Historicamente, Oak Cliff é uma das zonas mais degradadas da cidade norte-americana de Dallas, povoada por pessoas de baixa renda e com alto índice de criminalidade. Em um dia de dezembro de 1990, um corpo brilhou bem no meio de uma rua da região. Era uma mulher grande e nua. Os olhos estavam fechados; o rosto e tórax bastante machucados. Aparentemente, o assassino decidiu espancá-la violentamente antes de colocar uma bala calibre .44 em sua cabeça.
Um policial a identificou imediatamente — era Mary Pratt, 33, uma prostituta veterana que trabalhava no Star Motel. Embora não fosse incomum prostitutas receberem sua cota de surras, um homicídio era raro, especialmente alguém como Pratt, que ficava na sua e não fazia mal a ninguém. Ela não era do tipo descarada. Mary ficava no seu canto. Ela nunca comprou uma roupa decente e a maior parte do dinheiro que ganhava nas ruas ia para a compra de drogas.
Quem assumiu o seu caso foi o detetive de homicídios John Westphalen, que imediatamente percebeu que a solução do caso dependeria mais da sorte do que do trabalho. Mary obviamente foi morta em um local e jogada em outro. Não havia testemunhas, nenhuma arma do crime ou evidências forenses. Considerando os tipos que passavam pelo Star Motel, Mary poderia ter sido morta por qualquer um.
Com o seu parceiro Stan McNear, Westphalen dirigiu até o IML para acompanhar a autópsia, conduzida pela médica Elizabeth Peacock. Inicialmente, Peacock notou marcas de agulhas nos braços da vítima, então abriu a pálpebra direita e depois a esquerda.
“Meu Deus! Eles sumiram!” ela gritou.
Não havia olhos, nem tecido — nada. Os olhos de Mary foram removidos com tanto cuidado que as pálpebras estavam intactas. A médica ficou pasma. Nem na escola de medicina ensinavam aquilo. O assassino tinha que saber como enfiar uma faca ao redor dos olhos, tomando cuidado para não ferir a pele adjacente, e então cortar os seis músculos principais que seguram cada olho, bem como o resistente nervo óptico. Com as pálpebras fechadas, era impossível saber que não havia olhos.
“Que tipo de pessoa quer os olhos de uma garota?” perguntou Westphalen ao seu parceiro.
McNear nem sequer abriu a boca.
Impressionada, a médica-legista disse aos detetives que a pessoa que fizera aquilo definitivamente praticou antes, em outra pessoa ou outra coisa. Westphalen sentiu que estava lidando com um homicida diferente, então contatou o departamento de crimes violentos do FBI. Através dos computadores e bancos de dados da agência, que mantinham informações sobre todo tipo de crime brutal, ele esperava encontrar alguma coisa parecida. O agente que o atendeu, porém, disse a Westphalen que não havia nada parecido nos bancos de dados. Nem mesmo o FBI tinha conhecimento de algum homicídio do tipo. Eles conheciam casos de assassinos que arrancaram os olhos de suas vítimas, mas não da forma cirúrgica como o caso Mary Pratt.
Em fevereiro de 1991 ocorreu uma repetição macabra na mesma cidade e região. Exatamente na mesma rua onde Mary Pratt foi descartada, outro corpo nu brilhou nas primeiras horas de um domingo. Também era uma mulher. Também prostituta. Seu nome era Susan Peterson, de 27 anos. Ela estava serena, os olhos fechados; Susan foi morta com três tiros — na cabeça, tórax e estômago.
Pelo seu corpo estar na outra ponta da rua, pouco depois dos limites de Oak Cliff, o caso era responsabilidade do Escritório do Xerife do Condado de Dallas e não da polícia da cidade de Dallas, portanto, John Westphalen, que quebrava a cabeça investigando o homicídio de Mary Pratt, não soube do crime. O caso Susan caiu na mesa do investigador Larry Oliver e o mesmo cenário ocorreu: com o seu parceiro, eles rumaram até o IML.
