“O Alienista explora as causas da insanidade e criminalidade e, ultimamente, a natureza do mal.”
[Christopher Lehmann-Haupt – “Of an Erudite Sleuth Tracking a Madman”, New York Times]
Assassinos em série são tão antigos quanto a própria humanidade. No século 5 antes de Cristo, a nobre Parysatis, filha ilegítima do imperador Artaxerxes I, tinha o peculiar gosto por eliminar pessoas que cruzavam o seu caminho, seja envenenando-as, seja usando de sua privilegiada posição para armar tocaias sangrentas.
Entretanto, podemos dizer que o conhecimento moderno sobre serial killers teve início com uma série de crimes horrendos que até hoje povoam o imaginário popular: o estripamento de prostitutas no final do século 19 por Jack, o Estripador. Sabemos que essa não foi a primeira vez que primitivas técnicas da ciência forense foram usadas na tentativa de pegar um assassino, mas com a mídia sensacionalista já estabelecida e o século da luz chegando, os crimes de Jack foram sem dúvidas um divisor de águas entre o antigo e o novo. Sabemos que, na época, a melhor polícia do mundo falhou em capturar o sociopata, cujo gosto por sangue deixou em retalhos, pelo menos, cinco prostitutas De qualquer forma, os crimes do estripador foram o pontapé inicial para um novo ramo da psicologia criminal: o estudo das mentes dos serial killers.
Pegue agora os 130 anos de diferença entre os crimes de Jack, o Estripador e o lançamento da série “The Alienist” (O Alienista, em tradução literal) da Netflix. Misture os vários acontecimentos desse meio tempo ocorridos no mundo dos serial killers e coloque no caldeirão da sétima arte. Sim, a série é ficcional, sua história nunca existiu, mas há vários elementos muito reais que foram cuidadosamente inseridos ali, e é isso, na minha opinião, que faz a série tão interessante e imperdível. De Jack, o Estripador ao vovô canibal Albert Fish. Das entrevistas com serial killers conduzidas pelo FBI nos anos 1970 ao perfil criminal. Do mutilador soviético Andrei Chikatilo ao palhaço assassino americano John Wayne Gacy. Sim, talvez você fique assustado com tantas similaridades com o nosso mundo real.
Aviso: este texto contém spoilers.
O Alienista
A série se passa na Nova Iorque do ano de 1896, e segue o alienista (ou psicólogo criminal) alemão Laszlo Kreizler (Daniel Bruhl), que investiga o terrível assassinato de um menino cujo corpo mutilado foi encontrado no alto de uma ponte em obras – os olhos do garoto foram removidos e ele vestia uma roupa de mulher. Como não é da polícia, Kreizler pede a ajuda de um amigo de longa data, e ilustrador de jornal, John Moore (Luke Evans), para ir até o local e desenhar a cena do crime, para que o alienista possa ter um vislumbre do que aconteceu. Em seguida, se junta à dupla uma secretária do departamento de polícia de Nova Iorque, Sara Howard (Dakota Fanning), e dois peritos judeus. Laszlo acredita que o assassinato possa estar ligado a um outro ocorrido três anos antes. Juntos, a equipe irá mergulhar numa espiral descendente na mente sombria de um serial killer.
O que é real na série?
Jack, o Estripador
NA SÉRIE: A história da série se passa oito anos depois dos crimes de Jack, o Estripador e o alienista Laszlo e sua parceira Sara, dois profissionais distintos mergulhados no calabouço da psicologia criminal, não poderiam deixar de ter em Jack uma sombra melhor para lembrá-los de que esses assassinos podem escapar. O estripador é citado algumas vezes na série, mas o que importa aqui é o serial killer de O Alienista. A série mostra ele fritando órgãos de suas vítimas, o que claramente indica que ele é canibal. No episódio 2, Uma Parceira de Sucesso, o assassino envia um presente ao homem que o está caçando: a língua de uma vítima embrulhada em jornal.
