De sua cela na prisão, Ted Kaczynski — o Unabomber, que aterrorizou os Estados Unidos na década de 1980 e início de 1990, manteve notáveis correspondências com milhares de pessoas ao redor do mundo. Com a proximidade do vigésimo aniversário de sua prisão, o OAV Crime reproduzirá uma série de artigos publicados pelo Yahoo! News com base em suas cartas e outros textos, armazenados em um arquivo da Universidade de Michigan. Eles lançam uma luz sem precedentes sobre a mente de Kaczynski — gênio, louco e assassino.
Eles eram parceiros de exercícios que possuíam muito pouco em comum — exceto por suas infames reputações e uma habilidade com explosivos.
Mas alojados em celas vizinhas na mesma ala restrita da United States Penitentiary Administrative Maximum Facility (ADX) em Florence, Colorado, Ted Kaczynski, o Unabomber, fez amizades incomuns com dois outros terroristas famosos dos anos 90: o autor do atentado a bomba em Oklahoma Timothy McVeigh e Ramzi Yousef, que em 1993 plantou uma bomba no World Trade Center que matou seis pessoas, um precursor dos ataques de 11 de setembro.
Trancafiados em suas celas minúsculas 23 horas por dia, em certo momento os três dividiram o mesmo tempo de recreação. Ao ar livre, o ambiente era sombrio: um pátio de concreto tão isolado que alguns ex-detentos o comparavam a uma piscina vazia. Mas os internos eram escoltados para celas individuais de arame — com aproximadamente 3,5m x 5,5m, estimou Kaczynski — onde eles poderiam conversar sob a vigilância dos guardas.
Em seus primeiros meses na prisão, Kaczynski se tornou tão próximo de McVeigh e Yousef que eles compartilhavam livros e falavam sobre religião e política. Ele até sabia a data do aniversário deles, de acordo com cartas que escreveu a outras pessoas.
“Você pode se interessar em saber que seu aniversário, em 27 de de abril, é no mesmo dia de Ramzi Yousef, o suposto ‘mentor’ do atentado ao World Trade Center”, escreveu Kaczynski a um amigo em 1999, de acordo com uma carta no seu arquivo de documentos pessoais na Biblioteca da Universidade de Michigan. “Eu mencionei isso a Ramzi, e ele quer que eu te diga que uma vez que vocês fazem aniversário no mesmo dia, você e ele devem ter personalidades semelhantes… Ele parece ter algum grau de crença em astrologia”.
Conhecida como “Alcatraz das Montanhas Rochosas”, a ADX é considerada a prisão mais segura dos EUA, onde os criminosos mais perigosos do país são trancafiados e relegados ao esquecimento. Mas para Kaczynski, que viveu como um eremita por mais de 20 anos em sua cabana isolada nas florestas de Montana, a prisão foi, de várias formas, um despertar social. Pela primeira vez ele tinha contato diário e frequente com outras pessoas, apesar de serem, em sua maioria, prisioneiros que haviam cometido crimes igualmente terríveis.
As cartas de Kaczynski oferecem um panorama sem precedentes sobre a sua vida dentro da ADX, chamada de prisão “supermax” e que tem sido largamente criticada por seu uso de confinamento solitário. Kaczynski chegou lá em maio de 1998, pouco depois de ter sido condenado a oito penas de prisão perpétua sem possibilidade de condicional por seus 17 anos anos de atentados, que mataram três pessoas e deixaram dezenas de feridos. De acordo com seus documentos pessoais, Kaczynski detestava tanto a ideia de passar o resto da vida na prisão que na verdade desejava a pena de morte.
Apesar de ansiar pela liberdade e lamentar a saudade de sua amada Montana, Kaczynski admitiu a amigos que a ADX não era tão terrível como a maioria das prisões — apesar do fato de que ele poderia estar mais preparado que a maioria para uma vida solitária num espaço pequeno e fechado (sua cela de 3,5m x 2m não é muito menor que sua cabana de 3,5m x 3m, que não tinha água encanada ou eletricidade).
“Eu considero que estou numa situação (relativamente) afortunada aqui. Para os padrões das instituições correcionais, este lugar é bem-administrado. É limpo, a comida é boa, e é calmo, então posso dormir, pensar e escrever (usualmente) sem ser distraído por um monte de batidas e gritos”.
