De sua cela na prisão, Ted Kaczynski — o Unabomber, que aterrorizou os Estados Unidos na década de 1980 e início de 1990, manteve notáveis correspondências com milhares de pessoas ao redor do mundo. Com a proximidade do vigésimo aniversário de sua prisão, o OAV Crime reproduzirá uma série de artigos publicados pelo Yahoo! News com base em suas cartas e outros textos, armazenados em um arquivo da Universidade de Michigan. Eles lançam uma luz sem precedentes sobre a mente de Kaczynski — gênio, louco e assassino.
Joy Richards tinha algo a confessar.
Sentada no escritório do pastor da Igreja Luterana da Graça em Upland, Califórnia, no começo de 2006, Richards, que havia sido diagnosticada com câncer terminal, desejava acertar as contas com Deus. E, para ela, aquilo significava ser honesta sobre um segredo que havia guardado até das pessoas mais próximas por medo de ser rejeitada, como outros haviam feito, inclusive sua própria família.
Mas enquanto estava sentada lá com o pastor e sua melhor amiga, Richards parecia não saber por onde começar. Finalmente, com lágrimas nos olhos, ela simplesmente desabafou. “Estou apaixonada por Ted Kaczynski”.
Este é um capítulo praticamente desconhecido da saga do Unabomber, mas que foi capturado, em parte, pelas cartas no arquivo de documentos pessoais de Kaczynski na Coleção Labadie da Biblioteca da Univesidade de Michigan. Preso em 1996 e acusado por uma série mortal de cartas e pacotes-bomba que se arrastou por quase duas décadas, em determinado momento, Kaczynski começou a se corresponder com Richards, uma mulher que ele jamais havia visto, mas por quem no fim acabou se apaixonando e com quem desejou se casar.
Ela era um mistério mesmo para aqueles que a conheciam e, exatamente como e quando o relacionamento deles começou, é incerto. Richards, que faleceu no final de 2006, doou sua correspondência com Kaczynski a uma biblioteca da Smith College, a universidade em que se formou, e onde um representante informou que ela não está disponível para o público.
Mas Kaczynski mencionou Richards em incontáveis cartas a outras pessoas. Ele escreveu sobre o quanto a amava, sobre o quanto era sortudo por tê-la conhecido e, mais tarde, sobre a angústia extrema que sentia em relação às suas doença e morte, aos 53 anos. “Minha amiga sofreu mais do que alguém mereceria sofrer, e não posso fazer nada para ajudá-la”, escreveu Kaczynski em junho de 2006, expressando o tipo de empatia que jamais havia demonstrado pelas dezenas de vítimas de suas bombas.
A princípio, de acordo com as cartas de Kaczynski, Richards era simplesmente sua melhor amiga e confidente, alguém em quem ele confiava o bastante para permitir falar regularmente com seus advogados, negociar possíveis entrevistas com a mídia e o ajudar a construir uma rede de correspondentes que compartilhavam a sua aversão à sociedade tecnológica, que tanto temia.
“Ela começou como alguém que agia como uma espécie de pesquisadora para ele”, afirmou Quin Denvir, um ex-defensor público federal que, junto com a advogada Judy Clarke, coordenou a defesa do Unabomber. “Ela lhe conseguia livros e enviava artigos, e era uma amiga para ele”.
Mas logo ela se tornou muito mais do que isso para Kaczynski, que começou a referir-se a ela em suas cartas como seu “anjo” e “amada”, um título que ele às vezes destacava com um pequeno coração desenhado. Ele desenhava cartões para ela usando lápis de cor da loja da prisão e lhe escrevia peças originais de música clássica. Com ajuda de outros correspondentes, ele enviava livros que julgava que ela poderia gostar.
“[Joy] é um anjo. Quero dizer, de verdade. Eu tenho certeza que ela poderia voar se quisesse”, escreveu Kaczynski a um amigo em abril de 2002. “Você não vê a auréola dela porque ela é modesta demais para usá-la. Ela a mantém pendurada no seu armário. Mas ela realmente é um anjo de verdade. Absolutamente perfeita”.
Em dado momento, Richards começou até mesmo a falar regularmente com a família de Kaczynski — sua mãe Wanda e seu irmão David, com quem o terrorista havia rompido após descobrir que o irmão havia dado ao FBI a dica que levou à sua prisão. Os contatos dela não eram um segredo. A mãe e o irmão dele lhe escreveram mencionando Richards, e Kaczkynski, que era ágil em descartar qualquer um em quem não confiasse, aparentemente não tinha objeções.