NA VIDA REAL: No episódio 3, Sorriso Prateado, Laszlo está sentado estudando inúmeros livros, documentações e jornais quando decide iniciar uma conversa com o seu leal servo Cyrus Montrose. Fuçando nos papeis do alienista, Montrose fica chocado ao olhar para a fotografia de uma mulher toda destroçada. A fotografia é real (acima) e mostra o cadáver de Mary Jane Kelly, a última vítima de Jack, o Estripador. Assim como o serial killer da série, Jack também levava consigo órgãos de suas vítimas e estudiosos do caso acreditam que ele era canibal. Na época dos crimes, Jack, o Estripador enviou para um dos policiais que o caçava, George Lusk, embrulhado em um jornal, a metade do rim que supostamente tirou de uma de suas vítimas. Em uma carta, ele alegou ter “fritado e comido a outra metade. Estava muito bom.”
Albert Fish
NA SÉRIE: No episódio 4, Malditos Pensamentos, o serial killer envia uma carta para a mãe de uma das vítimas, uma imigrante italiana chamada Santorelli. A Sra. Santorelli é mãe de Giorgio Santorelli, o garoto encontrado no alto de uma ponte em construção sem os olhos e vestindo uma roupa de mulher. A carta dizia: “Minha cara Sra. Santorelli…Em algumas partes do mundo, tais como, de onde vocês, imigrantes imundos vieram, a carne humana é comida com frequência, já que outros alimentos são escassos e as pessoas morreriam de fome sem ela. Claro que, geralmente, é a carne das crianças que é comida porque são as mais tenras e de melhor sabor, principalmente o traseiro de uma criança pequena. Então, essas pessoas que as comem vêm para os Estados Unidos, mais sujos que os índios daqui… Eu o matei [Giorgio], tirei os olhos e tirei o seu traseiro, o que me alimentou por uma semana, assei com cebolas e cenouras. Mas nunca fiz sexo com ele, embora pudesse ter feito. E ele teria gostado.”
NA VIDA REAL: Quem é familiarizado com o mundo dos serial killers levou cinco míseros segundos para concluir que a carta enviada pelo serial killer de O Alienista à Sra. Santorelli é quase que uma cópia em carbono da enviada pelo vovô canibal da vida real Albert Fish à família de uma de suas vítimas em novembro de 1934. Pedófilo, canibal e serial killer, Albert Fish assassinou um número desconhecido de crianças pelos Estados Unidos. Em 1928, ele sequestrou e assassinou Grace Budd, 10 anos, em Nova Iorque. Sete anos depois ele enviou uma carta para a mãe de Grace. O seu conteúdo é perturbador. Leia um trecho abaixo:
“Minha querida sra. Budd, em 1894 um amigo meu embarcou como ajudante de convés no navio a vapor Tacoma, do capitão John Davis. Eles navegaram de São Francisco para Hong Kong, na China. Aqueles eram tempos de fome na China. Carne de qualquer tipo custava de 1 a 3 dólares o quilo. Tão grande era o sofrimento entre os pobres que todas as crianças com menos de 12 anos eram vendidas para o açougue para serem cortadas e vendidas como comida, a fim de evitar que outros morressem de fome…Do corpo nu de um menino ou menina seria cortada exatamente a parte desejada por você. A parte de trás dos meninos ou das meninas é a parte mais doce do corpo e era vendida como costeleta de vitela pelo preço mais alto. John ficou lá por tanto tempo que tomou gosto pela carne humana…Quando ela [Grace Budd] me viu todo nu, começou a chorar e tentou correr escadas abaixo. Eu a agarrei e ela disse que ia contar para sua mamãe. Primeiro e a despi. Como ela chutava, mordia e arranhava! Eu a asfixiei até a morte, então a cortei em pedacinhos para poder levar a carne para meus aposentos. Como era doce e tenro seu pequeno lombo assado no forno. Levei nove dias para comer o corpo inteiro. Eu não a fodi, apesar de ter podido se assim desejasse. Ela morreu virgem.”
