Peter Ham e a Trágica História do Badfinger

O julgamento de méritos em relação à música é quase sempre uma questão puramente emocional, embora se gaste tanta razão e argumentação e, também, muito papel e tinta (hoje...
Badfinger - história

Peter William Ham

O julgamento de méritos em relação à música é quase sempre uma questão puramente emocional, embora se gaste tanta razão e argumentação e, também, muito papel e tinta (hoje o teclado) para dizer que um determinado gênero, artista, música etc, é melhor que o outro. Mas, talvez, nenhum outro estilo na história da música tenha sido tão espancado quanto o rock ‘n’ roll.

O rock ‘n’ roll já foi considerado a música do demônio e a trilha sonora dos delinquentes juvenis. Quando Elvis Presley apareceu, a conservadora sociedade da época o considerou um lixo humano ou, pior, o próprio Demônio dançando atrás das câmeras de TV numa tentativa de seduzir seus filhos para roubar-lhes as almas. Perseguido com unhas e dentes na América, o rock explodiria de vez do outro lado do oceano. Paradigmas e preconceitos quebrados, todos hoje parecem concordar numa coisa: o rock já não assusta mais ninguém. Entretanto, alguns dizem que uma terrível maldição o acompanha: a maldição dos 27 anos.

Vários foram os astros do rock mortos aos 27 anos. Overdoses, suicídios, acidentes… estranhamente grandes nomes do gênero morreram nesta idade. O primeiro foi o bluesman Robert Johnson, depois vieram Jesse Belvin, Brian Jones (Rolling Stones), Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison (The Doors), Kurt Cobain (Nirvana) etc. Até mesmo Amy Winehouse morreu aos 27 anos.

E hoje, 24 de Abril de 2013, completam-se 38 anos da morte de um dos “membros” do infame “Clube 27”. Provavelmente, ele é um dos menos conhecidos, mas certeza mesmo é que 38 anos depois este músico está completamente esquecido. Seu legado, porém, ultrapassou a barreira do tempo e tenho certeza que ao ler esse texto você pensará: “Nossa! Essa música é dele?”

Seu nome?

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Peter William Ham

Em 1968, uma banda chamada The Iveys enviou algumas fitas de demonstração do seu som para a recém-inaugurada gravadora dos Beatles, a Apple. O guitarrista dos Beatles, George Harrison, escutou o material e ficou de cabelo em pé. Foi até fácil ganhar a aprovação e a confiança do fab four, não somente sua música era excelente como a banda, em tudo, lembrava os Beatles de alguns anos antes. Eles ganharam um contrato. E essa banda tinha tudo para entrar para a história. Apadrinhados por Paul McCartney e George Harrison, houve quem ousasse apontá-los como os novos Beatles. Mas por peças que o destino prega, essa banda não atingiria o sucesso total, ao contrário, terminaria os seus dias no ostracismo e com dois integrantes mortos.

Na Foto: George Harrison e Peter Ham, na Apple Studios em 1971.

George Harrison e Peter Ham, do The Iveys, na Apple Studios em 1971. Créditos: Corbis.

Na Foto: George Harrison e Peter Ham, do The Iveys.

George Harrison e Peter Ham. Créditos: Corbis.

Na Foto: Integrantes do Badinger e George Harrison durante uma gravação na Apple.

Integrantes do The Iveys e George Harrison durante uma gravação na Apple.

Os dois principais nomes do The Iveys eram:

Peter Ham e a tragica historia do Badfinger - Peter HamNome: Peter William Ham.

Nascimento: 27 de abril de 1947. Swansea, País de Gales.

Ocupação: vocalista, compositor.

Instrumentos: guitarra, piano.

Bandas: The Iveys, Badfinger.

Obs.: Nascido no País de Gales, Peter Ham formou sua primeira banda, The Panthers, em 1961. O grupo foi o embrião do The Iveys, formado quatro anos depois, em 1965. Em um dos seus shows, a banda chamou à atenção de Ray Davies, da banda The Kinks, que produziu alguns compactos para eles. Peter Ham é considerado um dos pioneiros do gênero power pop.

Tom Evans, Bassist of BadfingerNome: Tom Evans Jr.

Nascimento: 5 de junho de 1947. Liverpool, Inglaterra.

Ocupações: baixista, compositor.