Sua família, desesperada para pôr fim às desavenças com ele, viu a aproximação de Richards como algo surpreendente mas animador. “Eu achei que aquilo era uma abertura, que talvez Joy pudesse se tornar a ponte através da qual eu poderia me reconciliar com meu irmão”, afirmou David em uma entrevista.
Em cartas e telefonemas, Richards dava à família, principalmente, informações sobre a vida de Kaczynski na prisão — apesar de ocasionalmente dar a impressão de que estava transmitindo as mensagens a pedido dele. “Uma ou duas vezes ela até mesmo disse algo como ‘ele disse para dizer isso a David’ ou algo do tipo, o que me deixou esperançoso”, relembrou David.
Porém um dia ele teve uma conversa telefônica com Richards sobre os crimes do irmão, na qual ela deu uma noção da sua opinião sobre o Unabomber. “Você sabe, eles nunca provaram realmente que Ted matou pessoas” disse ela a David, que ficou estupefato.
“Joy, se eu achasse que ele era inocente, eu estaria lutando por uma causa diferente neste momento”, disse ele.
Do outro lado da linha, Richards ficou quieta por um momento. “Bem, mesmo se ele tiver feito isso, eu ainda consigo aceitar”, respondeu ela. “Eu consigo entender isso”.
Não muito depois disso, recordou David, Richards parou de se comunicar. “A porta foi realmente fechada”, disse ele. Vários meses depois, a família descobriu o porquê: Richards contou à mãe de Kaczynski que o filho dela a proibira de falar com a sua família. Ele achou que ela estava nutrindo simpatia demais em relação a eles e passou a questionar sua lealdade.
Richards, extremamente reservada em relação à própria vida, deixou poucas pistas sobre seu passado. Ela cresceu perto de Cleveland. Seus pais, como os de Kaczynski, eram polaco-americanos de segunda geração, segundo contou a amigos. Ela tinha um irmão e uma irmã — apesar de não ser claro se eles eram mais velhos ou mais novos. Ela disse a um amigo que se casou brevemente com um homem que estava no exército, mas após alguns anos se divorciou amigavelmente (utilizando os registros públicos, o Yahoo News não conseguiu encontrar nenhum dos parentes de Richards, e os amigos não possuíam nenhuma informação).
Descrita por um amigo como “incrivelmente inteligente de um modo sobre-humano”, Richards aparentemente deixou de frequentar (ou concluir) a faculdade durante anos, finalmente se formando aos 36 anos na prestigiada Smith College em Northampton, Massachusetts. Colegas de classe a relembraram no obituário mantido na revista dos alunos como uma “misteriosa combinação de uma pessoa solitária e gregária”.
“Querida senhorita,
Obrigado pela sua carta de 3 de outubro. Você perguntou se poderia ser minha ‘segunda amada’. Eu fiz essa pergunta para minha amada número 1 e ela disse ‘não’. Não haverá uma ‘amada’ número 2. Quanto a fotos minhas, acho que não tenho nenhuma aqui, exceto possivelmente algumas que eu preciso guardar. Mas se você me mandar uma foto minha, sim, eu a autografo para você. E sim, você pode me enviar uma foto sua.
Tenho que ser honesto com você: a única razão para eu me corresponder contigo atualmente é que você é gentil comigo o bastante para me enviar cópias dos materiais de que eu preciso. É possível que uma amizade entre nós possa se desenvolver afinal, mas só há lugar para uma ‘amada’, e ela é a ‘amada’ número 1, com quem estou comprometido de uma vez por todas.
Mas eu aprecio bastante sua disposição em me ajudar a obter as publicações de que preciso.
Saudações,
Ted Kaczynski”
[Carta enviada por Ted Kaczynski a uma fã]
Não se sabe como ela foi parar no Oeste. Registros públicos mostram que ela viveu brevemente em Idaho e depois em Montana, que era onde ela morava em 1996 quando Kaczynski foi preso, apesar de aparentemente jamais terem se cruzado. Mais tarde ela contou a amigos que havia ficado curiosa com o Manifesto Unabomber, que descreveu como “brilhante”. Parece que ela escreveu a Kaczynski pela primeira vez não muito depois de sua prisão, mas sua correspondência se tornou regular apenas em 1998, após ele ter sido sentenciado a prisão perpétua sem condicional e enviado para a United States Penitentiary Administrative Maximum Facility (ADX) em Florence, Colorado.
Na penitenciária, a vida de Kaczynski sofreu uma reviravolta considerável. Antes de sua prisão ele praticamente não teve experiências com mulheres, como confidenciava repetidamente em seu diário. O sexo oposto o confundia: o que as mulheres querem? Como você sabe se elas gostaram de você? Por que isso era tão difícil?