[Trecho da carta enviada pelo serial killer Albert Fish à família Budd em novembro de 1934]
Jesse Pomeroy
NA SÉRIE: Tentando entender a mente do serial killer de Nova Iorque, Laszlo Kreizler, juntamente com seu amigo John Moore, viaja até a prisão de Charlestown, em Boston, para entrevistar um outro serial killer, Jesse Pomeroy, que há 22 anos está em uma solitária. Nascido com um defeito congênito no olho direito, Pomeroy foi repelido por sua mãe e, ainda criança, matou e mutilou várias outras crianças. Foi o próprio Dr. Kreizler quem testemunhou em seu julgamento, dizendo que havia evidências de que ele foi levado a matar por um sentimento simples: a inveja. Pomeroy tinha inveja de crianças bonitas e de seus olhos perfeitos, por isso arrancava os olhos de suas vítimas e os esfolava. Ao final da conversa entre os três, Pomeroy ri da teoria do psicólogo, dizendo que os seus assassinatos não foram por inveja e termina gritando que ninguém nunca saberá porque ele matou.
NA VIDA REAL: Um dos mais jovens serial killers da história, Jesse Pomeroy nasceu com um defeito no olho direito que o fez se isolar do mundo. Diferentemente da série, na vida real, a única pessoa que tinha um pouco de amor por ele era sua mãe Ruth Ann. Vítima constante de bullying, Pomeroy se voltou contra todos que pudesse subjugar: animais e crianças menores que ele. Com 14 anos, assassinou e mutilou pelo menos duas crianças em Boston no ano de 1874. Uma das garotas teve a genitália praticamente removida e um dos olhos continha uma perfuração feita a faca. Dois anos antes, aos 12, Pomeroy amordaçou, torturou e cortou com uma faca quatro meninos. Na época de sua prisão, ele foi diagnosticado com várias desordens comuns aos psicopatas: falta de empatia e remorso, sentimento grandioso de auto-importância, crueldade contra animais e pessoas, mentiroso patológico, dentre outras. Na prisão, ele aprendeu a falar várias línguas, escreveu poesia e estudou direito. Ele também tentou escapar várias vezes, em uma delas, perdeu de vez o olho direito ao tentar explodir a parede de sua cela ao redirecionar um cano de gás. Ele faleceu aos 72 anos, em 1932, em um hospital para criminosos insanos.
Um psicólogo criminal indo entrevistar um serial killer na prisão na tentativa de entender sua mente para capturar um outro serial killer que está à solta nas ruas evoca Clarice Starling e Hannibal Lecter em “O Silêncio dos Inocentes“. E o Silêncio dos Inocentes é outra obra cinematográfica que mistura ficção e elementos da vida real. Nesse ponto, O Alienista e O Silêncio dos Inocentes indiscutivelmente se inspiraram nos caçadores de mentes do FBI que compuseram a Unidade de Ciência Comportamental na década de 1970. Já escrevemos bastante sobre isso mas não custa nada lembrar. Na tentativa de entender a mente doentia de um serial killer, agentes especiais do FBI, no final dos anos de 1970, decidiram ir até prisões entrevistar serial killers encarcerados na tentativa de entender os motivos que levam um homem a cometer atos tão abomináveis contra um semelhante. Essa história, inclusive, já virou série pela própria Netflix, e para mais detalhes leia o nosso post: Mindhunter: os serial killers da vida real que aparecem na série da Netflix.
Crueldade Contra Animais
NA SÉRIE: Continuando sua saga para adentrar e entender mentes criminosas sádicas, Laszlo pede a conhecidos seus que trabalham no Hospital Bellevue uma autorização para entrevistar Charles Blythe (Ash Matthews). O adolescente havia sido recentemente admitido no hospital após assassinar com requintes de crueldade cachorros de seu bairro e não demonstrar nenhum pingo de remorso por isso. Durante a entrevista, o adolescente mostra sintomas clássicos de um psicopata: falta de remorso e empatia, mentira, impulsividade e crueldade contra animais.