Na sala de autópsia, a médica legista chamou o detetive para mais perto. Ela abriu a pálpebra esquerda, depois a direita. Oliver não acreditou no que viu: a vítima estava sem os olhos, removidos cirurgicamente. Ele nunca vira nada parecido. Mas a médica sim. Elizabeth Peacock comentou sobre um caso similar ocorrido dois meses antes e que estava sendo investigado pelo Departamento de Polícia de Dallas. Ao final do dia, as polícias entrariam em rebuliço: havia um homicida em série em Dallas e Westphalen o chamou de “repetidor”. Ele era doentio, mas muito inteligente, e parecia provocar a polícia descartando suas vítimas nas vistas de todos — sem os olhos.
SUSAN
Apesar de sua dura vida nas ruas, a segunda vítima era uma das mais bonitas prostitutas brancas de Oak Cliff. Diferentemente de Mary, Susan era encrenqueira e destemida, ameaçava outras garotas de programa e era ardilosa o suficiente para roubar seus clientes enquanto fazia sexo com eles.
Se o Colecionador de Olhos a pegou, então ele podia pegar qualquer uma. Quem sabe ela até o conhecesse, um cliente talvez.
Apesar das notícias, as ruas do distrito vermelho de Oak Cliff continuavam cheias. Viaturas policiais advertiram as garotas para tomarem cuidado, mas as prostitutas negras, pelo menos, não estavam com medo. “Queridos, ele só pega as brancas, nós não”, disse uma.
Elas estavam muito enganadas.
Após a dica da médica-legista, Oliver foi até o Departamento de Polícia de Dallas conversar com John Westphalen. Logo, o departamento de polícia inteiro estava sabendo que havia um assassino petulante removendo os olhos de garotas de programa e descartando seus corpos na mesma rua, onde certamente seriam encontrados. Houve uma discussão se a população deveria ser avisada ou não. Eles decidiram que sim. O assassino era astuto e, de forma distorcida, brilhante, do tipo visto em filmes. Ele era capaz de se misturar à vida degenerada de Oak Cliff, pegar mulheres acostumadas com a violência, enganá-las, sumir com elas por algumas horas e devolvê-las mortas sem os olhos.
Três perguntas martelavam a cabeça de John Westphalen, que liderava a investigação do caso envolvendo o “repetidor”: [1] Por quê prostitutas? [2] Por quê jogar os corpos na mesma rua? [3] Por quê remover os olhos?
O que todos sabiam é que o assassino estava no controle de tudo e não entrava em pânico. Devia ser alguém calmo e equilibrado. Ele, também, tinha habilidades cirúrgicas, quem sabe fosse um médico. De resto, tudo era especulação — ele pegou AIDS de uma prostituta e queria vingança? Tinha alguma superstição envolvendo olhos? Ficar com os olhos alimentava alguma fantasia sexual? Quem sabe ele os comia — ou os cozinhava. (Ou outra coisa).
Então, na manhã de 19 de março de 1991, criancinhas ficaram horrorizadas ao irem para a escola. É que no meio do caminho, Shirley Williams, uma prostituta negra de 41 anos, jazia estirada em plena rua — nua e morta. “Veja se os olhos dela estão lá,” ordenou Westphalen a um agente do IML na cena do crime. “Não estão,” respondeu o agente. “Temos o número três,” disse Westphalen ao seu parceiro Stan McNear.
Mais uma vez não havia testemunhas, arma do crime, digitais ou sêmen. Para piorar, o homicida pegou uma mulher negra e mudou de localização. Como os detetives previram, a publicidade do caso enviou o assassino para além das imediações do Star Motel. Durante a autópsia, entretanto, houve uma evolução: a pontinha quebrada de um bisturi X-Acto foi encontrada embutida na pele perto da cavidade do olho direito. Aparentemente, o assassino estava com pressa quando removeu os olhos de Shirley. De fato, em questão de horas, ele a pegou tarde da noite, a matou a tiros, removeu os olhos e descartou o corpo nu na rua. Estaria ele matando mulheres apenas para ficar com seus olhos?
EVIDÊNCIA FÍSICA
O corpo, também, é uma cena de crime, e dias depois, o perito Charlie Linch encontrou algo importante. Com fita adesiva, ele tirou fios de cabelo da nuca de Shirley e colocou no microscópio para examinar o padrão, a forma e a consistência. Um dos pelos não era da vítima, mas da região púbica de uma pessoa branca. Não era muito, mas podia ajudar se um suspeito fosse identificado.
