Estupros em guerras, um comportamento antigo – das mulheres Neandertais às do séc. XXI

Na introdução dos 101 Crimes Notórios e Horripilantes de 2021, escrevi sobre as atrocidades cometidas pelos japoneses contra os chineses na cidade de Nanquim, em 1938, e de como...

Na introdução dos 101 Crimes Notórios e Horripilantes de 2021, escrevi sobre as atrocidades cometidas pelos japoneses contra os chineses na cidade de Nanquim, em 1938, e de como os invasores usaram o estupro em massa de mulheres como arma de guerra. “Uma mulher grávida começou a lutar por sua vida, debatendo-se desesperadamente com um soldado que tentou arrastá-la para estuprá-la. No final, o soldado a matou, rasgando sua barriga com a baioneta e arrancando não apenas seus intestinos, mas um feto se contorcendo,” escreveu Iris Chang em The Rape of Nanking.

Mais de 70 anos depois, continuamos a ler notícias escabrosas de violência sexual contra mulheres em zonas de guerra — mulheres ucranianas, etíopes, iemenitas, sírias etc.

UM COMPORTAMENTO ANTIGO


Quando saímos da África, por volta de 100 mil anos atrás, invadimos a Europa e a Ásia e demos de cara com a espécie dominante desses continentes: os Neandertais. Sucedeu-se uma guerra e saímos vitoriosos. Milhares de anos depois, mais especificamente em 2010, veio uma descoberta surpreendente: muitos de nós, humanos do século XXI, temos até 4% de DNA Neandertal. Isso sugere que houve um cruzamento entre as espécies.

Uma provocação: alguém aí imagina o seu mais longínquo tataravô pegando uma flor do campo e tentando conquistar uma bela mulher Neandertal? Nada disso! É muito provável que esse cruzamento se deu por meio de conquista genocida e estupro em massa, porque é isso o que o Homo sapiens XY rotineiramente fez e ainda faz quando vai à guerra.
As mulheres Neandertais não estão mais aqui para contarem suas histórias, mas as fêmeas do Homo sapiens sim. Por toda a história, milhares foram raptadas e estupradas. O rapto de mulheres sempre foi uma das principais razões para os intermináveis conflitos inter-tribais. Foi isso o que fez Rômulo, o fundador de Roma, ansioso para dar aos homens carentes da cidade recém-inaugurada um pouco de diversão. Era, também, uma forma de povoamento.

Três mil anos depois nada mudou, como atestado pela recente condenação do iraquiano Taha Al-J. Em 2015, ele comprou uma mãe e sua filha de 5 anos em um mercado de escravos do Estado Islâmico na Síria. A mulher e a criança haviam sido raptadas no Iraque.

Esclarecendo, Taha Al-J foi julgado e condenado não por comprar mãe e filha raptadas, mas por homicídio. Vítimas de maus tratos e abusos, mãe e filha passaram horrores em sua mão. Um dia, a criança de 5 anos fez xixi na cama e como punição, foi acorrentada do lado de fora da casa sob um Sol de 50 graus. Ela acabou por falecer.

COMENTÁRIO 1: Historicamente, o estupro foi um comportamento tão onipresente e comum de humanos do sexo masculino em guerras que não foi explicitamente proibido nas convenções internacionais até 1996. Somente em 2008, a ONU finalmente declarou o estupro em tempos de guerra como uma categoria de “crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou ato constitutivo de genocídio”.

COMENTÁRIO 2: Suspeita-se que um dos traumas de infância de um dos piores serial killers da história, Andrei Chikatilo, foi ver a mãe ser estuprada coletivamente por soldados nazistas quando a família vivia na Ucrânia. Existe a suspeita de que sua irmã caçula seja filha de estupro.

COMENTÁRIO 3: Mulheres sempre estiveram no fogo cruzado da violência e agressividade historicamente perpetuada pelo Homo sapiens XY, e pagaram o preço da pior forma possível. O comportamento de raptar e estuprar mulheres durante conflitos é conhecido desde o início dos tempos; das histórias da mitologia grega onde o todo poderoso Zeus raptou e estuprou mulheres e adolescentes às tribos amazônicas. Não raramente, raptos resultaram em massacres. Vencedores trucidam os vencidos, assassinam pais, maridos, irmãos e filhos, como faziam os mongóis no século XIII.

E por falar em Mongólia, um estudo genético de 2003 apontou que mais de 16 milhões de pessoas em todo mundo podem ser descendentes do homem mais poderoso de toda história: Genghis Khan. Um quarto de toda Mongólia descende de Khan e mais de 8% dos homens chineses, iranianos, russos e europeus também descenderiam dele. O estudo é a prova definitiva dos horrores praticados por Khan e seu exército. Este homem e seus descendentes estupraram milhares de mulheres por onde passaram, e suas assinaturas podem ser vistas nos genomas das pessoas do século XXI.

Enfim, essa é a nossa história. Dos homens primitivos aos deste século. Nossa sociedade é estruturada pela violência. Se voltarmos o suficiente no passado, vamos encontrar alguma mãe nossa vítima da brutalidade. Somos filhos da violência.

Fontes consultadas: [1] Askin, Kelly Dawn (1997). War Crimes Against Women: Prosecution in International War Crimes Tribunals. Martinus Nijhoff Publishers. ISBN 978-90-411-0486-1; [2] Vronsky, Peter (2018). Sons of Cain: A History of Serial Killers from the Stone Age to the Present. Berkley. Edição do Kindle; [3] Genghis Khan a Prolific Lover, DNA Data Implies. National Geographic. 13/2/2003; [4] Zerjal T, Xue Y, Bertorelle G, et al. The genetic legacy of the Mongols. Am J Hum Genet. 2003;72(3):717-721. doi:10.1086/367774; [5] Green, R. E.; Krause, J.; Briggs, A. W.; et al. (May 2010). A draft sequence of the Neandertal genome. Science. 328 (5979): 710–22; [6] Neanderthals live on in DNA of humans. The Guardian. 6/5/2010; [7] World’s first trial for genocide against Yazidis set to conclude in Germany. Euro News. 29/11/2021.

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Daniel Cruz
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