Instrumentos: baixo, guitarra, piano

Bandas: The Calderstones, The Iveys, Badfinger

Obs.: Em 1967, Peter Ham e sua banda The Iveys foram até Liverpool com o objetivo de encontrar um substituto para o então guitarrista Dave Jenkins. Eles descobriram Tom Evans, que era vocalista da banda The Calderstones, e o convidou para fazer um teste. Tom Evans se juntou ao The Iveys em agosto de 1967 como baixista. O primeiro sucesso do The Iveys, Maybe Tomorrow, foi escrito por Tom Evans para sua namorada, Leslie Sandton.

The Iveys contavam ainda com Mike Gibbins na bateria e Joey Molland na guitarra. Sob a tutela dos Beatles, eles gravaram, em 1969, o álbum Maybe Tomorrow, no qual se destacava a música homônima Maybe Tomorrow, sucesso em toda a Europa, com exceção da Inglaterra. No ano seguinte, colaboraram para a trilha sonora de The Magic Christian, filme com Peter Sellers e Ringo Starr. Após esse trabalho, os rapazes mudaram o nome da banda para Badfinger, e uma corrente de hits provou o que todos suspeitavam: eles eram muito bons. Ainda em 1970, eles lançaram um clássico absoluto da música contemporânea. No álbum No Dice havia uma tal música chamada Without You, entretanto, essa música entraria para a história na voz de outro cantor.

Um tal cantor americano chamado Harry Nilsson certa vez estava numa festa e escutou Without You.

“Muito boa essa nova música dos Beatles!”, exclamou ele.

Mas um amigo o corrigiu:

“Não, essa música é de uma banda chamada Badfinger”.

Harry Nilsson pediu permissão ao Badfinger e a regravou dois anos depois, em 1972. O resultado? Um dos maiores sucessos de todos os tempos, uma música que até hoje toca nas rádios e que arrepia até a mais fria das almas, regravada por inúmeros artistas. Uma interpretação de gala de um americano para uma letra não menos impactante escrita pelos dois cabeças do Badfinger: o vocalista Peter Ham e o baixista Tom Evans.

Escute abaixo e saiba do que eu estou falando.

A linda Without You foi uma música composta por Peter Ham e Tom Evans e suas linhas referiam-se à acontecimentos reais da vida dos dois compositores. Inicialmente, Peter Ham escreveu a música sob o título de If it’s Love (Se é Amor), entretanto, Ham não ficou satisfeito com a letra, pois, para ele, faltava um refrão mais denso, forte. A história da música começou numa noite em que Peter Ham e sua namorada, Beverly Tucker, estavam prestes a sair para um restaurante. Tom Evans apareceu e disse:

“Tenho uma ideia para uma música!”

“Hoje a noite não, eu prometi a Bev que sairia com ela”, respondeu Ham.

E por algo que só o destino pode explicar, a namorada de Peter Ham disse:

“Sua boca está sorrindo, mas seus olhos estão tristes. Vá para o estúdio, tudo bem por mim.”

O refrão que Peter Ham escreveu naquela noite continha os versos:

Well I can’t forget tomorrow, when I think of all my sorrow, I had you there but then I let you go, and now it’s only fair that I should let you know… if it’s love…

[Bem, eu não posso esquecer o amanhã, quando eu penso em toda minha tristeza, eu tive você mas então a deixei ir, e agora é justo que eu devo deixar você saber, se é amor…]

Mas Peter Ham não ficou satisfeito com o refrão e a letra ficou num impasse, um impasse que seria resolvido devido a um evento ocorrido com Tom Evans. Numa viagem à cidade de Colônia, Alemanha, Tom Evans conheceu a mulher que viria a ser sua esposa, Marianne. Tempos depois, Marianne mudou para Londres e durante uma briga deixou Tom. O baixista do Badfinger foi afogar as mágoas com Karen, uma amiga de Marianne.

“Ela me deixou. Preciso dela de volta. Eu não posso viver sem ela”, disse Evans a Karen.

Ele voou de volta à Alemanha para buscar sua namorada, e durante o voo escreveu uma música chamada I Can’t Live” (Eu não posso viver)

O refrão da música dizia:

I can’t live, if living is without you, I can’t live, I can’t give anymore

[Eu não posso viver, se viver for sem você, eu não posso viver, eu não posso viver mais].