Mas como um assassino famoso, ele atraiu o interesse das mulheres, dezenas delas, que lhe escreviam para dizer o quanto o achavam belo. Elas o chamavam de “Teddy”, lhe enviavam fotos provocadoras, falavam sobre suas fantasias sexuais e imploravam para visitá-lo. Uma mulher, numa carta enviada aos advogados de Kaczynski, até o pediu em casamento.
Kaczynski estava gostando da atenção mas também ficou desconcertado com ela. Com seu jeito metódico, ele buscou os mistérios da vida com sua advogada, Clarke, que havia se tornado uma das suas amigas mais íntimas. “Eu creio que ele supôs que havia um pequeno manual, ou algo que pudesse ler, que lhe ensinaria sobre as mulheres em termos exatos”, disse Denvir, colega de Clarke. “Ele era tão intelectual, mas também era assim ingênuo. Às vezes ele parecia ter 12 anos”.
Pouco depois de chegar ao Colorado, Kaczynski começou a receber cartas de uma mulher que escrevia com detalhes explícitos a respeito de suas fantasias sexuais em relação a ele. As cartas o chocaram tanto que mesmo desprezando profissionais da área de saúde mental ele escreveu a um psicólogo perguntando se a mulher podia ser mentalmente instável. “A raiva mau resolvida pode levar a impulsos sexuais sádicos?”, perguntou ele.
Apesar de manter a correspondência entre eles, Kaczynski a advertiu para não se ligar demais a ele. Ela não era a única mulher a quem ele escrevia — ele também trocava cartas com uma mulher que identificou como “J”. “Eu gosto dela, e eu acho que ela precisa de mim tanto quanto você, embora provavelmente por motivos diferentes”.
Richards e Kaczynski se encontraram pessoalmente pela primeira vez no final de 1999. Apesar de sua lista de visitantes na ADX ser estritamente limitada a seus advogados ou pessoas que havia conhecido antes de sua prisão em 1996, ela conseguiu visitá-lo inicialmente fingindo ser uma jornalista (mais tarde, não se sabe como ou quando, ela foi permanentemente adicionada à sua lista de visitantes aprovados). Na época, com pouco mais de quarenta anos, ela tinha um metro e setenta de altura, era esguia com cabelo castanho escuro e olhos azuis brilhantes, e frequentemente vestia práticas calças cáqui.
Ele lhe havia garantido uma entrevista que seria publicada mais de um ano depois na Blackfoot Valley Dispatch, uma publicação regional em Montana. Inicialmente, Kaczynski havia negociado a entrevista com outras publicações, incluindo a Rolling Stone, Penthouse e Playboy, mas por conta das condições estritas que apresentou, incluindo a escolha de Richards como redatora e a aprovação final do texto por ele, não houve propostas.
Richards escreveu sob o pseudônimo de J. Alienus Rychalski — uma combinação de um apelido que recebera na infância e o sobrenome polonês original de sua família. Conduzida enquanto Kaczynski ainda estava apelando para um novo julgamento, a entrevista se concentra principalmente na sua vida diária em Montana, no que havia feito com que ele quisesse viver em um “lugar desabitado” e se ele acreditava em “destino” e em Deus (“não”, respondeu ele. “E você?”).
Richards retornou a Montana. Uma amiga não identificada de Kaczynski lhe escreveu dizendo que havia topado com Richards, que estava exultante com a “emoção” de finalmente conhecê-lo pessoalmente. Kaczynski disse que estava feliz por tê-la conhecido também. Em dado momento, Richards se mudou para Rancho Cucamonga, Califórnia, onde começou a trabalhar como professora primária. Naquela época, o relacionamento dela com o Unabomber tinha se tornado romântico — ou tão romântico quanto possível sob as severas regras da supermax, onde os detentos não têm permissão para manter contato físico com os visitantes. Cada encontro era realizado numa sala de concreto, equipada com câmeras de segurança onde os visitantes ficam separados por uma grossa tela de vidro blindado. Eles nunca puderam se tocar e jamais se beijaram.
Mas Kaczynski tentou ser o melhor namorado possível para a primeira namorada que tivera na vida. De acordo com suas cartas, ele enviava a Richards cópias de toda a correspondência enviada e recebida para provar suas honestidade e lealdade — o que significa que ele copiava cartas à mão pelo menos duas vezes, uma para ela e outra para seu arquivo em Michigan, uma vez que não tinha acesso a uma máquina copiadora.
