

Buffalo Bill
Imagine a seguinte situação: enquanto você bisbilhota a vida dos outros no Facebook, em algum lugar do mundo, um serial killer mantém presa, no fundo de um calabouço, sua próxima vítima. Por alguma razão, ele ainda não a matou e, estranhamente, pede para a assustada moça passar uma loção na pele. Ele coloca a loção num cesto que desce por uma corda até ela. Quando a loção chega até a moça, o serial killer, que claramente possui um distúrbio mental, diz:
“Ela passa a loção na pele. Ela faz isso sempre que é pedida”.
A moça, desesperada, pega a loção e suplica ao seu algoz, inocentemente acreditando que fora raptada por dinheiro:
“Senhor, minha família irá pagar em dinheiro. Seja qual for o resgate que está pedindo, eles irão pagar”.
Falando em terceira pessoa, e com sua cachorrinha poodle de nome Preciosa no colo, o serial killer repete sua frase anterior, mas dessa vez, fazendo uma pequena ameaça:
“Passa a loção na pele, ou então terá a mangueira novamente. Sim, ela terá Preciosa. Ela terá a mangueira”.
A mangueira era uma forma de o serial killer punir sua vítima, esguichando água quando ela não obedecia. Ela, claro, não quer a mangueira de novo.
“Certo, certo. Certo, certo. Certo. Senhor… se você me deixar ir embora, eu não vou, não vou dar queixa. Eu prometo. Veja, minha mãe é uma mulher importante. Eu acho que você já sabe disso”.
O perturbado homem não dialoga com a moça, apenas dá ordens:
“Agora coloque a loção no cesto”.
A vítima, no fundo do porão, implora:
“Por favor! Por favor! Eu quero ir pra casa. Eu quero ir pra casa. Por favor!”
“Ela coloca a loção no cesto”, diz ele mais uma vez.
“Eu quero ver a minha mãe! Por favor. Eu quero ver minha… eu quero ver minha mãe”.

Buffalo Bill
Sabemos muito bem que essa poderia ser uma cena real, mas não, não é, é uma cena fictícia do maior filme da história a tratar do tema serial killer: O Silêncio dos Inocentes.
Na cena, o serial killer Jame Gumb (apelidado de Buffalo Bill – habilmente interpretado pelo ator Ted Levine) pede a sua vítima Catherine (Brooke Smith), que está presa em um calabouço dentro da casa dele, para passar uma loção na pele. A intenção de Buffalo Bill, que esfola suas vítimas, é que a pele de Catherine fique mais “solta”. Assim, ele poderá matá-la e retirar sua pele com mais facilidade.
E engana-se quem acha que essa cena não poderia ser reproduzida no mundo real por alguém tão desequilibrado quanto o nosso amigo acima. Em 1986, na Philadelfia, Gary Heidnik sequestrava mulheres e as mantinha acorrentadas em uma espécie de calabouço, onde as violentava sexualmente e depois as matava. O escritor Thomas Harris utilizou a descrição do calabouço de Gary Heidnik para criar o calabouço no qual Búffalo Bill mantém suas vítimas. Realidade e ficção, essa cena povoou o imaginário da cultura pop e tornou-se uma das mais célebres cenas de um dos maiores filmes da história.
Ator e Personagem
“Eu os assustei até a morte na audição. Eu não tinha ideia do que faria. Eu li o roteiro, eu li o livro… Eu encontrei Jonathan (diretor) em Los Angeles, e nós conversamos, e eu tive uma percepção para onde o personagem iria. Ele me chamou de volta, fui até Nova York para conversamos um pouco mais e no meio do caminho inventei algo. Na verdade, eu acho que a minha audição, de longe, foi melhor do que a minha performance no filme”.
[Ted Levine]
Foi assim que o ator Ted Levine explicou ao jornal Chicago Reader como conseguiu o papel do psicopata “Buffalo Bill” em O Silêncio dos Inocentes. Impressionados, os três produtores do filme deram o papel a Levine, que imediatamente começou a pesquisar sobre serial killers e, inclusive, encontrou-se com o agente do FBI John Douglas, um dos grandes especialistas do mundo no assunto.
“Há tantos caras lá fora. Eu escutei algumas fitas e li algumas cartas de algumas dessas pessoas. Eu procurava por consistências e achei algo bastante interessante: serial killers são, muitas vezes, meio judeus, algo que também sou. Eu assisti a um vídeo de um cara que construiu um calabouço. Ele sequestrava mulheres, estuprava-as e descartava seus corpos. Chega a um ponto em que eles querem ser presos, querem a morte, e é por isso que a pena de morte não faz nenhum sentido. Em uma cultura que mata assassinos, a tendência é ter mais assassinos. De modo geral, todos esses caras são realmente indescritíveis, pessoas poderosas. Eles querem ter controle sobre as mulheres. Eu dei um passo adiante com Gumb. Gumb queria ser uma mulher, não no sentido transsexual, e sim no sentido de possuir a divindade feminina, o poder que ele acha que as mulheres têm. Ele queria ser sua própria mulher, não queria ter relações sexuais com suas vítimas, ele apenas as consumia”.
Jame Gumb é um personagem muito complexo, e em um ponto o ator Ted Levine e o diretor Jonathan Demme concordavam: a não estereotipização de Gumb como homossexual.