NA VIDA REAL: O Alienista acertou em cheio com o personagem de Charles Blythe. O adolescente nada mais é do que um serial killer em formação. A parte mais interessante é quando o adolescente psicopata explode em ira afirmando que os animais que matou não tinham nenhum significado, “eram apenas cachorros“, diz ele. Assassinos psicopatas e serial killers são assim, eles matam porque não enxergam suas vítimas como seres vivos. Elas são apenas objetos sem importância e que servem apenas para eles extravasarem sua raiva ou fantasia. Em 2014, o FBI reconheceu a crueldade contra animais como crime grave. Segundo a agência, estudos mostram que crianças e adolescentes que torturam e matam animais são mais propensos a praticar violência contra pessoas quando atingem a idade adulta. Robert Ressler, um dos mais famosos profilers da história, afirmou que serial killers “muitas vezes começam na infância torturando ou matando animais.” Ed Kemper, Keith Jesperson, Marcel Petiot, Marcelo de Andrade, Chico Picadinho etc., estão aí para comprovar. Para uma lista com vários serial killers que começaram na infância ou adolescência matando animais veja Crianças Psicopatas.
Soldados serial killers
NA SÉRIE: Até a metade da série, o personagem Willem Van Burgen (Josef Altin) – de família riquíssima e que “vive os prazeres da carne” – parece ser o terrível psicopata assassino que está assustando Nova Iorque. E ele tem vários requisitos para isso: é esquisito, viciado em sexo e vive acompanhado de meninos travestis pobres, o perfil de vítimas do serial killer. Mas após uma vítima ser encontrada sem o escalpo, Dr. Laszlo e sua trupe acabam concluindo que não, o verdadeiro monstro mutilador seria um ex-soldado chamado John Beecham (Bill Heck). Eles descobrem que Beecham foi dispensado do seu dever quando foi encontrado em um beco na cidade de Chicago esfaqueando sem parar o corpo de um adolescente. Veja o que disse o seu superior, capitão Miller (Eric Johnson), a um dos peritos judeus de Laszlo:
“Era um bom soldado, era disciplinado, atencioso com detalhes, eficiente. Não se dava bem com outros homens, era religioso, eu achava que era porque ele desaprovava festas em bordéis. Eu vi soldados sedentos de sangue aqui no oeste, nunca em um lugar como Chicago, muito menos por causa de uma greve. Fomos chamados para manter a paz [devido a uma greve], mas a violência foi muito feia. Jogavam bombas na polícia, manifestantes baleados. Só sendo louco para fazer o que ele fez naquele dia… Eu encontrei com ele sentado com um manifestante morto, um jovem, um garoto, em uma viela. Ele golpeava o corpo com uma faca sem parar. E isso não foi o pior. Ele estava pelado da cabeça aos pés, coberto de sangue… E lá, no meio das pernas, estava duro feito um mastro.”
NA VIDA REAL: A primeira coisa que me veio à cabeça quando vi esta cena foi a de serial killers soldados. Em seu livro Serial Killers: Anatomia do Mal, Harold Schechter diz que um homem que comete atos terríveis de mutilação e assassinato com vítimas inocentes pode não ser considerado criminoso dependendo de, por exemplo, onde esteja. Ele cita exemplos de que, ao longo dos milênios, guerras sangrentas fizeram parte da vida cotidiana das pessoas. Um assassino psicopata que apreciasse fazer mal aos outros podia ingressar no exército e assassinar brutalmente homens, mulheres e crianças o quanto quisesse – e ainda ganhar uma promoção por isso. “A famosa série de gravuras de Francisco Goya Os Desastres da Guerra (1810-1815) – com suas imagens de violação, castração e esquartejamento – deixa assombrosamente claro que o combate sempre proporcionou uma oportunidade para que sádicos uniformizados satisfizessem sua sede de sangue”, diz Schechter.
“Um soldado americano, por exemplo, descreveu uma visão que testemunhou no Vietnã. Depois de matar uma camponesa a tiros, um membro de seu pelotão ‘foi lá, rasgou as roupas da mulher, pegou uma faca e fez um corte da vagina até em cima, quase chegando aos seios, depois puxou os órgãos para fora, tirando-os completamente da cavidade abdominal, e jogou-os longe. Em seguida se ajoelhou e, debruçando-se sobre ela, começou a descascar cada pedacinho de pelo do seu corpo e a deixou lá…'”.
[Harold Schechter, Anatomia do Mal, página 150]
Voltando à série, a equipe de Laszlo descobre as atrocidades cometidas por soldados americanos contra os índios do oeste, massacres os quais o serial killer de Nova Iorque participou.