Embora tenha continuado a se corresponder com outras mulheres, ele as dispensava quando elas demonstravam qualquer sinal de interesse romântico nele. Mas às vezes não era fácil. Em 2002, uma mulher que era bibliotecária começou a escrever-lhe — uma amizade fundamental para um homem atrás das grades que possuía o desejo de ler artigos raros e livros que outros amigos não podiam encontrar. Mas quando ela enviou uma carta sedutora, Kaczynski lhe disse que já possuía uma “amada” em sua vida.
“Eu posso ser sua segunda amada?”, perguntou a mulher.
“Eu fiz essa pergunta para minha amada número 1, e ela disse ‘não'”, respondeu ele. Embora ele apreciasse aquela “amizade”, ele cortou todo o contato com a bibliotecária quando mais tarde ela o chamou de “amorzinho”. “A amada número 1 não ficaria confortável com o tom que suas cartas está assumindo”, escreveu ele. “Você não terá mais notícias minhas”.
Ele não parava de elogiar Richards para outras pessoas. “Ela é mais do que eu poderia sonhar!”, escreveu a um antigo membro da sua equipe de defesa. Há evidências de que ele considerou se casar com ela, o que traria um benefício prático. Como sua parente mais próxima, caso sobrevivesse a ele — Ted era 11 anos mais velho — ela, e não sua família, teria a posse dos seus restos mortais. Se ele realmente pediu tal permissão ou se ela teria sido concedida é incerto.
No ano seguinte, Kaczynski vendeu sua metade do terreno que possuía em Montana (aproximadamente meio hectare) a Richards, pela bagatela de US$ 7.500 para ajudá-la a realizar o sonho de ter um lugar isolado para fugir (seu irmão, David, era dono da outra metade). A venda atraiu para Richards atenção indesejada da mídia. “Eu sou uma pessoa muito reservada”, disse ela ao Sacramento Bee na que seria sua única entrevista sobre Kaczynski. “Eu queria ser invisível agora mesmo. Este momento é o que eu mais temia”.
Embora a curiosidade da mídia sobre seus negócios com Kaczynski tenha desvanecido tão rapidamente quanto surgiu, bastou uma matéria para causar um drama na vida de Richards. Mais tarde, ela contou a amigos que sua família, com a qual já tinha uma relação tênue, descobriu sua amizade com o Unabomber naquela época. Chateados por ela estar se correspondendo com um maníaco homicida, sua família parou de falar com ela, levando a um afastamento que durou até pouco antes de sua morte.
Richards contou ao Sacramento Bee que havia se “afeiçoado” ao Unabomber, mas era mais que isso. Naquela época, ela lhe escrevia regularmente e o visitava na prisão. Naquele Natal, ela fez uma viagem de três dias ao Colorado, onde passou horas falando com ele através do vidro blindado. Mas quando estava lá, Richards começou a tossir sangue. O diagnóstico foi câncer de pulmão. Os cirurgiões removeram parte do pulmão direito dela mas a avisaram que o câncer provavelmente voltaria.
Dando a notícia a outro amigo, Kaczynski escreveu: “se ela morrer, meu coração se despedaçará, porque eu amo aquela mulher”.
Durante os 18 meses seguintes, a saúde de Richards melhorou brevemente, mas sua aparência ficou novamente abatida. Ela passou por quimioterapia e foi obrigada a abandonar seu emprego de professora. Ela continuou a escrever para Kaczynski e visitá-lo, mas sem contato com sua família e com poucos amigos, ela começou a se preocupar com a perspectiva de morrer sozinha.
Apesar de jamais tê-lo conhecido no mundo exterior, Kaczynski estava mais presente na vida dela do que qualquer outra coisa. Em seu pequeno apartamento ela guardava seus livros — incluindo uma cópia encadernada do Manifesto Unabomber — e alguns dos pertences que ele havia deixado em sua cabana em Montana. Nas paredes, havia desenhos que ele havia feito para ela, e espalhadas pelo apartamento cópias de músicas que ele lhe havia escrito — apesar de não estar claro se ela sabia ler partituras.
“Era como se ela estivesse vivendo com um fantasma”, disse um amigo, que prefere não ser identificado para que não o associem com Kaczynski. “Era como se [Kaczynski] estivesse ali, mas ele não estava”.
No final de 2005 os médicos disseram a Richards que seu câncer havia voltado. Por acaso, ela conheceu e se tornou amiga de um casal — cristãos devotos — a quem passou a confessar seus medos em relação à sua saúde e seu destino. Ela não mencionou seu relacionamento com Kaczynski a ninguém — até o dia em que chamou sua amiga e o pastor da igreja, James Pike, para confessar que estava apaixonada por ele.
