Uma carta para Stephen King e a imprensa, da filha de Dennis Rader

“Não importa o que os livros ou as histórias digam, ele não é um monstro. É apenas um cara que fez a pior coisa possível, 10 vezes em 17 anos.”
Uma Carta - Da Filha de Dennis Rader

O Assassino BTK

Kerri Rawson, a filha do serial killer Dennis Rader, conhecido como BTK, quebrou no último dia 25 de Setembro um silêncio de nove anos da família Rader e falou sobre os 10 assassinatos cometidos por seu pai. O motivo de Kerri ter vindo a público tem um nome: Stephen King.

Mago do terror e fantasia, Stephen King é o homem por trás de livros espetaculares que ajudaram a moldar o cinema de horror moderno: Carrie, a Estranha; O Iluminado; O Nevoeiro; Cemitério Maldito; Christine, O Carro Assassino; À Espera de um Milagre; IT – Uma Obra-Prima do Medo; são apenas algumas de suas obras que viraram filmes aclamados. E agora, o novo projeto de King para o cinema teve como inspiração o serial killer Dennis Rader.

“A Good Marriage”, adaptação ao cinema do conto homônimo de King, presente na antologia Full Dark, No Stars, de 2010, é o novo projeto do escritor. O filme é sobre uma mulher que de repente descobre que seu marido é um serial killer. Numa recente entrevista para a rede CBS, Stephen King disse que A Good Marriage nasceu após ele ler um artigo sobre o caso Rader. “Ela [esposa] nunca percebeu o que se passava em sua vida secreta. E eu comecei a pensar, quantos de nós estão dormindo com estranhos e o que realmente sabemos sobre as pessoas que estão tão perto de nós?”, disse King.

Quem não gostou nem um pouco de saber que o livro – que já virou filme – foi inspirado no serial killer do Kansas foi sua filha.

Após nove anos em silêncio, a filha do serial killer escreveu uma carta endereçada à mídia e ao próprio King.

Leia abaixo uma matéria publicada no jornal Wichita Eagle sobre Kerri Rawson e sua carta, com tradução de Ester Farias.

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Filha do BTK: “Stephen King está explorando as 10 vítimas e suas famílias com o filme.”

  • POR ROY WENZLTHE – WICHITA EAGLE

A filha de do serial killer Dennis Rader, Kerri Rawson, de 36 anos, descobriu recentemente que o mais recente filme de Stephen King foi inspirado em seu pai e sua família.

“Ele está explorando as 10 vítimas de meu pai e suas famílias,” ela disse.

Ela diz que ela, seu irmão e sua mãe não sabiam que seu pai era o assassino conhecido como “BTK” até que o FBI os comunicasse em Fevereiro de 2005, pouco antes da prisão de Dennis Rader.

Ela conta que seu pai está onde merece, na prisão. Ela nunca o visitou lá. “Eu ainda não sou corajosa o suficiente pra isso,” conta.

“Ele disse que se arrepende, mas isso não significa nada”, diz ela sobre seu pai. “Ele não vale todos os livros, reportagens e atenção.”

E ela criticou King, que deu entrevistas recentemente dizendo que o conto e o filme foram inspirados pelos assassinatos de BTK, e pelos anos que o assassino viveu com uma família que não fazia ideia do que ele vinha fazendo. “A Good Marriage” (“Um Bom Casamento”) pertence à coleção “Full Dark, No Stars” (“Totalmente Escuro, Nenhuma Estrela“), que foi publicada em 2010.

King era um de seus escritores favoritos até alguns dias atrás, ela disse.

“Assim ele só vai bajular meu pai, e ele absolutamente não precisa disso,” disse ela. “Ótimo – agora Stephen King está bajulando meu pai. Obrigada por isso. Essa é a última coisa que meu pai deveria receber.”

Ela disse que King vai lucrar, como ele sempre faz, mas dessa vez o fará usando o luto das famílias das vítimas. “Quantos milhões ele já tem?”, diz.

“Todo o dinheiro que King conseguir com essa história deveria ir para crianças e esposas que sofrem abusos, ou para a polícia,” diz Rawson.

