Há poucas semanas, Miranda Barbour, de 19 anos, acusada juntamente de seu marido Elytte, de 22, de assassinar um homem em Sunbury, Pennsylvania, alegou ser uma serial killer cujas mãos levaram para o túmulo de 22 a 100 homens. Seu caso, inclusive, fez parte do nosso post dos 101 crimes notórios e horripilantes de 2013.
É claro que por essa ninguém esperava. Uma revelação bombástica, não? Em depoimento, ela alegou ser uma serial killer “justiceira” que matava em rituais satânicos apenas “homens ruins”. Apesar do alarde da mídia, que viu nas palavras da assassina uma ótima oportunidade para cliques e reportagens em em seus sites (inclusive uma reportagem do R7.com afirma que ela MATOU e é RESPONSÁVEL por mais de 22 assassinatos), eu fui cético desde o início.
Em resposta a uma leitora em nossa página no Facebook, em 18 de fevereiro, disse não acreditar nas palavras de Miranda Barbour. Comentei ser bastante estranho uma garota de apenas 19 anos ter assassinado esse número de pessoas sem nunca levantar suspeita, principalmente num país como os Estados Unidos. Serial killers que matam sem levantar a mínima suspeita costumam ser muito mais velhos, ou seja, a idade pesa. Características como a experiência, maturidade e equilíbrio de uma pessoa mais velha são usadas durante todo o processo do assassinato. Eles tem a experiência e maturidade, e usam isso para matar sem levantar suspeitas. O serial killer Israel Keyes é um exemplo. Miranda Barbour contraria totalmente essa tendência. É estranho ela ter todo esse “background” de assassinatos e ser pega por um assassinato bobo onde cometeu dezenas de “erros”. Erros são comuns para qualquer serial killer em início de “carreira”, mas não após 22, 100 ou mais assassinatos. Quanto mais você faz algo, melhor você o faz, não é mesmo?
As declarações de Miranda Barbour me fazem também lembrar as chamadas falsas confissões, algo bastante comum no mundo do crime. Não poderia deixar de referenciar o caso do sueco Thomas Quick, que confessou cerca de 30 assassinatos sem nunca ter cometido nenhum. “Tinha a ver com pertencer a alguma coisa”, disse ele à repórter Elizabeth Day do The Guardian em 2012. Em outras palavras, Thomas Quick, que na verdade se chama Sture Bergwall, queria aparecer. E conseguiu. Tornou-se o serial killer mais famoso da Suécia. O serial killer que, claro, ele nunca foi.
Em 2011, um estudo do professor de psicologia forense do Instituto de Psiquiatria da Faculdade Kings, em Londres, Gisli Gudjonsson, concluiu que falsas confissões são um fenômeno significativo ao qual o sistema de justiça criminal deve estar atento. O professor diz que até 20% dos criminosos confessam crimes que não cometeram. Segundo o professor, não há segredos; a confissão voluntária de falsos crimes surge na maioria dos casos de uma necessidade patológica por atenção – geralmente ficar famoso, seja dentro ou fora da prisão – resultante de uma baixa autoestima e sentimentos de inadequação.
Em seu blog pessoal, a psicóloga norte-americana Alexandra Perina diz que uma revisão de processos de assassinatos no estado de Illinois revelou, em apenas dez anos, 247 casos de presos que confessaram assassinatos que não cometeram e posteriormente foram inocentados. Ela diz que crianças com deficiência mental e adultos cujas fantasias são obscurecidas por drogas ou álcool são particularmente suscetíveis a dar falsas confissões. Segundo o pai de Miranda, ela era viciada em heroína.
Outro ponto interessante a se notar nesse caso é quando Miranda diz que só “matava homens que não prestavam”, logo seus atos estariam justificados. Ela seria um tipo de justiceira, como o personagem Dexter, da popular série homônima. Existe uma mídia muito forte associada aos serial killers; muitos deles são mitificados e não é incomum muitas pessoas os idolatrarem como heróis, ainda que eles tenham feito dezenas de homens e mulheres em pedacinhos. Talvez seja esse o motivo, tal qual no caso Thomas Quick, onde essa exposição é algo gratificante ao indivíduo. Inúmeras são as séries televisivas que possuem serial killers como pano de fundo ou personagens principais; quem não simpatiza com Dexter, um serial killer que supostamente seria um psicopata justiceiro? Creio que esse fenômeno midiático sobre a temática acaba por deturpar, ainda mais, o que deve realmente ser o foco. Mentes complexas e perversas despertam em nós a curiosidade, estranhamento e até certa “admiração”. Mas admiração no sentido de tentar entender como um indivíduo consegue agir de tal forma. “Louvar” um assassino e querer fazer igual a ele, definitivamente, é o oposto disso.
Tendo acesso apenas a notícias da mídia sensacionalista parece, sim, que Miranda é uma mulher muito má (matar uma pessoa já basta para eu dizer isso), e é até bastante plausível que ela esteja envolvida em mais um ou outro assassinato. Algo que devemos ter em mente é: nunca acredite num assassino/psicopata (assassina ela é, mas quanto à psicopatia não sabemos) até você ter evidências que corroborem suas falas. A mídia gosta de alarmar, mas até agora só temos a confissão de uma assassina, o tipo de pessoa em quem não se pode confiar.
