Dizem os espíritas que a alma evolui a cada reencarnação. Por isso existiriam espíritos mais e menos evoluídos. Bons e ruins. Os espíritos mais evoluídos, mais preparados, seriam uma espécie de coringa. Eles seriam mandados à Terra de tempos em tempos para ajudar na evolução dos que aqui estão. Não só as pessoas, mas a humanidade como um todo. E isso poderia explicar por que alguns homens destoam tanto dos outros. Como explicar alguém com a inteligência de um Isasac Newton? Johan Gauss? René Descartes? Antoine Lavoisier? Simples. Esses homens seriam apenas espíritos altamente evoluídos, que foram colocados aqui, em épocas estratégicas, com um único propósito: ajudar, de alguma forma, na evolução da humanidade.
Pelo sim ou pelo não, o homem tema deste post também parece ter sido alguém enviado a este mundo com um propósito. E ao olharmos para sua carreira, vemos o quão indiscutível é o seu legado e o quanto seus esforços contribuíram para a popularização de uma área para qual, ainda hoje, muita gente torce o pescoço.
Faleceu no último dia 18 de abril de 2013, na cidade russa de Rostov-on-Don, um dos mais brilhantes psiquiatras do século 20. Seu nome, Alexander Olimpievich Bukhanovsky. Autor de mais de 300 artigos, 80 dos quais publicados em várias línguas, livros, guias e manuais médicos, o russo era um dos maiores especialistas em psiquiatria criminal do mundo. Bukhanovsky ficou mundialmente conhecido por ter sido uma peça-chave na elucidação de um dos piores casos de assassinatos em série de toda história. Pelo seu trabalho, ganhou medalhas do governo russo e o reconhecimento do FBI, a polícia federal norte-americana. Tendo uma carreira pontuada por inúmeros sucessos, Bukhanovsky experimentou uma grande decepção. Um de seus pacientes, apesar de anos de tratamento e observação, tornou-se um serial killer.
Nascido em Grozny, cidade que hoje é considerada a capital da região separatista da Chechênia, Bukhanovsky inspirou-se em sua família na hora de escolher sua profissão. Seu avô, Aram Sarkisyants, formado pela Universidade de Kharkov, foi um dos fundadores do sistema de saúde da Chechênia. Sua mãe, Evelyn Sarkisyants, dedicou sua vida à odontologia. Com grandes exemplos em casa, Bukhanovsky, desde a mais tenra idade, sabia o que queria estudar. Ele se formou com honras em medicina pela escola médica da Inguchétia, uma divisão russa vizinha da Chechênia, e, em seguida, especializou-se em psiquiatria pelo Instituo Médico da cidade de Rostov. Trabalhou como médico na marinha russa, entre 1968 e 1970, época em que casou com a filha de um oncologista.
Desde o início, Bukhanovsky foi considerado a “ovelha negra” da medicina soviética. Digo isso porque seus temas de pesquisa eram considerados “perigosos” pelo comunismo. Embora a genética não fosse uma área vista com bons olhos na União Soviética, foi sobre ela que ele escreveu sua tese de doutorado. O tema: a genética da esquizofrenia. Em 1980, mais uma vez ele se aventurou por temas “negros”. Era a vez de ir a fundo na transexualidade. Pesquisas sobre homossexuais e transexuais num país onde era crime ser gay, certamente não deveria ser o mais tranquilo dos trabalhos e obviamente Bukhanovsky foi ignorado pelos seus colegas e correu um grande risco de, inclusive, ser preso.
Mas, evidentemente, quem conhece Bukhanovsky sabe que sua especialidade máxima se deu na área de psiquiatria criminal. Na União Soviética, esse campo de estudo também não era visto com bons olhos. A ideologia do comunismo não aceitava o fato de que algumas pessoas podiam nascer predispostas a cometer crimes. Esse era mais um assunto proibido. Como em muitos outros países fortemente afetados pelo nazismo de Hitler, discutir temas como esses era impossível. Cientistas que se atreviam a tal, se aproximavam de limites bastante perigosos, muitos eram forçados a colocar seus materiais de pesquisa dentro de um armário e eram “convidados” a pararem seus trabalhos. Muitos perdiam seus empregos em universidades.