Andrei Chikatilo
NA SÉRIE: Pegando o gancho da descoberta de Marcus Isaacson (Douglas Smith) – um dos peritos judeus da equipe de Laszlo – de que o serial killer é supostamente um ex-soldado que participou de massacres indígenas enquanto servia o exército, ficamos sabendo que, em 4 de maio de 1886, o pelotão de John Beecham foi chamado para conter uma manifestação em Chicago. A violência cresceu e houve lançamentos de bombas, tiros e mortes. Durante o confronto, o capitão Miller se deparou com uma visão chocante: John Beecham esfaqueando um manifestante adolescente; o soldado estava completamente nu, coberto de sangue e com uma ereção, claramente obtendo satisfação sexual ao mutilar e entrar em contato com o sangue da vítima. Após este episódio, o soldado foi dispensado do exército e enviado a um hospital psiquiátrico do governo.
NA VIDA REAL: A série da Netflix foi baseada no livro de mesmo nome de Caleb Carr lançado em 1994. O próprio autor já afirmou em entrevistas que o livro surgiu do seu fascínio por histórias reais de serial killers, como a de David Berkowitz, cujos crimes em 1977 plantaram a semente na cabeça do então adolescente Carr. Mas, obviamente, Carr se baseou em outros serial killers da vida real para escrever o seu livro. Ele pode muito bem ter se inspirado em Andrei Chikatilo, até mesmo porque Carr escrevia seu livro ao mesmo tempo em que os crimes do soviético vieram à tona. Como o psicopata de O Alienista, Chikatilo foi chamado de “um dos mais sádicos assassinos que já viveu“. Ele assassinou mais de 50 pessoas (a maioria crianças e adolescentes) entre 1978 e 1990. Como John Beecham, Chikatilo arrancava os olhos de suas vítimas. Como John Beecham, Chikatilo mutilava suas vítimas. Como John Beecham, Chikatilo estripava. Como John Beecham, Chikatilo ficava nu ao lado do corpo da vítima para mutilá-lo. Como John Beecham, Chikatilo tinha imenso prazer ao entrar em contato com o sangue. “Eu adorava todo aquele sangue“, disse ele em seu julgamento. E como John Beecham, Chikatilo, ao esfaquear repetidamente uma vítima e o ter o sangue dela jorrado em seu corpo, obtinha ereções que o levavam ao orgasmo.
Zhang Yongming
NA SÉRIE: Uma das características do serial killer de O Alienista é remover os olhos de suas vítimas e levá-los consigo. Por quê ele remove os olhos de suas vítimas? O que ele faz com eles? Os olhos são um fetiche do assassino? Uma fantasia? Souvenirs? Como Jesse Pomeroy, este psicopata teria algum problema de visão? Uma dessas perguntas é respondida no penúltimo episódio, Requiém, quando, no seu encalço, a equipe de Laszlo encontra a residência do assassino: um local sujo e sombrio em uma região barra pesada de Nova Iorque. Escondido na parede, debaixo da cama, Isaacson descobre o que parece ser os troféus do serial killer: um pote cheio de olhos humanos.
NA VIDA REAL: Qualquer pessoa pode ter fixação por uma parte do corpo humano. Uma bastante conhecida é a podolatria – a fixação por pés. Assassinos psicopatas também podem ter fixação por uma parte da anatomia humana, entretanto, e obviamente, esses assassinos elevam essa fixação a um nível bestial. Um famoso é Jerry Brudos, cuja idolatria por pés femininos o levou a cortar os pés de suas vítimas. Já Jeffrey Dahmer colecionava genitálias masculinas. Ed Gein tinha apreço por vulvas. E olhos? Será que já existiu algum serial killer da vida real que, assim como o de O Alienista, colecionava olhos em um pote de vidro? Sim, o chinês Zhang Yongming. Dê uma lida no que o jornal The Standard, de Hong Kong, publicou no dia 25 de maio de 2012:
“Policiais chineses temem que um assassino canibal comeu ou vendeu a carne de pelo menos 20 pessoas desaparecidas, a maioria garotos, em um horrível banho de sangue na Província de Yunnan. Um homem de 56 anos, Zhang Yongming, foi preso acusado do desaparecimento de pelo menos sete adolescentes. A polícia encontrou dezenas de globos oculares humanos preservados em álcool dentro de garrafas de vinho na casa de Zhang, na vila de Nanmen. Eles também encontraram pedaços de carne, que acreditam ser humana, penduradas na casa para secar. Ao longo dos últimos dias a polícia encontrou muitos ossos que acredita-se ser de humanos. Há o medo de que Zhang tenha alimentado seus cachorros com carne humana.”