No caso, um suspeito pra lá de improvável.
Enquanto isso em Oak Cliff, a dupla de policiais John Matthews e Regina Smith, que patrulhavam as ruas e conheciam todas as garotas de programa do lugar, cada vez mais suspeitavam que a história contada por uma delas, Veronica Rodriguez, tinha algum fundamento. Rodriguez, uma garota espancada pela própria vida miserável, prostituta e viciada em drogas, contou um dia aos policiais que quase havia sido assassinada por um homem branco que a pegou na rua, a levou até uma casa e a estuprou usando camisinha. O homem tentou matá-la, mas ela foi capaz de escapar dele. Ela ficou com muito medo porque conhecia o homem; ele era um frequentador do distrito vermelho de Oak Cliff. Mentirosa patológica e sempre “doidona” pelo abuso de drogas, Matthews e Smith não deram muita bola pra sua história, mas após um matador começar a aniquilar garotas de programa em Oak Cliff, eles acharam melhor dar uma verificada na história.
Charles Albright nunca esqueceu de uma lição que aprendeu ainda criança: “Um verdadeiro taxidermista deve ser um artista”. A taxidermia, de fato, é uma arte, e Charles cresceu com essa instrução na cabeça. Quando adulto, se tornou um artista dual — erudito e talentoso na frente das pessoas, e distorcido e macabro longe delas.
Ele era fascinado por olhos e as raízes de sua fixação por essa parte do corpo remontam à infância. Quando tinha 11 anos, a mãe de Charles, Delle, apresentou ao filho o mundo da taxidermia. Ela o matriculou em um curso por correspondência e o menino imediatamente ficou fascinado pela coisa.
Inicialmente, Charles aplicou as lições aprendidas no curso em pássaros mortos que encontrava. Sua mãe estava sempre ao seu lado, lhe mostrando como usar todas as ferramentas: a faca para cortar o crânio, a colherzinha para retirar o cérebro, o bisturi certo para cortar os músculos dos olhos, o fórceps que arrancava os olhos. Ela até esfolou o primeiro pássaro para ele, ensinando a Charles o quão delicado deveria ser.
O pequeno Charles adorou e passou horas praticando as lições do curso, empalhando e montando seus pássaros, e trabalhando para fazê-los parecer os mais realistas possíveis. Então, quando atingiu um bom nível, sua mãe lhe indicou que estava apto a progredir para a lição final — os olhos.
A família Albright sempre morou em Dallas e Charles se acostumou a peregrinar até uma loja de taxidermia para observar os animais e tudo o que envolvia essa arte. O que mais lhe interessava era olhar para as caixas cheias de olhos incríveis — olhos de coruja, olhos de águia, olhos de veado. Eles eram falsos, mas os olhos da criança brilhavam ao vê-los. Charles queria colecioná-los, mas Delle não deixou. Os olhos que os taxidermistas faziam eram caros demais e Delle encontrou uma maneira alternativa de alimentar o desejo do filho.
Os dois começaram a empalhar pássaros, colocando-os em um armário como decoração. Os visitantes ficavam maravilhados ao olhar os animais, lindos e realistas.
E cegos.
Eles não tinham olhos. Em vez disso, haviam botões negros costurados nas órbitas.
Olhos de pássaros — a primeira coleção de Charles Albright.
Adotado com três semanas em 1933, Charles ouviu de sua mãe adotiva que sua mãe biológica era uma estudante de Direito de 16 anos, que secretamente se casou com outro estudante e ficou grávida. Quando o pai dela descobriu, a ameaçou expulsar da família caso não entregasse o bebê para adoção. Delle Albright sempre deixou claro a Charles que ela nunca o deixaria. Ela foi uma mãe superprotetora; mudava as roupas da criança duas ou três vezes por dia devido à “sujeira” e o levava a hospitais para amedrontá-lo sobre doenças. Na adolescência, ensinou-o sobre sexo e orientou-o que jamais deveria se insinuar sexualmente para uma garota, chegando a ligar para os pais de garotas que Charles saía para dizer que o filho não ultrapassaria o sinal vermelho.