No entanto, trabalhando no departamento de psiquiatria do Instituto Médico da cidade de Rostov, Bukhanovsky se atreveu a estudar a psique de assassinos que os comunistas insistiam não existir por lá: os serial killers. E foi estudando as mentes desses assassinos que Bukhanovsky entrou para a história. Tudo começou em 1984, quando ele foi abordado por um investigador da polícia de Rostov que estava desesperado. Havia um serial killer na cidade, e o investigador queria pegá-lo.
O Estripador da Floresta
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Entre 1982 e 1984, uma onda de assassinatos em série assolou a região de Rostov. Corpos de mulheres e crianças eram encontrados mutilados e sem os olhos em florestas e parques. Em 1984 foram encontrados 13 corpos, totalizando 24 assassinatos nos últimos dois anos. Sem pistas do assassino, um dos investigadores-chefes do caso, o tenente Viktor Burakov, decidiu consultar especialistas em psiquiatria na tentativa de entender a mente do maníaco. Em meados de 1984, ele abordou Bukhanovsky e pediu para que ele traçasse um perfil psicológico do assassino. Bukhanovsky era sua última opção, já que vários outros profissionais da área se negaram a atendê-lo.
Bukhanovsky estudou os poucos materiais do caso e pintou um retrato psicológico parcial do assassino. Tempos depois, Burakov enviou toda a documentação do “Estripador da Floresta” para o psiquiatra. E lendo todo o material, Bukhanovsky viu algo aterrorizante. Ao contrário da maioria dos serial killers, o maníaco de Rostov não descontava sua fúria num único tipo de vítima, ao contrário, ele matava homens e mulheres, adultos e crianças. Das mulheres ele removia os úteros, dos homens, os testículos e pênis. Era um homem com perversões contra vários tipos de pessoas. Bukhanovsky analisou cada cena de crime, cada assassinato e cada ferimento imposto pelo assassino nas vítimas. O resultado disso foi um perfil psicológico do maníaco escrito em 62 páginas. De acordo com Bukhanovsky, o assassino não sofria de psicose ou retardo mental. Externamente, aos olhos das pessoas, ele seria alguém perfeitamente normal. O criminoso não tinha habilidades excepcionais, mas era talentoso. Apesar de muitas vítimas serem meninos, ele era heterossexual. O maníaco tinha um ressentimento interno muito grande que provavelmente vinha desde a sua infância. Para experimentar a satisfação sexual, ele deveria assistir às pessoas morrerem; e não era só isso, as vítimas tinham que sofrer. Talvez ele sofresse de impotência e muito possivelmente trabalhou com crianças, como ex-professor ou tutor. Bukhanovsky também sugeriu que o serial killer tivesse entre 45 e 50 anos, era um homem alto, bem desenvolvido fisicamente, podia ser solteiro ou casado, mas se fosse casado, sua mulher seria submissa.
Levaria mais seis anos para Viktor Burakov pegar o terrível serial killer que arrancava os olhos de suas vítimas. Em novembro de 1990, o corpo de uma jovem mulher foi encontrado em uma floresta que cercava a estação de trem de Donleskhoz. Analisando as anotações de policiais disfarçados que estavam na estação, os investigadores descobriram que um homem havia sido parado por eles em atitude suspeita. Sem ter motivos para prendê-lo, os policiais disfarçados o liberaram, mas não sem antes anotar seu nome: Andrei Romanovich Chikatilo.
Chikatilo era um homem acima de qualquer suspeita; 54 anos, casado, avô, notório membro do partido comunista, ex-professor, formado em engenharia, literatura, marxismo-leninismo e propaganda. Um respeitável cidadão soviético.
Chikatilo negou veementemente a autoria dos mais de 30 assassinatos contabilizados na região entre 1982 e 1990. Após 9 dias de infrutíferos interrogatórios, Viktor Burakov teve uma ideia. Talvez o psiquiatra Bukhanovsky pudesse ajudá-los nos interrogatórios. O psiquiatra, sozinho, entrou na sala e começou a interrogar Chikatilo.
“Não fiquei com medo dele. Ele era um assassino apenas em determinadas circunstâncias. Eu tinha consciência do seu caráter”, disse Bukhanovsky.