Ela diz ter lido pelo menos uma dúzia de contos de Stephen King e ter amado todos, mas não lerá outros. Kerri disse que seu pai também era um grande fã de King – e ela teme que seus livros  possam ter influenciado seu pai em seus últimos assassinatos.

“Nos sentimos explorados,” diz Rawson sobre sua família. “Nos consideramos a 11ª família a ser vítima. Stephen King tem o direito de contar uma história, mas por que incluir-nos? Por que ele não poderia simplesmente encontrar inspiração para outra boa história sem não tirá-la de onde ela veio?”

‘Eles não faziam ideia’

Rawson vive no estado do Michigan; casou-se com Darian, seu atual marido, há 11 anos atrás, e foi levada ao altar pelo seu pai serial killer.

Ela é uma dona de casa e ex-professora de escola primária; tem dois filhos, um garoto e uma garota. Dennis Rader sabe que tem netos, diz ela, mas nunca os viu e nem recebeu fotos.

Ela e sua família foram perseguidos pela imprensa após a prisão de seu pai. Eles se escondiam e pediam às pessoas que fossem embora.

“Oprah ligou. Diane Sawyer ligou. Eu vi a foto do meu pai na CNN. Foi insano,” diz Rawson.

Ela disse que doeu saber que Ken Landwehr havia morrido de câncer no rim no início do ano. Landwehr foi o comandante da unidade de homicídios da polícia que desenvolveu uma estratégia para capturar seu pai depois que o serial killer ressurgiu com insultos e mensagens direcionados à imprensa em 2004.

“Landwehr e Kelly Otis (uma policial que fazia parte da força-tarefa do caso BTK) foram muito gentis comigo e minha família,” disse Rawson. “Eles nos ajudaram a passar por tudo isso, e falaram conosco de forma muito doce. Eu tenho certeza que eles mantiveram longe de nós muitas idiotices ditas pela mídia.”

Ela é grata a Landwehr por duas outras razões. Ele e sua força-tarefa não só tiraram um assassino em série das ruas, mas também defenderam publicamente o resto da família, dizendo em entrevistas que estavam certos de que os outros Rader’s, inclusive sua mãe, Paula, não sabiam o que Dennis vinha fazendo nos 31 anos em que perseguiu mulheres, matando 10 pessoas e permanecendo livre.

Nos nove anos que se passaram desde a prisão de seu pai, em Fevereiro de 2005, uma afirmação que ela e sua mãe ouvem repetidamente é que Paula sempre soube de tudo.

“Impossível que ela soubesse,” diz Rawson. “Ela não teria nos criado com ele.”

Otis diz que ela está certa.

“É absolutamente verdade. Eles não faziam ideia,” disse Otis.

Otis, agora chefe de investigações do município de Sedgwick, disse que lamenta que King esteja baseando o conto no caso BTK.

“Dennis Rader ficava sexualmente excitado sempre que revivia o que fez com as vítimas”, disse Otis. “Eu posso garantir que é o que ele fará quando descobrir que King está baseando um conto nele.”

A Inspiração De King

Katherine Monoghan, assessora de King, que visitará Wichita em Novembro, disse que King estava viajando e não pôde responder os comentários de Rawson.

Mas em seu website ele escreveu sobre a inspiração para seu conto, “A Good Marriage”:

“Essa história veio à minha mente depois de ler um artigo sobre Dennis Rader, o conhecido BTK (bind, torture and kill, que em português significa amarrar, torturar, matar), assassino que tirou as vidas de 10 pessoas – em sua maioria mulheres, mas duas de suas vítimas eram crianças – por um período de aproximadamente 16 anos.

Em muitos casos, ele enviava pedaços de identificação de suas vítimas para a polícia. Paula Rader foi casada com esse monstro por 34 anos, e muitos na área de Wichita, onde Rader atacava suas vítimas, se recusam a acreditar que ela pudesse viver com ele sem saber o que ele vinha fazendo.

Eu acreditava – e acredito – e escrevi essa história para explorar o que poderia acontecer em tal caso se a esposa de repente descobrisse o hobby terrível de seu marido.

Eu também escrevi a história para explorar a ideia de que é impossível conhecer inteiramente alguém, mesmo aqueles a quem mais amamos.”