Foi um alívio titânico para Charles Albright se ver livre de sua mãe pela primeira vez na vida. Ele a amava, mas é que Delle era presente demais, obsessiva e superprotetora. Ele já era rapaz e Delle continuava a mandar em tudo. Charles era obrigado a ir com ela todo domingo à missa, tinha os horários de levantar da cama e dormir controlados, e Delle fazia questão de levá-lo, buscá-lo e vigiá-lo nas saídas com garotas. Por essas e outras, quando o adolescente começou a roubar, ninguém ficou surpreso — ele estava se rebelando contra a mãe ou era devido à avareza dela, comentaram vizinhos.
Na faculdade de medicina, longe dos pais, não demorou para que um carismático e muito charmoso jovem emergisse. Ele era completo: popular, presidente do clube francês, gerente do anuário, membro do coral e zagueiro no time de futebol. Em um curso de desenho, de tão bonito, o professor o usou como modelo em sala de aula para exemplificar a beleza masculina. Sua inteligência era assustadora e, mesmo não estudando, só tirava notas boas, com destaque para a disciplina de Anatomia Humana, sua preferida — só notas máximas. Para uma namorada, confessou ter o desejo de se tornar um médico-cirurgião. Não bastasse, o bonitão era engraçado e metido a fazer brincadeiras.
OLHOS TROCADOS
Certa noite, um estudante da faculdade pegou a foto de uma namorada e percebeu que havia alguma coisa errada. Ele olhou mais de perto e viu algo bizarro: os olhos dela estavam trocados pelos olhos da ex-namorada. “Que diabos!” ele pensou. Ainda impressionado, o rapaz olhou para cima e se assustou ainda mais: dois olhos, pregados no teto, o encaravam do alto — eram os olhos de sua ex-namorada. O rapaz, que morava no alojamento para estudantes, foi até o banheiro no corredor e lá, acima do mictório, haviam mais dois olhos de sua ex. Aonde quer que fosse, o rapaz era assombrado pelos belos olhos castanhos da garota.
Aquilo só podia ser coisa do Charles. De fato, Charles pegou fotografias da ex-namorada do colega, recortou os olhos dela, e fez uma brincadeira com o amigo.
Na época ninguém pensou nada de mais, mas décadas depois, seus ex-colegas se lembrariam da brincadeira com um frio na espinha.
Os estudantes da Crandall High School eram fascinados pelo professor de ciências. O homem era jovem, atlético, dirigia um Corvette e até ajudava o técnico de futebol da escola, aparentando ter mais conhecimento sobre táticas e condicionamento físico do que o próprio profissional. Algumas meninas, atraídas pelo seu charme e masculinidade exacerbada, lhe enviavam cartas de amor. Nas aulas de campo, ele podia recitar em latim fluente toda e qualquer planta que via pelo caminho; ao abrir troncos apodrecidos, voltava no tempo e contava toda a história da planta, incluindo os organismos encontrados dentro. Definitivamente, ele era o melhor negócio.
O nome do professor era Charles Albright. Tempos depois, o diretor da escola ficou chocado ao descobrir que, na verdade, Charles era o pior negócio. Seus diplomas de graduação e mestrado eram falsificados. Ele, também, não fazia doutorado coisa nenhuma. Como, então, poderia saber tanto? Inteligência acima da média é a resposta. Charles era assim. Ele se tornou um especialista em biologia e botânica apenas lendo. O cara era incrível e qualquer coisa que se dispunha a fazer, ele fazia bem feito.
Incluindo a pintura.
O QUADRO SEM OLHOS
Certa vez, ao saber das habilidades de Charles como pintor, um amigo lhe pagou US$ 250 para uma pintura da esposa. O homem queria presentear a amada com sua pintura e Charles começou a trabalhar no quadro. Após muitas semanas o amigo desconfiou, pois Charles nunca entregava o trabalho, insistindo que precisava de mais tempo para trabalhar em algo muito especial. Esse algo especial era, também, a parte mais difícil da pintura. Desconfiado e cansado de esperar, o amigo decidiu ir até a casa de Charles ver o seu progresso. Lá, na sala de estar, estava o quadro de 1.8x1m — ricamente colorido e incrivelmente realista. De fato, Charles era um pintor além da expectativa.
O cabelo da esposa, sua boca, seu nariz, suas orelhas e seu pescoço estavam prontos e perfeitos. Só faltava uma coisa.
No centro do rosto da mulher havia dois buracos brancos redondos.