Imediatamente Bukhanovsky percebeu que Chikatilo era o tipo de homem que ele havia descrito em seu perfil psicológico anos antes. Solitário, não ameaçador, aparência comum. Com técnicas totalmente diferentes das usadas pelos truculentos investigadores soviéticos, Bukhanovsky encontrou uma abordagem correta para com Chikatilo e, então, ele começou a falar. Chikatilo confessou 56 assassinatos ao psiquiatra. E o perfil escrito por Bukhanovsky, seis anos antes, provou-se ser extremamente acurado. Chikatilo realmente era um homem acima de qualquer suspeita, tanto que nem a família nunca suspeitou dos seus crimes. Trabalhando como gerente de produtos de uma fábrica de locomotivas, viajava bastante a negócios, tinha uma esposa submissa em casa, era impotente e trabalhou vários anos como professor de literatura e língua russa em escolas para crianças. A extrema precisão do perfil traçado por Bukhanovsky do Estripador da Floresta o transformou numa estrela da medicina. Nada mal para quem, no começo, escondia-se por detrás dos panos e era motivo de chacota de seus colegas devido às suas “medonhas” áreas de pesquisa.
Bukhanovsky acreditava que Chikatilo era doente, muito doente. De acordo com o psiquiatra, a melhor solução para o maníaco era enviá-lo para uma clínica psiquiátrica para o resto de sua vida. No entanto, o clamor popular somado aos resquícios do autoritarismo soviético fez com que Chikatilo tivesse um destino totalmente diferente. Seu julgamento foi totalmente tendencioso e chegou ao ápice de o Juiz proibir que o seu advogado convocasse testemunhas de defesa. Um exame oficial (tendencioso?) conduzido por psiquiatras da promotoria concluiu que Chikatilo era mentalmente capaz e ele foi condenado à morte. Ele foi fuzilado em 1994, tornando-se o último prisioneiro a ser morto na Rússia.
Em 1991, pegando carona na grande popularidade conseguida com o caso Chikatilo, Bukhanovsky inaugurou, em Rostov, uma clínica de tratamento para pessoas com distúrbios mentais, o Centro de Pesquisa e Tratamento Médico Phoenix. Ele se tornou presidente da clínica com sua filha, Olga Bukhanovsky, também psiquiatra, sendo a médica-chefe. Bukhanovsky defendia a socialização do doente mental, ele queria quebrar os estereótipos que a sociedade carregava (e ainda carrega) sobre essas pessoas. Outro dos seus objetivos era tornar a saúde mental na Rússia algo mais “civilizado”. Na época, uma estimativa feita pela Phoenix mostrou que 75 a 90% dos pacientes psiquiátricos da Rússia e Europa não recebiam tratamentos adequados. Segundo Bukhanovsky, com a abordagem certa, essas pessoas poderiam ter uma qualidade de vida muito maior e viver uma vida normal.
Entretanto, seus argumentos ficaram apenas no campo teórico. Bukhanovsky percebeu que não podia mudar o sistema. Liderar uma batalha política para reformas no setor de saúde na Rússia não seria tarefa das mais fáceis. Segundo ele, apenas suas forças não seriam o suficiente.
Sua clínica rapidamente se tornou uma das mais populares do sul da Rússia. Pessoas de várias regiões do país começaram a aparecer por lá em busca de tratamento, até mesmo estrangeiros (principalmente imigrantes de língua russa). Paralelamente, Bukhanovsky passou a trabalhar com o departamento de polícia de Rostov. Durante anos, ministrou cursos para policiais, ensinando-os a caçar serial killers. Como resultado, a polícia de Rostov passou a identificar tais assassinos com uma taxa de sucesso incrivelmente alta, mais do que em qualquer outra região da Federação Russa ou do mundo. O sucesso da polícia de Rostov em pegar serial killers foi tão grande que a cidade ganhou um infame apelido na virada do ano 2000: A capital mundial dos serial killers. Em 1998 ele fez um cálculo demonstrando que havia 115 serial killers soltos na Rússia. O Ministério do Interior russo imediatamente criticou Bukhanovsky e, num relatório contrário, indicou haver apenas 27 serial killers agindo em todo país. Três anos depois, um balanço do Ministério Público russo indicou que no período de 1998 a 2001, 201 serial killers foram presos em todo país, relatório que acabou por confirmar o cálculo do psiquiatra.