Uma sinopse da história no site de King diz: “Darcy Anderson descobre sobre seu marido, com quem está há mais de vinte anos, mais do que ela gostaria de saber quando tropeça em uma caixa em sua garagem.”

‘Ele estava confessando’

Dennis Rader permanece em “gestão especial” na Instalação Correcional El Dorado, como mostram registros da prisão.

Ele tem estado lá desde 19 de Agosto de 2005. Sua possível data mais próxima de libertação é 26 de Fevereiro de 2180, prazo além de uma vida humana.

Ele recebeu apenas uma advertência nesses nove anos, por uma violação relacionada aos correios.

Sua última foto na prisão, tirada no início de 2013, mostra um homem que aparenta ser visivelmente mais velho, com uma testa profundamente franzida e cabelos desgrenhados em ambos os lados da parte superior de sua cabeça careca.

Na foto: A última foto do serial killer Dennis Rader disponibilizada ao público. Data: Fevereiro de 2013. Créditos: KASPER - OFFENDER POPULATION SEARCH.

Na foto: A última foto do serial killer Dennis Rader disponibilizada ao público. Data: Fevereiro de 2013. Créditos: KASPER – OFFENDER POPULATION SEARCH.

Seu pai tem 69 anos agora, disse Rawson. Sua mãe tem 66 e está aposentada.

Rawson disse que o FBI bateu à porta de sua casa em Wichita em Fevereiro de 2005.

“No começo eu tentei argumentar,” ela disse. “Ao meio-dia o FBI bateu à minha porta e começou a me dizer que meu pai era outra pessoa. Eu não acreditei e tentei formar um álibi: ‘De que datas você está falando? Em que horários?’ Eu tentei, mas rapidamente descobri… Não havia como contornar o caso, era verdade.”

“Ele estava confessando.”

A mídia perseguiu sua mãe, sua avó e o resto de sua família em Wichita. Eles a perseguiram no Michigan, conta ela. Eles ofereceram dinheiro a parentes e amigos para que eles falassem. “Foi horrível,” ela disse. “Eu acho que eu e minha mãe sofremos de um pouco de Transtorno de Estresse Pós-Traumático depois do que aconteceu.”

Isso afetou a vida e as emoções dela e de seu irmão. Ambos eram filhos brilhantes. Seu irmão, Brian, tinha sido escoteiro e estava em treinamento para servir em submarinos da Marinha dos EUA quando Dennis Rader foi preso, diz Rawson, observando que “você não pode fazer nada parecido com isso, a menos que você seja realmente brilhante”.

Seu irmão serviu em submarinos da Marinha de 2004 a 2009, ela disse. Brian agora está indo para a faculdade pelo GI Bill (programa de reajuste à sociedade para veteranos de guerra). Rawson se preocupa que talvez ele esteja sofrendo.

“Ele não tem os filhos e a família que eu tenho,” ela disse. “E isso realmente é tudo que eu tenho para dizer sobre ele.”

Rawson tem duas formações, uma em Educação e outra em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Kansas. Mas tudo isso ficou escondido. Ela e sua mãe buscaram orientação.

“A coisa mais difícil… uma vez que você descobre tantas coisas horríveis sobre alguém que você amava e com quem vivia, é preciso realmente trabalhar para superar isso.”

Ela conta que nunca teria conseguido sem a força que recebe de seu marido, sua mãe e sua fé cristã. “Você simplesmente decide que é isso que a vida te deu e você decide seguir em frente.”

Sua mãe, que ainda vive na área de Wichita, é uma de suas heroínas. “Ela manteve a cabeça erguida, a vida quieta, continuou indo à igreja – ela é incrível.”

Sua própria filha, uma criança, começou a fazer perguntas. “Ela percebeu que tem duas avós – mas onde está o avô? Ela viu nosso vídeo de casamento. Meu pai me levou ao altar. Que pai não faria isso?”

“Eu não queria mentir,” disse Rawson. “Então eu disse à minha filha que ele está preso. Eu não disse o motivo. Eu disse que seu avô fez coisas ruins. E às vezes é muito difícil superar um dia, então eu digo a ela que sua mãe está tendo um dia muito ruim.”