[Kaczynski, em carta de fevereiro de 2000]
Os prisioneiros em seu bloco de celas, acrescentou, “são de fácil trato”. Ele tinha um apreço particular por Yousef e McVeigh, que descreveu em outras cartas como “bastante inteligentes… Amigáveis e atenciosos com os outros”. “Na verdade”, escreveu Kaczynski a outro correspondente, “as pessoas que eu conheci neste bloco de celas… São mais legais que a maioria das pessoas que eu conheci lá fora”.
Em julho de 1999, McVeigh foi transferido para o corredor da morte federal em Terre Haude, Indiana e apesar de as regras da prisão o impedirem de trocar cartas com Kaczynski, eles mantiveram sua amizade. Por intermédio de um jornalista da Buffalo News, McVeigh enviou a Kaczynski uma cópia de “Into the Wild” [lançado no Brasil com o título “Na Natureza Selvagem”], escrito por Jon Krakauer e que conta a história das andanças de um jovem pela imensidão do Alasca (Kaczynski, que é seletivo em relação a seus livros, gostou dele). Nesse ínterim, o Unabomber pediu a seus correspondentes que enviassem a McVeigh revistas e artigos, incluindo uma assinatura da revista Green Anarchy.
Você me pediu que convidasse Timothy McVeigh a “chupar um coprólito”. Não estou certo de que me recordo o significado da palavra “coprólito” — não está no meu dicionário — mas acho que significa cocô de dinossauro fossilizado ou algo neste sentido. Estou certo? De qualquer forma, não convidarei McVeigh a chupar um. Eu não sei se ele fez o que dizem que fez, ou quais foram seus motivos caso ele tenha feito isso, mas em nível pessoal ele é um companheiro muito decente, amigável e atencioso com os outros. Minha impressão é que ele e Ramzi Yousef são pessoas radiantes. Na verdade, as pessoas que conheci neste bloco de celas (conhecido como “a ala das celebridades”) são mais legais que a maioria das pessoas que conheci do lado de fora. Eu devo acrescentar que muito do que a mídia divulgou sobre McVeigh é besteira. Ele não é um “racista neonazista” — longe disso — e ele não acredita que satélites estejam controlando as pessoas ou que ele possui um chip de computador implantado em seu peito.
(…)
Você me pediu para citar alguma semelhança ou diferença clara entre sua personalidade e a de Ramzi Yousef, o suposto mentor do atentado ao World Trade Center. Honestamente não consigo imaginar semelhanças ou diferenças claras entre vocês dois. Eu só tenho a vaga impressão de que vocês são parecidos de certo modo, e diferentes em outro. Eu levei sua pergunta a Ramzi, e ele sugeriu que você desse uma olhada na edição de julho da revista Penthouse, que contém um artigo sobre McVeigh e ele. Eu hesitei em mencionar a Penthouse para você, uma vez que eu certamente não quero encorajá-lo a ler qualquer publicação daquele tipo (posso te dizer com toda a seriedade que eu não manteria uma cópia da Penthouse em minha cela); mas assim, você provavelmente já a leu de qualquer forma, então qual o problema?
[Trechos de cartas escritas por Ted Kaczynski]
Em seu arquivo de documentos pessoais em Aan Arbor, Kaczynski registrou meticulosamente seu tempo no Colorado. Ele armazenou cópias de suas avaliações anuais de prisioneiro (ele é um detento modelo, com bom comportamento); resenhas de livros dos raros cursos que ele fez, incluindo um de psicologia; e até jornais da prisão, que oferecem quebra-cabeças para ajudar os internos a passarem o tempo.
Apesar de geralmente Kaczynski falar bem da ADX, ele preencheu algumas reclamações ao longo dos anos, principalmente em relação à comida e ao barulho. A prisão, em seu ponto de vista, não serve vegetais frescos o suficiente. E ele reclamou repetidamente da preparação da comida. “Hoje, novamente… Eu recebi um hambúrguer cru. Como alguns outros internos, eu me recuso a comer hambúrgueres malpassados”, escreveu ele, em uma reclamação do “serviço de alimentação” em fevereiro de 2002. “Carne malpassada pode transmitir doenças, por exemplo, salmonela e teníase… Entretanto, frequentemente recebemos hambúrgueres malpassados. Agradeceria se vocês se certificassem de que os hambúrgueres estão bem-passados”.