Bukhanovsky ainda atuou como vice-presidente do Conselho Público do Ministério do Interior russo, na região de Rostov, foi consultor chefe do departamento de investigação criminal da Rússia, professor de direito penal e psiquiatria na Universidade de Rostov e membro do conselho do Ministério da Saúde. A partir da década de 2000, Bukhanovsky implementou uma série de tecnologias inovadoras na área de saúde mental, como por exemplo, um moderno banco de dados clínicos que usava para aperfeiçoar suas pesquisas. Bukhanovsky era um workaholic, dormia três horas por dia e dedicava o resto do tempo ao trabalho. Muitos de seus alunos de psiquiatria da universidade de Rostov ganharam os mais importantes prêmios da área e juntos registraram 11 patentes. Além disso, ele sempre era chamado para traçar laudos psiquiátricos dos mais violentos e notórios criminosos da Rússia. Um deles foi o coronel Yuri Budanov, militar russo acusado de massacres contra civis na guerra da Chechênia. Enquanto vários outros psiquiatras debatiam contra ou a favor da sua sanidade, Bukhanovsky foi claro: ele era são.
Mas nem sempre Bukhanovsky foi unanimidade. De 1992 a 1996, ele foi comumente atacado por um jornalista que considerava o retrato psicológico de Andrei Chikatilo falho. Bukhanovsky não gostou nem um pouco de ter o seu maior trabalho questionado. Ele entrou com um processo contra o jornalista e ambos brigaram durante quatro anos. No final das contas, a alegação do psiquiatra foi rejeitada. O tribunal considerou que o jornalista tinha o direito de apontar deficiências no trabalho de Bukhanovsksy. Outro grande problema para o psiquiatra na década de 1990 foi quando ele decidiu tratar de estupradores e assassinos, criminosos que procuravam sua clínica para tratamento, mas cujos crimes a polícia não tinha conhecimento. Por ética médica, Bukhanovsky não revelou os nomes de tais pacientes, o que gerou um grande protesto por parte da polícia e ministério público local. Em 2010, Sergey Tsapok, ex-paciente da Phoenix, perpetuou um massacre numa aldeia russa ao matar 12 pessoas, sendo quatro crianças. Tsapok liderava uma gangue da região russa de Krasnodar, responsável por instaurar o medo na região, promovendo saques, roubos, estupros e assassinatos, tudo com a conivência da polícia local. O massacre chocou a Rússia. Investigando o passado de Tsapok, descobriu-se que ele havia feito parte do quadro de pacientes da Phoenix, e recebido tratamento intensivo por parte da equipe de Bukhanovsky. Ele foi liberado sob condição de tomar diariamente sua medicação e voltar à clínica de tempos em tempos, o que não aconteceu.
Muitos na Rússia questionaram a Phoenix, e esse episódio causou um grande impacto na reputação do “homem que pegou Chikatilo”
A Grande Frustração
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A psiquiatria criminal é uma área muito complexa, e nem sempre os esforços de especialistas levam ao sucesso. Um exemplo bastante ilustrativo é a história de Igor Elizarov. Nascido em 1979, na cidade de Rostov, desde criança Igor mostrou todos os sintomas de um clássico serial killer. Torturava e matava animais, se masturbava empalando gatos… Aos 12 anos, ao presenciar uma dessas cenas, sua mãe o levou à recém-inaugurada Phoenix.
“A mãe do menino chegou desesperada. ‘Façam alguma coisa!’ Gritava ela”, disse Olga Bukhanovsky em uma entrevista para o jornal russo Newsland, em 2011.
Alexander Bukhanovsky supervisionou pessoalmente o processo de tratamento do adolescente.
Elizarov era um menino bastante inteligente, de fácil contato e bastante ativo. Ao saber de sua condição, começou a estudar a literatura disponível e chegou a confessar a Bukhanovsky que não queria se tornar um assassino, como aqueles que ele havia visto nos livros. No entanto, sua doença mental era algo inerente ao seu desenvolvimento, e quanto mais ele ficava velho, mais ela o perseguia. Ele interrompeu duas vezes o tratamento com Bukhanovsky. Na primeira, ainda adolescente, parou de tomar sua medicação e começou com um comportamento criminoso que o levou a incendiar várias lojas em Rostov e a orquestrar um acidente de trem. Começou a frequentar cemitérios e logo estava cavando as sepulturas para se masturbar em cima dos corpos de mulheres recém-enterradas.