Não haviam olhos.
— Quando você vai pintar os olhos? — perguntou o amigo.
— Quando eu estiver pronto — respondeu secamente Charles.
Charles levou meses para pintar os olhos e entregar a pintura perfeita para o amigo, que ficou maravilhado com os olhos, incrivelmente realistas. Charles aprendeu a pintar sozinho e até venceu uma premiação da Texas State Fair. Casado e pai de uma menina, Charles era uma figura querida entre os vizinhos, que ficavam boquiabertos com suas habilidades, mas ao mesmo tempo estranhavam o fato dele nunca permanecer no mesmo emprego por muito tempo. Charles sempre recebeu dinheiro dos pais, que tinham muitos imóveis, talvez por isso pulava de emprego em emprego. Ele foi designer por um tempo, ilustrador e até um dos melhores carpinteiros da região. Em dado momento, se tornou toureiro no México. Sua capacidade de encantar as pessoas e adquirir habilidades do zero pode ser vista quando do nada aprendeu a cortar cabelos e conseguiu, sem experiência nenhuma, ser contratado como “hair stylist” de um grande salão. As mulheres o adoravam e ele ficava horas com cada uma até conseguir exatamente o que a cliente queria. Na superfície, Charles era encantador e podia ter tido sucesso em qualquer um de seus empreendimentos, mas o seu problema era que, na verdade, ele não era nada do que aparentava ser.
Charles tinha um lado negro.
A polícia de Dallas perdeu o senso de ridículo. O que eles estavam dizendo sobre Charles Albright? O homem era uma joia rara, um tipo renascentista em pleno século XXI — fluente em francês e espanhol, um pintor magistral, capaz de enfeitiçar mulheres tocando prelúdios de Chopin ao piano ou recitando poesia e Keats. Nos jantares, ele encantava a todos com histórias sobre natureza e arte. Ele sabia tudo sobre cinema e música clássica. Para seus amigos, era simplesmente impossível acreditar que ele pudesse estar envolvido no assassinato cruel de três mulheres.
Se sim, seria Charles Albright o Hannibal Lecter da vida real?
Especialistas em assassinos em série do FBI ficaram sem entender nada. É que Charles pulverizou muito do que se sabia sobre serial killers. Um mito era o de que eles eram intrarraciais. Se Charles fosse o homicida, então ele matou brancas e negras. Ele também já tinha uma certa idade. Aos 57 anos, Charles desafiava o estereótipo do jovem assassino de luxúria que começa a matar na casa dos 20 ou 30 anos.
De acordo com a pesquisa do FBI, a maioria dos serial killers tendiam a ser perdedores e solitários, não tinham capacidade de manter um relacionamento por muito tempo e trabalhavam em empregos serviçais. Eles eram narcisistas, não educados e dados a comportamentos impensados para gratificação imediata. Charles simplesmente não se encaixava em nada disso.
Ele só poderia ser um psicopata, concluíram os especialistas. Tal suspeita ganhou força quando o mundo de Charles foi escrutinado. Os agentes da lei descobriram um homem manipulador e inteligente que mentia facilmente, explorava os outros e honrava apenas a si mesmo, sem qualquer tipo de remorso pelo mal que poderia causar aos outros. Tais indivíduos são muito espertos e por vezes reservados, enganando facilmente até mesmo pessoas próximas com suas fachadas de vidro.
Indignado e insultado com sua prisão, Charles negou completamente as acusações. A polícia podia procurar: não existia uma mulher sequer que pudesse dizer qualquer coisa ruim sobre ele. Ainda assim, John Westphalen e companhia sentiam que tinham o Colecionador de Olhos em mãos.
Mas faltava algo importante: Provar.
Charles Albright escondia uma vida secreta. Nela, ele era um veterano de zonas de prostituição, promíscuo e disputado pelas prostitutas. Ele era cliente da primeira vítima e o sugar daddy da segunda, Susan, que o considerava um grande amigo. (Talvez por isso tenha sido fácil para Charles aniquilá-la). Com algumas garotas, Charles desenvolveu um relacionamento platônico, saindo e fazendo coisas de casais, sem nada de sexo.
