Rui do Rêgo Barros, o examinaram minuciosamente e concluíram que o insolente religioso tinha “uma personalidade doentia”. O padre era um psicopata.
A investigação apontou um homem cruel, que matava cães a tiros e tinha problemas em seguir regras sociais — coisas típicas de psicopatas. “Impossibilitado de controlar seus impulsos”, Hosana atritou com os seus superiores da igreja, brigou com políticos, ameaçou pessoas e se barulhos na rua o incomodavam, ele dispersava os boêmios à bala.
Ele também não conseguia ficar longe dos prazeres carnais. Quando a igreja descobriu a respeito, o orientou a parar. Quando não o fez, o bispo Lopes o puniu. Este foi o motivo que fez o padre viajar até Garanhuns para acertar as contas.
Em um julgamento todo bagunçado, os jurados desclassificaram o crime de doloso para culposo e o juiz aplicou uma pena de 4 anos de prisão. O júri foi anulado e no segundo julgamento os jurados concordaram por 4×3 que o padre matou o bispo “em defesa da honra”. Havia, também, a atenuante de “violenta emoção após ato injusto da vítima”.
No fim, Hosana, o padre psicopata, foi absolvido.
O padre Hosana nem chegou a sair da cadeia, pois o Tribunal de Justiça de Pernambuco atendeu a um recurso do Ministério Público e anulou o segundo julgamento. Enquanto aguardava seu terceiro julgamento, o padre continuou causando problemas; foi punido por indisciplina e fez greve de fome. No terceiro júri, Hosana foi condenado a 14 anos de prisão. O MP apelou novamente, dessa vez afirmando que a pena fora muito branda. O TJPE acatou o pedido e aumentou a pena para 19 anos. Hosana cumpriu 10 anos e saiu em liberdade condicional em 1969.
O caso teve repercussão internacional na época, sendo esta, a primeira vez em que um padre matou um bispo na América Latina (alguns dizem de toda história da Igreja Católica).
Em 1997, aos 85 anos, o padre Hosana foi brutalmente assassinado a pauladas na fazenda onde morava, em Correntes, Pernambuco. O homicídio nunca foi elucidado.
Curiosidade: o primeiro julgamento foi chamado pela imprensa da época de “o julgamento do século”. A destacar o trabalho dos advogados, que usaram a tese da legítima defesa da honra, hoje proibida.
Fontes consultadas: [1] Crime Espera o Remorso. Revista Manchete. Edição 333. 6 de Setembro de 1958. Página 53; [2] Três Tiros Abalaram a Igreja. Revista Manchete. Edição 273. 13 de julho de 1957. Página 70; [3] As quatro máscaras de Hosaná para o público. Revista Manchete. Edição 359. 7 de março de 1959. Página 62; [4] O Padre Matou o Bispo. O Cruzeiro. Edição 40. 20 de julho de 1957. Página 7; [5] Presidente do TJ. Indeferiu Recurso do Adv. de Hosana: Fixada A Pena de 19 Anos. Diário de Pernambuco. 31 de out. 1964. Página 7; [6] Hosana Continua Vencendo a Fome: Diretor Quer Vê-lo Fora da Detenção. Diário de Pernambuco. 23 de Out. de 1960. Página 7; [7] Diretor Preocupado: Embora Já Acometido de Edema, Hosana Enfrenta Greve da Fome. Diário de Pernambuco. 22 de Out. de 1960. Página 7; [8] Haverá Apelação da Sentença de Hosana: Jurados Condenaram e Depois Absolveram. Diário de Pernambuco. 1 de Mai. de 1960. Primeiro Caderno; [9] Matador de Dom Expedito Volta Hoje Ao Banco dos Réus. Diário de Pernambuco. 29 de Abr. de 1960. Página 5; [10] Como Sacerdote Ou Como Presidiário, Hosana Tem Na Indisciplina Uma Constante Em Sua Vida. Diário de Pernambuco. 24 de Abr. de 1960. Página 13.
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