Após perceber que estava saindo do controle, voltou à Phoenix, onde experimentou um período de estabilidade. Começou a namorar e formou-se em economia. Tudo ia bem até ele, novamente, achar que estava curado. Apesar dos apelos, Bukhanovsky e sua equipe não podiam forçá-lo a continuar o tratamento. Ele interrompeu suas sessões e logo depois os fantasmas começaram a aparecer, desta vez muito piores. Sua namorada o deixou e tomado por suas fantasias, estuprou e assassinou duas pessoas, dentre as quais uma criança de apenas 5 anos. Rapidamente ele foi pego antes que pudesse cometer novos assassinatos. Foi condenado a 15 anos de prisão. Sobre o caso, Bukhanovsky disse que Igor Elizarov foi a maior frustração de sua carreira, e que o necrófilo assassino comprova que pessoas com tais distúrbios nunca podem deixar de ser acompanhadas. Elas precisam ser vigiadas constantemente.
Outro paciente tratado na Phoenix e que abandonou o tratamento por achar que estava sob controle foi um talentoso ginasta russo. Bukhanovsky costumava citá-lo em entrevistas como exemplo de que tais pacientes deveriam ser sistematicamente acompanhados durante toda a vida. Aos 15 anos, o esportista presenciou um dos colegas se machucar ao fazer um exercício em barras assimétricas. O cheiro de sangue despertou sua fera interior e ele se sentiu sexualmente excitado. Resultado: o adolescente que poderia ser muito bem um campeão olímpico, tornou-se um serial killer. Duas mulheres foram mortas.
Apesar de a União Soviética (e seus conceitos conservadores) ter se esfacelado há mais de 20 anos, Bukhanovsky sempre enfatizou que o seu país estava muito longe de compreender o real valor da psiquiatria criminal. Mas se o seu país não reconhecia o verdadeiro valor desse campo do conhecimento, o mesmo não podemos dizer dos Estados Unidos, país onde a psicologia e a psiquiatria são áreas bastante respeitadas e consideradas de suma importância. Lá, Bukhanovsky era considerado um Deus. O russo era membro da Associação Americana de Psiquiatria, da Academia Americana de Psiquiatria e da Academia Americana de Ciências Forenses. Foi um dos poucos psiquiatras não-americanos a lecionar na academia do FBI, bem como no Centro Médico da Universidade de Rochester e da Universidade do Sudoeste de Illinois.
O jornal russo (veja aqui) Argumentos e Fatos publicou uma entrevista com o psiquiatra um dia antes de ele falecer.
“Como um psiquiatra eu posso ver claramente dois problemas da sociedade russa: a degradação e o enfraquecimento mental. Aos poucos, a empatia e o desejo de compreender o outro emocionalmente estão desaparecendo. Costumo brincar fazendo uma analogia com os últimos anos da guerra. Nasci em 1944 e me lembro da minha mãe trazendo desabrigados para casa, alimentando-os com sopa. Minha avó ajudava cozinhando. Quem hoje poderia fazer o mesmo?”, disse ele.
Bukhanovsky foi bastante crítico com relação ao uso das tecnologias pelos adolescentes, criticou jornalistas por coberturas sensacionalistas de tragédias e também não poupou críticas a nós, seres humanos que, segundo ele, não se comunicam mais uns com os outros. Veja abaixo partes da entrevista traduzidas.
Bukhanovsky: Observo o estreitamento do leque de interesses, iniciativas, aspirações. O amor ao próximo, patriotismo, a capacidade de sacrificar seus próprios interesses para o bem comum. Num passado não muito distante, as pessoas eram interessadas nas artes, ciências, mas agora estão reduzidas a interesses utilitários. O próximo problema será quando as pessoas pararem de se comunicar. Há não muito tempo vi na televisão a propaganda de um dispositivo que é usado no braço de uma criança. A criança caminha sozinha do lado de fora e sua mãe não está preocupada, pois ela o vê numa tela. Não há calor emocional, nem preocupação. Ele irá crescer, mudar, e a relação continuará da mesma forma, mas dessa vez, usando o Skype.