“Eu sei que é loucura. Qualquer pessoa que tivesse conhecido meu pai, ao ouvir que ele é outra coisa, esse assassino… É muito difícil para todos que o conheciam aceitar isso.”

‘Ele era meu pai’

A última vez que ela viu seu pai foi no Natal de 2004. BTK havia ressurgido em Março daquele ano, e foi preso dois meses depois do Natal, em Fevereiro de 2005.

Ela não consegue ir vê-lo na prisão, mas tem escrito ocasionalmente, “é verdade?”

E seu pai tem ocasionalmente respondido.

Ela não aceita nenhuma de suas explicações para o que ele fez.

Em seu lar, enquanto crescia, ela o amava.

“Ele era tudo. Ele era um pai. Ele nos ensinava sobre a natureza, sobre como pescar, como acampar, como cuidar de um jardim. Ele me ensinou muito. Ele nos levou para férias divertidas. Ele era bem ‘escoteiro’”.

Em sua casa em Park City, quando era criança, seu pai disciplinava a ela e a seu irmão por erros – não pegar seus sapatos, por falar palavrões, por sentar na cadeira favorita dele na mesa da cozinha. Mas Dennis nunca abusou deles.

“Ele é apenas esse cara.

Eu nunca o odiei. Eu estava extremamente machucada mas eu o amava, apesar de tudo. Ele era meu pai. Então eu estava extremamente brava e machucada.

Uma das piores partes é questionar-me; ele realmente me amava?

Ou era apenas uma fachada?

Estou feliz que o tenham pego.”

Em 2012, Kerri foi à sua igreja e contou sua história para 200 mulheres.

Aquilo trouxe alívio, apesar de ela ter dito às mulheres que nunca perdoaria seu pai.

Mas algum tempo depois disso, no Natal, voltando para casa depois de ver um filme, ela decidiu perdoá-lo – dar a si mesma um pouco de paz, mas não necessariamente por ele. “Deus me deu aquele perdão,” ela disse. “Minha fé é a pedra embaixo de mim.”

Ela escreveu uma carta de seis páginas para seu pai, explicando que o perdão vem com advertências: que ela nunca vai entender o que ele fez, ou seus motivos. Que o que ele fez não faz sentido.

“Não importa o que os livros ou as histórias digam, ele não é um monstro. É apenas um cara que fez a pior coisa possível, 10 vezes em 17 anos.”

“Ele pertence à prisão.

Estou feliz que o tenham pego.

Não consigo imaginar ser da família de uma das vítimas e suportar o que eles devem ter passado.”

Carta da filha de Dennis Rader

Kerri Rawson enviou uma carta intitulada: “Uma carta para Stephen King e a imprensa, da filha de Dennis Rader.”

Ela incluiu seu número de telefone e seu e-mail.

Segue a carta:

Para The Eagle, The Wichita TV Media e o Sr. Stephen King. Minha família está esgotada, estamos cansados. Não somos notícias, não somos uma história a ser explorada e lucrar por cima, torcida e recontada a seu gosto, quando vocês quiserem. Deixem a nós, as famílias e a comunidade longe disso.

Meu pai não é um monstro, isso é elevá-lo. Ele é apenas um homem, que escolheu fazer uma das mais terríveis coisas que uma pessoa poderia fazer. Não um monstro, um homem. Um homem que tomou 10 preciosas vidas e tentou destruir inúmeras outras. Ele não vale toda essa atenção.

Minha mãe é a mulher mais forte e corajosa que já conheci. Ela não precisa de sua vida sendo reproduzida num conto ou nos telões. Sua vida é um testemunho verdadeiro de tudo que há de bom e certo nesse mundo.

Minha família tem tentado bastante combater o bom combate, permanecer firmes na fé e viver uma vida pacífica. Então nos deixe viver esse tipo de vida e por favor, nos deixe fora disso. Fora do barulho, do caos, do feio e do terrível.

Kerri (Rader) Rawson 

Trailer do filme “A Good Marriage” 


Com informações: The Wichita Eagle

Esta matéria teve colaboração de:

Tradução e revisão por:

ester

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"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz." (Platão)
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