Considerando o que há de tangível, nada indica que ela tenha cometido tais atos. Tantos crimes sem corpos… Uma jovem que teria tanto “sucesso” em praticar homicídios sem rastros e resolve, simplesmente, confessá-los e nem sequer consegue enumerar o total de vítimas. É pouco provável que ela tenha cometido esses assassinatos.
Mas ceticismo é uma palavra que não pode existir para a polícia. O FBI atualmente está em contato com departamentos de polícia onde Miranda alega ter assassinado pessoas. Segundo reportagens, ela chegou a dizer para a polícia os locais onde supostamente estariam enterradas suas vítimas. O FBI colocou equipes de prontidão mas nenhuma escavação até o momento começou.
Pesquisando sobre o caso, de repente me veio à mente: “Humm, deixa eu acessar o site do John Douglas e ver se ele tem algo publicado sobre isso”. E não é que o cara publicou algumas palavras sobre ela?
John Douglas é uma lenda viva do mundo dos serial killers, foi um dos primeiros profilers (aqueles caras que traçam perfis de serial killers, uma profissão eternizada no cinema por Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes – lembram-se dele ensinando o bê-á-bá à profiler estagiária Clarice Starling?) do FBI que fez parte da lendária equipe “Caçadores de Mentes” ao lado de outros luminares do ramo como Robert Ressler e Roy Hazelwood.
O que Douglas tem a dizer de Miranda Barbour? Veja abaixo suas palavras traduzidas de um post publicado em seu site.
Serial Killer ou Serial Mentirosa?
- por John Douglas
Desde que Miranda Barbour, apelidada de “Assassina do Craiglist”, alegou ter participado de 22 a 100 assassinatos satânicos, as pessoas têm nos perguntado a respeito. A jovem recém-casada de 19 anos está presa juntamente de seu marido Elytte, de 22, pelo “assassinato de emoção” de Troy LaFerrara, 42 anos.
Eu pensei que você havia dito que mulheres não se tornam serial killers.
Eu pensei que você havia dito que assassinatos satânicos eram um mito.
Eu pensei que você havia dito que mulheres lidavam com seus problemas emocionais ao invés de jogá-los em outros.
Então, qual a resposta?
Sem ter acesso aos arquivos do caso ou à Sra. Barbour, nosso palpite é de que ela é extremamente narcisista. Ela pode também ter transtorno de personalidade borderline, mas não vamos para o lado da psiquiatria. Tudo em seu mundo gira em torno dela e ela é a estrela do seu próprio drama. E o assassinato que ela alegadamente cometeu com seu marido foi desprezível. Se ela faria algo assim por ela mesma sem a ajuda do seu doente parceiro macho, é questionável.
Ela alega vários assassinatos, mas seu pai, Sonny Dean, duvida da história. Apesar de reconhecer que ela era uma viciada em heroína e de que possa estar envolvida em algum outro assassinato, ele diz que sua filha é mentirosa e manipuladora – traços típicos de narcisistas malignos. “Miranda vive em um mundo de fantasia”, disse ele ao The Daily Item. “Ela tem uma longa história de manipulação extrema e desonestidade”.
Não é incomum esses suspeitos ou assassinos convictos reivindicarem muitos outros crimes. Uma vez que eles são marcados com um assassinato, isso parece encher seus egos, auras e senso de importância. Assim eles reivindicam outros. A questão é que teremos que aguardar uma investigação mais aprofundada para ver se ela está no mesmo nível de suas declarações.
Mais uma coisa, nossa experiência com assassinos condenados diz que o assassinato não é um ato que você esquece, então a faixa entre 22 e 100 (não saber o número exato ou aproximado) é muito, muito suspeita.
Quanto à conexão satânica, estamos extremamente céticos. Não existe nada para verificar sua declaração, e a ideia de matar tantas pessoas com uma faca e não deixar nenhuma evidência é quase que impossível de compreender. Francamente, nós nunca ouvimos dizer de uma serial killer mulher com tanta “produtividade” operando com uma faca. E não houve relatos credíveis de quaisquer assassinatos nos locais e tempos em que Barbour descreve.
Satanistas declarados como Peter Gilmore, alto sacerdote da Igreja de Satã, e Lucien Greaves, representante do Templo Satânico, foram rápidos ao se distanciar. Deve-se notar que estas duas seitas negam a existência de qualquer assassinato ritualístico em nome de Satã, e investigações de assassinatos confirmam isso.
“Assassinos”, Gilmore diz, “merecem ser punidos com toda a extensão da lei.”
Agora, para demonstrar o quão confusa e bagunçada esta jovem mulher parece ser, considere a justaposição de sua reivindicação de dezenas de assassinatos à sua declaração através do seu advogado para ser poupada da pena de morte. Ela não pode dizer que é inocente ao mesmo tempo em que “admite” tantos homicídios. Ela diz que a pena capital é “cruel e desumana”, e argumenta que mesmo se condenada, ela não deve ser executada porque “o sistema de justiça criminal é falível, sujeitando pessoas inapropriadas à pena de morte.”
O que há mais para dizer?
Universo DarkSide – os melhores livros sobre serial killers e psicopatas
Fontes consultadas: Mindhuntersinc (Serial Killer or Serial Liar?); Alexandra Perina (The False Confession); The Guardian (Police warned about rising risk of false confessions); O Aprendiz Verde (Thomas Quick: O Homem que Queria ser um Serial Killer); O Aprendiz Verde (Serial Killers: Israel Keyes)
Esta matéria teve colaboração de:
Psicóloga forense (texto)
Revisão por:
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