Tanto Pike quanto a amiga ficaram atônitos. “Espera, o Unabomber?”, Pike lembra de ter dito.
Richards assentiu em lágrimas. Àquela época, ela estava tendo uma epifania espiritual e considerava se batizar na igreja. Mas ela lhes disse que não poderia seguir em frente com o simbólico renascimento espiritual se não fosse totalmente honesta em relação à sua vida. Ela tivera medo de contar-lhes receando que pudesse perdê-los como perdera sua família. “Se isso for um fim”, ela lhes disse, “podem me dizer”.
“Às vezes você não escolhe a quem amar”, disse-lhe a mulher. “E isso não muda nossos sentimentos em relação a você”.
Na primavera seguinte, Richards se batizou na igreja. Finalmente livre para falar sobre seu relacionamento secreto, ela confessou seus sentimentos cada vez mais conflitantes sobre amar um homem que havia cometido crimes tão terríveis. Ao mesmo tempo, ela se preocupava com o que Kaczynski iria achar do fato de ela se tornar mais espiritual quando ele próprio não acreditava em Deus.
Na prisão, Kaczynski havia notado as mudanças em Richards. Ele escreveu a outras pessoas falando sobre o seu envolvimento cada vez maior com a igreja e como ela, com sua doença, passara a se apoiar firmemente em sua fé. Ela sofria dores constantes, física e emocionalmente, e Kaczynski sofria com seus próprios sentimentos em relação à impossibilidade de ajudar a mulher que amava tão desesperadamente.
Em julho de 2006, os médicos revelaram a Richards que ela tinha apenas mais alguns meses de vida. Naquele momento, ela se ocupou em resolver suas pendências e, por causa dos seus sentimentos conflitantes em relação a Kaczynski, passou a escrever cada vez menos. Ele percebeu o afastamento dela. “Eu amo verdadeiramente esta mulher, mesmo que o amor dela por mim tenha arrefecido”, escreveu a um amigo naquele mês.
Sem emprego e com os benefícios suspensos, Richards logo começou a ficar sem dinheiro. Quando Kaczynski mencionou os problemas dela para outro amigo, o homem lhe enviou US$ 2.400 e prometeu mais, caso ela precisasse. Mas a saúde dela só piorou. Ela foi internada em novembro e Kaczynski ficou desesperado tentando contatá-la. Ele escreveu cartas ao síndico do seu prédio e a membros da família dela. Ele não sabia se ela estava viva ou morta, e contatou alguns de seus amigos em sua desesperada tentativa de descobrir.
No final de dezembro, Richards foi morar com o casal com quem havia travado amizade, e passou seus últimos dias lá. Embora tenha feito as pazes com sua família, que foi visitá-la, amigos dizem que seus parentes não se ofereceram para ajudar com nenhuma das suas disposições finais, incluindo o testamento e seu funeral. Tudo ficou por conta do casal e da igreja.
Ela estava doente demais para falar com Kaczynski, apesar de ter feito as pessoas próximas prometerem que o avisariam da sua morte. “Ela passou a rejeitar os assassinatos e as coisas que ele havia feito, mas o amava”, disse um amigo. “Ela tinha uma ligação profunda com ele até o fim”.
No dia em que ela morreu, um dos amigos de Kaczynski em Los Angeles foi visitá-la em nome do terrorista. Quando ele chegou, Richards sofria com dores e estava quase inconsciente, mas o amigo trazia uma última mensagem de Kaczynski para sua amada. O homem, um músico, pôs fones de ouvido em Richards e tocou uma canção — “um dueto de trombone” — que Kaczynski havia escrito para ela e o homem gravara em seu sintetizador.
Richards faleceu na véspera do Ano Novo de 2007, mas apesar de Pike e outros deixarem mensagens na prisão, Kaczynski não soube da sua morte até uma semana depois, através de uma carta do irmão de Richards. Em uma carta na qual agradecia por avisá-lo do destino de sua amada, a caligrafia elegante de Kaczynski estava quase ilegível. Ele escreveu que se sentia feliz por Richards saber que ele pensava nela até o fim.
“Eu não queria que ela morresse achando que eu a abandonara.”
[Ted Kaczynski]
Série: As Cartas do Unabomber:
- Abrindo o Arquivo Unabomber
- A história de dois irmãos
- A “amada” do Unabomber
- Kaczynski e seus advogados
- Unabomber: perdido no cyberespaço
- A vida atrás das grades
- A estratégia de mídia do Unabomber
- Leia também: Os Maiores Terroristas do Século XX