“Era muito importante que fôssemos cuidadosos em não enviar os sinais errados. É claro que Gumb não é um homossexual, ele não podia ser retratado como gay… Ele sofre de um problema de gênero. Ele é um homem que se detesta tanto que deseja ser o mais distante possível do que fundamentalmente ele é”.
[Jonathan Demme, diretor de O Silêncio dos Inocentes]
É fato que personagens complexos, como Jame Gumb, levam ao esgotamento físico e mental os atores que os encarnam. Ao extremo, existem até casos de quase-morte e morte, como o ataque cardíaco sofrido por Martin Sheen durante as filmagens de Apocalypse Now, e a morte por overdose de remédios de Heath Ledger. E com Ted Levine não foi diferente. Entrar na pele de um perturbado serial killer não foi fácil e lhe custou muitas noites em claro.
“Foi difícil. Eu nunca farei um personagem como esse novamente. Eu teria amado fazer apenas a parte do roteiro, e não lidar com o livro, seria muito mais fácil trabalhar assim, e há tantas imagens no livro que não estão no filme… De um lado elas podem ser úteis para você, do outro pode acabar deixando o trabalho mais duro ainda, o que realmente aconteceu. Fiquei louco com esse personagem. Eu vivo com esse filho da puta. Algo comum em muitos serial killers é que eles veem muita pornografia, e eu fiz isso também. Isso é algo que te deixa realmente louco”, disse Levine para o Chicago Reader em uma entrevista em 1991.
O fã serial killer
A atuação de Ted Levine foi realmente brilhante. Ele conseguiu criar um psicopata repugnantemente perdido em suas fantasias, fora da realidade, mergulhado totalmente em seu macabro mundo particular, fora de qualquer compreensão que possamos ter de sanidade. Uma pena que sua atuação tenha sido quase ignorada, muito devido ao seu colega Anthony Hopkins, que encarnou Hannibal Lecter. Mas, apesar de Anthony Hopkins, e o seu Hannibal Lecter, ter cativado o público e levado um Oscar para casa, Ted Levine, e o seu Buffalo Bill, ganhou prestígio e respeito, recebendo elogios das mais diversas vozes, e algumas delas vindas de pessoas que o próprio Levine abomina.
Um dos fãs de carteirinha de Ted Levine era o serial killer Richard Ramirez. Condenado em 1989 pelos horrendos assassinatos de 13 pessoas em Los Angeles, Ramirez costumava assistir O Silêncio dos Inocentes na prisão. A cena da “loção” era sua preferida.
“Aquele cara da série Monk, eu realmente gostava dele em O Silêncio dos Inocentes”, disse Ramirez para o The New York Post, 19 dias antes de morrer.
Em 19 de maio de 2013, Ramirez (que faleceu 19 dias depois) concedeu sua última entrevista. Em um bate-papo por telefone com o jornal, ele falou sobre sua admiração por Levine e confessou ao repórter que sua cena preferida era a da “loção”.
“Aquela cena em que ele diz ‘ela passa a loção na pele’ eu realmente gostava”.
Quem leu os posts Morre Richard Ramirez, o Perseguidor da Noite e Richard Ramirez, meu tio serial killer viu que Ramirez era um masturbador compulsivo, um homem promíscuo e viciado em pornografia, um serial killer pertencente ao mesmo grupo pesquisado por Ted Levine. Na matéria do New York Post, Ramirez diz que passava a maior parte do seu tempo assistindo TV. Revelou ainda uma doentia obsessão por atletas e chegou a fazer um apelo: “Eu gosto de assistir garotas do vôlei de praia e ginastas. Eu gosto de meninas pequenas e magras, mesmo eu tendo 1,85m. Luta livre é legal, mas as meninas deviam usar roupas mais reveladoras… Me envie imagens pornográficas suaves de garotas asiáticas de biquínis e/ou itens de vestuário”.
Mas e Levine, o que acha desse macabro fã?
“Foda-se ele. Espero que ele esteja no inferno. Isso é tudo o que tenho a dizer sobre Richard Ramirez”.
É… parece que Levine não gostou nem um pouco de ter o seu trabalho elogiado por um “especialista” do ramo.
Cena da loção | transcrição em inglês
Buffalo Bill: It rubs the lotion on its skin. It does this whenever it’s told.
Catherine: Mister, my family will pay cash. Whatever ransom you’re asking for, they’ll pay it.
Buffalo Bill: It rubs the lotion on its skin, or else it gets the hose again. Yes, she will Precious. She will get the hose.
Catherine: Okay, okay. Okay. Okay, okay. Okay. Mister… If you let me go, I won’t I won’t press charges. I promise. See, my mom is a real important woman. I guess you already know that.
Buffalo Bill: Now it places the lotion in the basket.
Catherine: Please! Please! I want to go home. I want to go home, please!
Buffalo Bill: It places the lotion in the basket.
Catherine: I want to see my mommy! Please. I want to see my… I want to see my mommy.
Buffalo Bill: Put the fucking lotion in the basket!
Universo DarkSide – os melhores livros sobre serial killers e psicopatas
Fontes consultadas: The New York Post, Chicago Reader
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