Mas nem todas viam com bons olhos o “velho Albright”. Histórias dele espancando prostitutas e pedindo para ser espancado vieram à tona. Uma prostituta chamada Edna Russell disse que ela e a segunda vítima foram amarradas na cama um dia e açoitadas por Charles. “Gritem, vadias! Eu sei que vocês gostam!” ele dizia.
Entretanto, conhecer as vítimas ou sair com prostitutas não provava nada. Em sua casa, a polícia encontrou uma coleção de bisturis X-Acto e facas pequenas, armas de todos os tipos (menos a usada nos crimes), revistas pornográficas, livros sobre crimes e anatomia, manequins femininos e camisinhas da marca encontrada nas cenas dos crimes (um preservativo ainda na embalagem foi deixado ao lado de cada corpo). Mas isso tudo era circunstancial — não havia manchas de sangue ou, o principal, a arma do crime.
Pela primeira vez em sua história, a promotoria de Dallas foi para um julgamento de homicídio apenas com uma evidência controversa: fios de cabelo. Sem exames de DNA na época, “parecia” que o fio de cabelo branco encontrado na terceira vítima era de Charles. No banco de trás de seu carro, fios de cabelo encontrados eram “similares” às duas primeiras vítimas. No aspirador de pó do réu, também foram encontrados cabelos que o perito afirmou pertencer a Shirley Williams.
Charles não abriu a boca e agiu como se nunca tivesse ouvido os nomes das vítimas. No fim, ele foi condenado à prisão perpétua.
Se por um lado o julgamento foi polêmico, por outro, nenhuma outra mulher amanheceu sem os olhos em Dallas após sua prisão. Psicologicamente impenetrável, Charles Albright é um enigma, e é provável que a pergunta do milhão sobre o caso nunca seja respondida.
O que este assassino fez com os olhos de Mary, Susan e Shirley?
Charles Albright jogava softball e tinha como colega Irv Stone, chefe do departamento de Ciência Forense do Condado de Dallas. Um dia, ele chegou em Stone e disse que “a divisão oftálmica do nervo trigêmeo que alimenta minha sobrancelha aqui em cima está me incomodando”. Stone ficou sem entender e cortou Albright dizendo não ser médico. Charles ficou surpreso pelo colega não entender nada do que ele estava falando. Para Charles, era estranho que o colega não soubesse sobre sua própria anatomia tendo em vista sua posição profissional. Essa é apenas mais uma das inúmeras histórias de Charles envolvendo olhos. Ele sabia tudo sobre eles.
Charles Albright foi indiciado pelo Ministério Público de Dallas apenas pela morte da terceira vítima, Shirley Williams, cujos fios de cabelo [encontrados no aspirador de pó de Albright] o perito confirmou pertencer a ela. Uma prostituta, Tina Connolly, viu Charles dirigindo na zona de prostituição na noite em que Shirley foi morta. Ela avisou a polícia e os levou até um lugar onde Charles a levava para fazer sexo. Lá, a polícia avistou uma capa de chuva amarela e um cobertor. A capa de chuva era exatamente do mesmo modelo e cor encontrada ao lado do corpo da vítima (e posteriormente usada para cobrir seu corpo). Na capa de chuva e cobertor foram encontrados fios de cabelo que o perito afirmou pertencer a Charles. Mesmo após a sua condenação, a polícia continuou a investigação, mas nunca encontrou nada que pudesse ligá-lo definitivamente aos dois primeiros homicídios.
Ainda hoje há quem acredite em sua inocência.
“Inferno, eu as mataria se pudesse,” esbravejou Charles Albright a amigos que brincaram com ele sobre prostitutas. Todos ficaram espantados pela repentina raiva demonstrada pelo amigo boa praça. Dias depois, um deles se desculpou pela brincadeira. Charles respondeu: “É um assunto delicado para mim. Minha mãe era prostituta”.
Charles não falava de Delle, mas de sua mãe biológica. Quando adulto, ele foi capaz de encontrá-la e ficou muito feliz, tendo-a visitado várias vezes, cuidando dela e levando presentes.
SANTA x PUTA
Na pintura de Ciccarello, “A Madonna da humildade com a tentação de Eva”, a Virgem Maria — representando castidade e pureza — segura o menino Jesus, enquanto abaixo dela, Eva deita-se nua com uma serpente, segurando o fruto da condenação — representando a luxúria e a tentação sexual. A representação polarizada da mulher em “boa” (casta e pura — mãe) ou “ruim” (sedutora e promíscua — puta) pode ser traçada desde a antiguidade e originou a dicotomia Madonna-puta (prostituta).
