Reportagem Retrô é uma coluna do blog O Aprendiz Verde que traz reportagens, matérias e artigos antigos publicados em algum lugar do nosso tempo-espaço. Trazer essas matérias é uma forma de resgatarmos o passado e, por um instante, ter um vislumbre daquele registro de época.
A reportagem retrô de hoje foi publicada no jornal norte-americano The New York Times, em 12 de Agosto de 1991, e é sobre Stephen Hicks, a primeira vítima do serial killer canibal Jeffrey Dahmer.
Tristeza e frustração nas trilhas de um desaparecido
Por Mary B. W. Taylor
Em uma manhã quente de Junho de 1978, Steven Mark Hicks deixou sua casa no nordeste de Ohio para ir até um show de rock perto do Parque do Lago Chippewa.
Hicks, um recém graduado da Coventry High School, não voltou para casa aquela noite. Ele era conhecido por dar umas esticadas nas noitadas e seus pais presumiram que ele simplesmente esquecera de ligar.
Mas seis dias depois, repetidas chamadas a hospitais e amigos dele não trouxeram nada, e seus pais Richard e Martha Hicks foram até a delegacia relatar o seu desaparecimento.
Nos dias seguintes, um detetive designado para o caso começou o que o Departamento do Condado de Summit chamou de desaparecimento padrão. Ele questionou os familiares e amigos de Hicks. Ele refez o percurso de 56 quilômetros até o Lago Chippewa; checou com autoridades de condados vizinhos se algum corpo havia sido encontrado e cadastrou o nome de Hicks, sua data de nascimento e descrição, em uma rede de computador que fazia combinações de informações de desaparecidos.
Mas vários meses depois, quando pistas de Steven Hicks falharam em aparecer, a busca foi classificada como ativa, mas fria.
“Era como se ele simplesmente tivesse desaparecido,” disse Carol Hewett-Varner, uma detetive que posteriormente foi designada para o caso. O desaparecimento tornou-se o único sem solução de todo o condado. “Era apenas o maior mistério deste escritório: O que aconteceu com Steven Hicks?”
No mês passado, a Detetive Hewett-Varner e a família de Hicks tiveram uma resposta que trouxe mais angústia do que alívio: o dia em que Steven Hicks desapareceu é o mesmo dia no qual Jeffrey L. Dahmer, da vizinha Bath, começou sua carreira como um serial killer.
Todos os anos, mais de 700 mil desaparecimentos como o de Hicks são relatados à polícia, disse um porta-voz do FBI. Embora muitas das pessoas desaparecidas tenham sido sequestradas por estranhos, quase metade são crianças que fogem de casa ou pais que sequestram devido a disputas familiares. Outros casos envolvem adultos que saíram de casa sem avisar ninguém.
Inundados com o trabalho diário ou desencorajados por falta de pistas que levem a algum lugar, a polícia muitas vezes deixa esses arquivos de lado ou os fecham até que alguma nova informação floresça. Famílias frustradas, que se queixam que a polícia não leva a sério desaparecimentos de adultos ou adolescentes fugidos, acabam tendo que procurar outros meios por ajuda.
É mais fácil para investigadores darem uma prioridade mais baixa para esses casos já que na maioria das vezes os desaparecidos retornam em poucos dias ou simplesmente são encontrados pela polícia, vivos e com saúde.
Mas com Hicks não foi assim. Dahmer, 31, preso em Milwaukee em conexão com 17 assassinatos, contou à polícia que Hicks foi sua primeira vítima.
Dahmer disse que pegou o jovem em 18 de Junho e o levou até sua casa para beberem cerveja. Quando Hicks tentou sair, Dahmer o estrangulou, desmembrou o corpo e espalhou os ossos na mata atrás de sua casa.
Entre os restos mortais de 11 homens que a polícia identificou no apartamento de Dahmer em Milwaukee estavam o de Richard Guerrero, um jovem de 22 anos de Milwaukee desaparecido em 29 de Março de 1988. Os familiares de Guerrero afirmaram que a polícia fechou o caso cerca de um ano depois do desaparecimento, dizendo que ele havia sido encontrado. Mas o caso foi reaberto quando a família insistiu que ele ainda estava sumido. Um porta-voz da polícia de Milwaukee recusou-se a comentar.