“Alimentando seus cachorros com carne humana…” Com o que mesmo o serial killer de O Alienista alimenta seu gatinho de estimação?
Psychopathia Sexualis
NA SÉRIE: É no oitavo episódio, Psychopathia Sexualis (Psicopatias do Sexo, em tradução literal), que ficamos sabendo detalhes bastante grotescos sobre o serial killer de crianças de Nova Iorque, inclusive o fato dele obter gratificação sexual ao estripar meninos.
NA VIDA REAL: O episódio é uma referência claríssima (e por que não uma homenagem) ao sensacional trabalho do psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing, que em 1886 escreveu Psychopathia Sexualis, cujas “páginas são marcadas pela teoria constitucional das psicopatias (de origem moreliana), onde se pode encontrar a criação do conceito de psicose, a concepção fisiopsicológica da libido, a conceituação de masoquismo, de sadismo e de fetichismo.” Foi a primeira obra escrita a ir fundo no mundo pervertido de assassinos psicopatas sexuais e serial killers. No livro, dentre inúmeros casos, Krafft-Ebing cita o de um jovem de 24 anos chamado Leger, que estuprou e matou uma menina de 12 anos em uma floresta. Leger mutilou os genitais da garota, abriu seu peito, arrancou o coração e comeu, bebeu o seu sangue e enterrou o que sobrou do corpo. Mutilação, canibalismo e perversão sexual, Leger e o serial killer de O Alienista não estão muito longe.
John Wayne Gacy
NA SÉRIE: Um dos pontos que eu achei mais interessante da série é que O Alienista não tenta enfiar por goela abaixo uma resposta sobre o por quê de homens como John Beecham ser o que são. Uma das melhores frases da série para mim é a da personagem Sara Howard, que ao final, após tanto suor de todos na tentativa de entender a mente doentia do serial killer, diz que “a verdade é que não podemos entendê-los”. E isso é a mais pura verdade. As pessoas acham que entendem Jeffrey Dahmer porque viram uma entrevista dele no YouTube ou leram um post no Aprendiz Verde (haha), mas não, não há como entender Jeffrey Dahmer. Se o seu pai, que viveu com ele sua vida toda, tentou dar uma resposta e falhou, quem somos nós para dar uma. Mas não podemos dizer que os mocinhos da série não tentaram desvendar os doentios enigmas de John Beecham até o último segundo. Em uma última tentativa, após a morte do assassino, seu cérebro foi secretamente removido do crânio e analisado cuidadosamente por Laszlo. E o que ele encontrou?
O cérebro dele estava completamente normal e saudável… isso prova que não sabemos de nada. Os Jesses Pomeroys os Japheth Durys deste mundo levarão os segredos deles para o túmulo. Mas haverá outros não tenho dúvida.