De acordo com as cartas de Kaczynski, ele acorda antes do amanhecer — por volta das 6h, quando a bandeja com o seu café-da-manhã é inserida por uma abertura perto da porta de sua cela. Uma hora depois, nos meses mais quentes, ele tem permissão de sair para aproximadamente uma hora de recreação. “Eu corro aproximadamente oito quilômetros indo e vindo em uma das pequenas áreas onde tenho permissão para me exercitar”, escreveu em uma carta de fevereiro de 2000, na qual ele descreve sua rotina diária.
Lá dentro, ele lê ou escreve cartas ou ensaios até o almoço ser servido, entre 10 e 11 da manhã. Depois do almoço ele, às vezes, se exercita em sua cela — “flexões, abdominais e por aí vai” — antes de voltar a escrever. Às vezes ele tira um cochilo. O jantar é servido entre 16 e 17 horas, após o que Kaczynski volta a ler e escrever. Por um tempo, ele se dedicou a melhorar seus conhecimentos em outros idiomas, estudando dicionários de russo, alemão e italiano à noite. Ele vai se deitar por volta das 22 horas, às vezes escutando um programa de música clássica de uma estação de rádio da região de Colorado Springs.
Apesar de não ter acesso à internet, Kaczynski lê jornais diariamente — frequentemente o Denver Post, embora em certo período ele tenha sido assinante do Los Angeles Times, cortesia de seus ex-advogados Judy Clarke e Quin Denvir. Ele também assina uma variedade de revistas, incluindo a New Yorker, a Time e a The New York Review of Books. Entre essas publicações e as cartas de sua extensa lista de correspondentes, que lhes enviam artigos impressos da internet, Kaczynski parece se manter atualizado sobre política e questões recentes, constantemente opinando sobre estes eventos em suas cartas.
Em resposta aos ataques de 11 de setembro e os fatos que levaram à guerra no Iraque, Kaczynski escreveu várias cartas, de certo modo apoiando a cruzada americana contra Saddam Hussein, chamando-a de “legítima”. “Não creio que esses ditadorezinhos insignificantes pelo mundo devam desenvolver armas nucleares”, escreveu ele em dezembro de 2002.
Mas na primavera [no hemisfério norte] de 2003, após a invasão no Iraque não resultar em qualquer evidência de criação de armas, o Unabomber mudou seu discurso. Embora achasse que a inteligência tivesse feito um bom trabalho ao desarmar Saddam, agora ele se “sentia razoavelmente certo (independente do que eles dissessem a si mesmos ou ao público) de que os motivos para os políticos invadirem o Iraque tinham mais a ver com seus próprios egos e sua própria sede de poder do que com qualquer desejo altruísta de impedir o risco que Saddam podia oferecer com seus programas armamentistas”.
Mas ele refutou a sugestão de um correspondente de que os Estados Unidos seriam piores que qualquer outra superpotência neste departamento. “Se a Rússia ou a China ou qualquer outro país fossem dominantes, eles se comportariam melhor que os EUA?”, respondeu ele. Além disso, acrescentou, todos estavam ignorando a verdadeira raiz do problema: a sociedade tecnológica, sua nêmesis por toda a vida.
Ainda assim, Kaczynski demonstrou algum apoio ao presidente George W. Bush no ano seguinte, quando ele concorreu à reeleição. Apesar de Bush ser “incompetente”, “a única coisa boa é que ele se opõe à pesquisa com células-tronco”, escreveu Kaczynski. E se o Unabomber pudesse votar, “eu consideraria seriamente votar em Bush e seu grupo semicriminoso”.
Por quê?
“Bem, tirando a questão das células-tronco, eu compreendo que a reeleição de um presidente incompetente e sua gangue irresponsável enfraquecerão o sistema”.
Em julho de 2009, Kaczynski respondeu a uma carta que lhe perguntava sobre a vida na prisão. “Sou um prisioneiro atípico em uma prisão atípica”, escreveu.
“A vida na prisão provavelmente será monótona e entediante para a maioria dos prisioneiros em uma prisão de segurança máxima como esta aqui, mas para mim não é nem de longe, porque eu tenho o bastante para me manter ocupado”.
Série As Cartas do Unabomber:
- Abrindo o Arquivo Unabomber
- A história de dois irmãos
- A “amada” do Unabomber
- Kaczynski e seus advogados
- Unabomber: perdido no cyberespaço
- A vida atrás das grades
- A estratégia de mídia do Unabomber
- Leia também: Os Maiores Terroristas do Século XX