“Normalmente, com uma criança, a polícia não espera para começar a procurar,” disse Jeralita Costa, diretora-executiva do Amigos e Família das Pessoas Desaparecidas e Vítimas de Crime Violento, um grupo de advocacia baseado em Seattle. “Mas com um adolescente ou um adulto, eles normalmente não dão muita bola. Em alguns casos a polícia se recusa totalmente, se a vítima é maior de 18, a abrir um relatório de desaparecido.”
A Sra. Costa disse que sua irmã de 14 anos e uma amiga foram sequestradas e estupradas em 1976. Quando a família chamou a polícia, detetives insistiram que as garotas haviam fugido e que não fariam uma busca.
Ben J. Ermini, diretor do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, em Washington, disse que a investigação de pessoas desaparecidas tem melhorado nos últimos anos, especialmente com o uso de computadores, mas ainda está aquém.
No caso de Steven Hicks, detetives do Condado de Summit reabriam a investigação quando relatos de corpos não identificados semelhantes ao adolescente eram encontrados em qualquer lugar do país; eles também seguiam dicas, como a de moradores locais que disseram que um jovem parecido com ele estava trabalhando num mercado local.
Muitas vezes, porém, era apenas quando a Sra. Hicks aparecia com alguma nova pista de seu filho mais velho que a polícia desengavetava os arquivos.
“Ela era incansável”, disse a detetive Hewett-Varner. “Mas com pessoas desaparecidas é difícil. Você começa a olhar para tudo. Você faz tudo o que pode e acava num beco sem saída.”
Com Hicks, o final não veio fácil. Detetives enviavam registros dentários e raios-x para departamentos de polícia que tinham corpos não identificados.
Frustrado com o ritmo da investigação, os pais de Hicks ofereceram uma recompensa de U$ 2.500 dólares por informações que levassem ao seu filho. Eles contrataram um detetive particular que, por U$ 300 dólares, prometeu encontrar Steven. Eles até apelaram para o sobrenatural, consultando uma pessoa que se ofereceu para ajudar através de meios psíquicos.
“Entenda que em 13 anos nós passamos por muita coisa”, disse o Sr. Hicks em uma entrevista para a TV WKYC de Cleveland, no início deste mês. “Eu espero que você perceba que não somos pessoas ignorantes. Somos pessoas letradas. Mas fomos levados ao desespero e frustração por não saber.”
Nota do Aprendiz
Após o julgamento de Dahmer, em 1992, Martha Hicks processou os pais de Jeffrey Dahmer alegando que eles deveriam ter conhecimento sobre a peliculosidade de seu filho. Ela pediu US$ 50 milhões de dólares em indenização. No processo, a mãe de Steven Hicks disse que os pais do serial killer deveriam saber que ele era “um depravado destinado a causar danos e morte a outros.” O processo alegou que o pai e a madrasta de Dahmer foram negligentes, além de não fiscalizarem o garoto quando a família morava em Bath, Ohio. Martha Hicks também entrou com um processo contra um juiz que autorizou a realização de um filme sobre o serial killer. Ela perdeu ambos os processos, mas em resposta ao seu pedido de indenização, um juiz de Ohio ordenou que Dahmer fosse julgado em Ohio pelo assassinato de Steven. Em Maio de 1992, Dahmer foi condenado a prisão perpétua num tribunal do estado. “Seu sorriso poderia mantê-lo longe de problema, mas ele nunca havia conhecido ninguém como este monstro. Steven foi o primeiro a ser morto, o último a ser esclarecido e o último a ser enterrado. Eu não poderei ligar a cadeira elétrica, mas eu faria para este animal. O ato de Dahmer me fez questionar a minha religião, minha sanidade, minha razão de existir. Nenhum pai deveria passar pelo que passei, vendo pedaços do seu filho na TV ou no jornal.”, disse Martha no julgamento.
Martha Hicks faleceu aos 67 anos, em 5 de Novembro de 2008, deixando três filhos, um deles de nome Jeffrey. Seu obituário pode ser lido neste link. Dois anos depois foi a vez do marido de Martha e pai de Steven, Richard, falecer. Veterano da Marinha americana, Richard trabalhou 33 anos no departamento de Controle de Qualidade da B&W, uma grande empresa de energia de Ohio, e era participante ativo de clubes de tiro. Seu obituário pode ser lido neste link.
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