E assim houve a fusão das letras escritas por Peter Ham (If it’s love) e Tom Evans (I Can’t live), com os versos de Ham sendo mais doces e sentimentais e os de Evans mais intensos, dramáticos e dolorosos. Ambos não acreditaram no potencial da música e ela foi colocada como a última música do lado A do disco No Dice. Eles estavam errados, a obra-prima criada por eles, e na voz de Nilsson, ultrapassaria a barreira do tempo e se tornaria uma das mais significativas da música pop.

Três anos depois de escrever seus versos, em 18 de maio de 1973, Tom Evans e Marianne se casaram. Abaixo um vídeo mostrando à alegria do casal após o casório. A música de fundo é When I Say, escrita e cantada por Tom Evans.

A vida continuou para o Badfinger e vieram os hits Come And Get It, essa escrita por Paul McCartney, e a ótima No Matter What. Os músicos do Badfinger eram tão excepcionais que John Lennon os chamou para colaborarem no seu antológico álbum Imagine, de 1971. Eles ainda colaboraram com George Harrison em seus projetos solos The Concert For Bangla Desh e All The Things Must Pass. Em 1972, lançaram o álbum Straight Up, produzido por Todd Rundgren, e tiveram um discreto hit (nos Estados Unidos apenas) com a instigante Day After Day.

O começo da ruína do Badfinger começou em 1972. Apesar do sucesso da banda, a gravadora Apple passava por problemas financeiros e um último álbum, Ass, foi lançado em 1973. Mas a falta de um contrato com a Apple não assustou os rapazes; eles já eram conhecidos e tinham uma boa reputação, portanto, não faltariam convites de outras gravadoras. Mas o que eles não sabiam era que Stan Polley, um inescrupuloso e manipulador homem de negócios e empresário da banda, os estavam roubando. Os rapazes que pensavam em apenas fazer rock, e que acreditavam em palavras como lealdade, paz e respeito, estavam sendo passados para trás.

Na Foto: Badfinger.

Uma das bandas mais promissoras dos anos de 1970, o Badfinger teria sua trajetória interrompida de forma trágica com a morte de dois de seus integrantes, o baixista Tom Evans e o vocalista Peter Ham, os dois à direita.

Falatórios da época diziam que Stan Polley era um homem ligado à máfia. Para piorar, alguns artistas que ele representava, como o cantor Lou Christie, o acusavam de negócios fraudulentos. Mas sua lábia era afiada, assim como seu poder de persuasão. Ele conseguiu um contrato de três milhões de dólares com a Warner Bros., que garantia o lançamento de dois álbuns por ano para a banda. Apesar do apelo de Stan Poses (um manager do Badfinger) para que eles não assinassem o contrato devido às suas suspeitas sobre as reais intenções do empresário, os rapazes foram em frente.

“Vocês estão milionários!”, teria dito Stan Polley aos integrantes da banda.

Pela Warner, o Badfinger gravaria os álbuns Badfinger (1974) e Wish You Were Here (1974). E enquanto eles gravavam e trabalhavam na promoção dos álbuns, Stan Polley dava o cano na Warner e na banda, mas isso era desconhecido deles. A facada nas costas do Badfinger aconteceu em 10 de dezembro de 1974 quando a Warner Bros. entrou com uma ação contra Stan Polley e os músicos no Superior Tribunal de Justiça de Los Angeles, Estados Unidos. A ação da gravadora parou imediatamente a promoção do álbum Wish You Were Here e toda distribuição internacional de discos e músicas da banda, travando completamente a carreira do Badfinger. E quando um problema dessa envergadura aparece, outros surgem em seu rastro. Sem dinheiro para se sustentarem, eles entraram em pânico e começaram a brigar entre si, piorando ainda mais a situação.

O Badfinger tentou continuar suas atividades sem o envolvimento de Stan Polley, contatando outros agentes e empresários de Londres, mas todos se recusaram a representá-los devido às ações contra eles na justiça americana. Durante os quatro primeiros meses de 1975, Peter Ham tentou sem sucesso entrar em contato com o empresário ladrão. Seu comportamento começou a ficar estranho, tinha um olhar morto e era constantemente visto por seus colegas apagando pontas de cigarro em seu próprio corpo.

Na noite do dia 23 de abril de 1975, Peter Ham recebeu um telefonema da justiça americana dizendo que todo o seu dinheiro havia desaparecido. Ele ligou para Tom Evans e os dois beberam juntos em um pub. Evans o levou para casa às 3h da manhã do dia 24 de abril de 1975.