Jornal: De onde vêm esses problemas?
Bukhanovsky: Você se lembra do que era feito um artista? Da inteligência. E o que há hoje? Meninas na TV usando shortinhos e meninos despenteados. Eles são despejados nas telas da TV, páginas de jornais, com todos seus detalhes íntimos. Estes são os ídolos de nossos filhos? Eles não assumem nenhuma cultura, não contribuem em nada e ajudam na degradação. O segundo problema é a revolução científica e tecnológica. Veja, uma de nossas primeiras descobertas técnicas foi a cerâmica. Foi um poderoso impulso para o desenvolvimento da cultura. Mas, ao mesmo tempo, tivemos a oportunidade de fermentar frutas. Os alquimistas trabalharam na destilação do álcool e daí tivemos a bebida. É um avanço cultural e tecnológico, mas então veio o alcoolismo, um efeito colateral. E hoje, estamos presenciando avanços tecnológicos poderosíssimos no campo da tecnologia da informação, com resultados horríveis e sérios. Os indivíduos pararam de se comunicar. Isso é particularmente grave entre jovens que tendem a ser depressivos e cometer suicídios, basta ver casos recentes de crianças e adolescentes que tiraram a própria vida mundo afora devido a comentários ou fotos publicadas na internet. O habitat está mudando muito rápido e a humanidade não tem tempo suficiente para se adaptar a essa velocidade.
O número de suicídios, especialmente de crianças, homicídios, o número de alcoólatras e viciados em drogas, são sempre um indicador de problemas na sociedade. E hoje acrescentamos a dependência não-química, um jogo, um computador. Chamamos isso de uma partida da vida onde os adolescentes não conseguem se encontrar. Acredite em mim, isso pode ser pior do que a dependência do álcool e das drogas. A mídia contribui para isso com suas novelas irreais e violência exacerbada. A TV provoca uma falta de fé no poder do povo e seu futuro. Como profissional, eu sei que para mudar a psicologia de uma pessoa bastam 5, 7 anos. No entanto, para restaurá-la novamente, é necessário pelo menos três gerações.
Jornal: Você desenvolveu um programa que permite rastrear um criminoso potencialmente homicida. Por que a polícia não o utiliza?
Bukhanovsky: Porque a psiquiatria é subestimada. De acordo com nossos cálculos, o maníaco Chikatilo custou milhões de dólares americanos ao país. Suas vítimas não cresceram, não tiveram uma profissão, não estão trabalhando e, portanto, não pagam impostos. Estou convencido de que hoje podemos identificar essas pessoas antes de cometerem um crime. Na psiquiatria, existe o estigma de que somos impotentes, que a ciência não pode fazer nada. Mas não é assim. A psiquiatria pode muito hoje. Recentemente, recuperamos uma mulher que foi desenganada por vários outros colegas profissionais estrangeiros. Ela tinha uma doença chamada de catatonia letal. Nós a pegamos e a recuperamos. Nós, psiquiatras, temos dois lemas: “Não existe paciente ruim” e “nada é impossível”. Eu gostaria de extrapolar esses lemas aqui em nosso país. Tudo pode ser melhorado.
Eu sou contra a pena de morte, o agressor deveria ser isolado e punido. Eu estive sentado à noite vendo imagens horríveis de crianças destroçadas, vítimas de Chikatilo. Naquela hora, eu estava pronto para destroçar o homem que havia feito aquilo. Mas quando sentei com Chikatilo à mesa, percebi que eu era um médico e na minha frente estava um homem doente. O que ele fez é um pesadelo, um horror, mas eu não apóio aqueles que ficaram nas ruas gritando para que ele fosse condenado à morte.
Perguntado certa vez se ele considerava seu trabalho como uma escola a ser ensinada e seguida, ele disse: “Quando eu morrer, vocês poderão dizer se é ou não uma escola”.
Vídeo: a morte de Alexander Bukhanovsky
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Com colaboração:
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Vídeo, tradução por:
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