[Laszlo Kreizler, O Alienista, episódio 10, Castelo no Céu]
NA VIDA REAL: Realmente houve outros e sempre haverá. A mensagem final da série é bonita e encoraja tanto estudantes e pesquisadores que sonham em encontrar tal resposta como aqueles que não tem interesse em adentrar no sombrio mundo da psicologia criminal. Em relação ao estudo do cérebro de serial killers, isso também já aconteceu. Quando a “besta louca” Andrei Chikatilo estava prestes a ser executada na Rússia, instituições psiquiátricas do mundo inteiro enviaram mensagens aos russos perguntando se os mesmos não poderiam doar o seu cérebro para estudos. O interesse não era para menos, o comportamento aberrante de Chikatilo foi um caso raríssimo, sem precedentes na história do planeta. O mundo queria entender se existia algo de errado no cérebro dele. Uma instituição no Japão chegou a oferecer um milhão de dólares pelo cérebro, mas o governo russo sequer respondeu às requisições e executou Chikatilo em fevereiro de 1994. Se os próprios russos chegaram a dissecá-lo em prol da ciência isso nunca se soube. Mais sorte teve a psiquiatra forense norte-americana Helen Morrison. Três meses após a execução de Andrei Chikatilo na Rússia, outro notório e sinistríssimo serial killer foi executado. O palhaço assassino John Wayne Gacy, que matou mais de 30 adolescentes na década de 1970, morreu com uma injeção letal em 10 de maio de 1994. Horas após a execução, seu corpo foi secretamente levado para um hospital onde a Dra. Helen extraiu o seu cérebro. “Basicamente havia muitas questões… O que houve com seu desenvolvimento? O que houve com o cérebro? Poderíamos começar algum experimento humano?”, revelou Helen em um documentário sobre Gacy do Biography Channel. Após exames minuciosos, o que ela descobriu? Nada. O cérebro do serial killer John Wayne Gacy, assim com o do fictício John Beecham, era perfeitamente normal e saudável.
Perfil Psicológico
NA SÉRIE: O que é mais óbvio em O Alienista é sua abordagem psicológica dos crimes. Em segundo plano vem a ciência forense (com o estudo dos peritos judeus na incipiente impressão digital). Laszlo e sua equipe estão interessados nos aspectos invisíveis, aqueles que policiais ignorantes e brutamontes deixam para trás e até riem dos que vão atrás. Laszlo quer saber a arma do crime. É uma faca! Mas que faca? Como foi o movimento para arrancar o olho? Por que a vítima vestia roupa de menina? Por que a mutilação, a remoção dos órgãos, a castração? Por que somente meninos travestis? Mas mais do que isso, Laszlo quer entender a mente do assassino. Nessa busca pela verdade, eles estabelecem até mesmo um perfil básico do assassino: sua idade presumida, sua aparência, seu background familiar.
NA VIDA REAL: Foram com essas mesmas perguntas que um grupo de homens mudou os rumos da psicologia criminal aplicada a serial killers em meados dos anos de 1970. Howard Teten, Pat Mullany, John Douglas, Robert Ressler, Roy Hazelwood, dentre outros, criaram e fizeram parte da Unidade de Ciência Comportamental, um departamento que começou com uma sala no porão do prédio do FBI em Quântico, Virgínia. Na tentativa de entender por que homens matavam em série, eles mergulharam nas mentes doentias dos serial killers através de entrevistas cara a cara em prisões e consultorias em casos abertos. O resultado disso foi o chamado perfil criminal, uma ferramenta que, se bem usada, pode traçar com exatidão o perfil de um assassino em série e ajudar a polícia com um direcionamento. Para tanto, os psicólogos forenses examinam aspectos do crime e da cena do crime (normalmente assassinato, mas outros tipos de crime também), como a arma usada, o tipo de local de morte (ou local de desova, se for diferente), detalhes sobre a vítima, o método de transporte, a hora do dia em que o crime foi cometido e a posição relativa dos itens na cena.
Bola fora
A derrapada da série vai para o emprego do termo “serial killer” pelos personagens. Estamos em 1896, e mesmo que a obra explore os crimes de um assassino em série, essa expressão estava longe de existir na época. A expressão “serial killer” foi cunhada no final da década de 1970 por agentes do FBI que trabalharam na Unidade de Ciência Comportamental. Entretanto, até a expressão se tornar popular, levaria vários e vários anos. No cinema, a expressão apareceu pela primeira vez em 1988 no filme Cop, com James Woods. Ainda em 1991, Jeffrey Dahmer foi chamado de “assassino em massa” pela mídia, mostrando que o termo ainda era pouco conhecido. O termo se popularizou mesmo em meados da década de 1990, quando, já aposentados, os caçadores de mentes do FBI começaram a publicar seus livros e, então, séries e filmes, baseados em suas obras (como Arquivo-X) começaram a usar o termo, que foi amplamente adotado por autoridades da lei do mundo inteiro.