Cunhado por Sigmund Freud, o complexo Madonna-prostituta teoriza que alguns homens enxergam as dimensões “ternas” e “sensuais” da sexualidade feminina como opostas, em vez unidas. Os homens que sofrem desse complexo só ficam excitados quando degradam uma parceira, reduzindo-a a um objeto sexual, porque uma parceira respeitada não pode ser totalmente desejada. Freud localizou as raízes do complexo nos sentimentos não resolvidos dos homens em relação às mães, levando a disfunções sexuais e de relacionamento.
Não há provas de que a mãe biológica de Charles tenha sido uma prostituta, mas em sua mente doentia, a conexão entre prostituição e maternidade foi feita. É possível que ele sofresse de uma versão distorcida do complexo Madonna-prostituta, inconscientemente buscando vingança contra as figuras maternas que o decepcionaram, associando-as com prostitutas — as “piores” mulheres. De um lado, ele se importava com prostitutas como Susan e Mary. Do outro, queria puni-las. Ele se gabava de nunca ter se insinuado para uma mulher “decente”, mas ao mesmo tempo açoitava e dizia obscenidades a prostitutas.
Mas seja lá qual fosse o seu demônio, morreu com ele em 22 de agosto de 2020.
Obs.: Na época, todos correram atrás da mãe biológica de Charles, incluindo psicólogos da Unidade de Ciências do Comportamento do FBI. Confirmar tal afirmação, de que ela havia sido garota de programa, era importante para cavar na impenetrável mente de Charles Albright. Mas ela já estava morta. Parentes de Albright informaram que ele a procurou por anos e ficou extremamente feliz ao encontrá-la. Os dois ficaram próximos e Albright sempre a visitava. Mas a investigação não encontrou pistas de que ela teria sido uma garota de programa. Longe de ser uma brilhante estudante de Direito, como afirmou Delle Albright ao filho adotivo, a mãe biológica foi uma enfermeira que viveu e morreu em Wichita Falls, cidade a duas horas de viagem de Dallas.
Clique na imagem abaixo para ver uma fotografia tirada pela perícia da primeira vítima, Mary Pratt. Não recomendado para pessoas sensíveis.
Fontes consultadas: [1] Hollandsworth, Skip. See No Evil. Texas Monthly. Mai 1993, Vol. 21, Issue 5; [2] Matthews, John. The Eyeball Killer. Pinnacle. 1996; [3] Charles Albright: The Eyeball Killer. Born To Kill. 2015; [4] Autopsy 5. The Collector. HBO. 2015; [5] Mark of a Killer: An Eye for Murder. Oxygen. 2019; [6] See No Evil. Forensic Files. Ep. Especial. 2001; [7] See no evil. The Chilliwack Progress. 2 de Mai. 1999. Página 8; [8] Man sentenced to life in slaying of prostitute. Fort Worth Star-Telegram. 18 de Dez. 1991. Section A. Página 21; [9] 57-year-old indicted in 2 Dallas slayings. Fort Worth Star-Telegram. 30 de Mar. 1991. Section B. Página 2; [10] Suspect in prostitute’s deaths faces capital murder charges. The Monitor. 27 de Mar. 1991. Página 18A; [11] Man charged in mutilation killings. El Paso Texas. 29 de Mar. 1991. Página 4B; [12] Albright indict. KXAS-TV. The Portal to Texas History. 29 de Mar. 1991; [13] Prostitute Murder. WBAP-TV. UNT Digital Library. 19 de Mar. 1991; [14] Albright. KXAS-TV. UNT Digital Library. 17 de Dez. 1991; [15] Prostitute 3 Murder. KXAS-TV. UNT Digital Library. 19 de Mar. 1991; [16] Prostitutes. KXAS-TV. UNT Digital Library. 26 de Mar. 1991; [17] Prostitutes. KXAS-TV. UNT Digital Library. 26 de Mar. 1991; [18] Serial Killer. KXAS-TV. UNT Digital Library. 20 de Mar. 1991.
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