Peter William Ham foi encontrado morto na manhã do dia 24 de abril de 1975 dependurado com uma corda no pescoço no estúdio de sua casa. Ele tinha 27 anos. Seu desespero era tamanho que nem o fato de sua nova namorada, Anne Herriot, estar grávida de 8 meses, o impediu de cometer suicídio. Sua filha, Petera, nasceu um mês depois. Em sua carta de despedida, ele disse:

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Nota de suicídio de Peter William Ham.

Nota de suicídio de Peter William Ham.

Com o suicídio de Peter Ham, o Badfinger, uma das mais subestimadas bandas de sua época, desapareceu. Mike Gibbins juntou-se a uma banda chamada Flying Aces e participou como baterista de estúdio de vários artistas, sendo inclusive o batera de Bonnie Tyler no mega sucesso internacional It’s a Heartache. Em 1978, Tom Evans e Joey Molland decidiram voltar com o Badfinger, com Evans assumindo o posto de seu antigo amigo Peter Ham nos vocais. Depois de dois álbuns pela Elektra, os dois companheiros de banda se separaram e, com bandas de apoio, passaram a excursionar pelos Estados Unidos sob o nome Badfinger, o que causou um grande conflito pessoal, profissional e legal entre os dois.

Em 18 de novembro de 1983, Tom Evans e Joey Molland discutiram asperadamente por telefone. Durante a discussão, episódios passados foram desenterrados, assim como reclamações de Molland sobre os royalties da música Without You, royalties os quais ele queria receber. Na manhã do dia seguinte, 19 de novembro de 1983, Tom Evans foi encontrado morto, dependurado em uma árvore no jardim de sua casa em Richmond, Inglaterra. Assim como seu amigo Peter Ham, morto 8 anos antes, ele se enforcou. Era o fim da dupla que compôs um dos maiores sucessos da história da música e que, juntos, fizeram parte de uma das mais promissoras bandas da história do rock. Tom Evans não deixou nenhum bilhete de despedida. Seu suicídio é especulado como uma reação aos processos que ainda sofria da época da Warner e pela discussão que teve com o companheiro de banda Joey Molland.

No documentário da rede britânica BBC Without You, transmitido em 2002, Marianne Evans, viúva de Tom, disse:

“Tom me disse: ‘Eu quero estar onde Pete está. É um lugar melhor que aqui…'”

As razões por trás dos suicídios de Peter Ham e Tom Evans mostram o quão cruel e exploradora pode ser a indústria fonográfica. O que ficam são gravações brilhantes e uma grande decepção. Stan Polley continuou com sua vida criminosa. Em 1991 foi condenado a cinco anos de liberdade condicional por lavagem de dinheiro e apropriação indébita de fundos. Ele faleceu em 2009, aos 87 anos.

Trinta e oito anos após o seu suicídio, Peter Ham continua esquecido. Na época, sua morte foi ignorada pela mídia e ele foi velado apenas por seus parentes em uma sala de um crematório de sua cidade natal. Nada mais emblemático, não? Um homem que até hoje faz o mundo chorar de emoção ao escutar sua música, mas que, ao morrer, não teve meia dúzia de pessoas chorando por ele.

O túmulo de Peter Ham no cemitério Morriston, em Swansea, País de Gales.

O túmulo de Peter Ham no cemitério Morriston, em Swansea, País de Gales.

Paul Cashmere: Quais são as bandas que você tem mais orgulho do cast da Apple?

George Harrison: Provavelmente qualquer uma que teve um hit, como o Badfinger, que era muito bom. Entretanto, foi uma triste história, porque o cara… ele terminou se matando. Pete Ham, que era um adorável parceiro, era um bom guitarrista e um grande cantor, ele escreveu a mais famosa música que eu poderia imaginar, que é Without You, você sabe, aquela da gravação do Harry Nilsson.

[Entrevista do guitarrista dos Beatles, George Harrison, a Paul Cashmere em 1996]

Eu acho que vocês devem estar curiosos para escutar a versão original de Without You, não? Provavelmente vocês a conhecem mais na voz de Harry Nilsson, já outros preferem ouvi-la na voz de Mariah Carey ou de Air Supply. Pra você que nunca escutou a versão original, delicie-se abaixo.

Abaixo todo o poder do Badfinger na excelente No Matter What.

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