Assassinos em massa, incels, redes sociais e o círculo vicioso do anti-herói

Quando as pessoas, sentadas no conforto de sua casa, assistem a menos de cinco minutos da choradeira adolescente de Elliot Rodger em seus vídeos postados em nosso canal do...
Assassinos em Massa Incels - capa

Quando as pessoas, sentadas no conforto de sua casa, assistem a menos de cinco minutos da choradeira adolescente de Elliot Rodger em seus vídeos postados em nosso canal do YouTube, fica óbvio, por meio dos comentários femininos, por que este narcisista não tinha namorada. Embora ele se ache fisicamente (meio) atraente e o melhor partido do mundo, as meninas que veem seus vídeos acham sua conversa lamentosa e, no mínimo, repugnante. Isso não nos surpreende. O que pode nos surpreender é ele ser visto como um herói por outro assassino em massa: Alek Minassian.

Bom, obviamente que os Elliot Rodger’s da vida são colocados em um pedestal de endeusamento por aqueles que se identificam com ele. E esse é um dos lados obscuros das redes sociais: aspirantes a imitadores, infectados pelo ódio, podem criar modelos transformando a depravação em virtude. Foi o que fez Rodger.

O jovem de 22 anos morador de Isla Vista, Califórnia, estava tão furioso por não conseguir uma namorada loira – algo que ele acreditava merecer dada à sua importância – que passou a postar vídeos no YouTube ameaçando puni-las. Em 23 de maio de 2014, Rodger colocou em prática o seu “dia de retribuição”, esfaqueando dezenas de vezes seus dois colegas de quarto e mais um amigo. Ele planejou entrar em uma casa para meninas da Universidade da Califórnia em Santa Barbara e matar todas que estivessem dentro. Mas ninguém atendeu a porta. Frustrado, Rodger atirou nas pessoas do lado de fora, fugiu com sua BMW e suicidou-se quando bateu o carro. Ao todo ele matou seis pessoas e feriu 14.

O manifesto autobiográfico de Elliot, “My Twisted World” (Meu Mundo Distorcido), revelou sua raiva e necessidade desesperada por um certo tipo de mulher. Ele não conseguia nenhuma namorada. Obcecado pelo fato de ainda ser virgem aos 22 anos, ele se descreveu como um “cavalheiro supremo” que merecia a mais linda loira que a Califórnia podia oferecer. Mas ao mesmo tempo ele zombava dessas mesmas mulheres que ele acreditava ter o direito de possuir e ter a companhia. Se Elliot estivesse vivo, sua cabeça distorcida provavelmente teria o ego alimentado ao saber que a expressão “going ER” (indo Elliot Rodger) se tornou popular entre os jovens americanos e é uma referência a alguém que segue os seus passos.

No mais recente caso de assassinato em massa, Alek Minassian, 25 anos, “foi ER”. Ele entrou dentro de uma van em Toronto, Canadá, em 23 de abril último, e saiu em disparada atropelando pessoas, matando 10 e ferindo 14. Em seu perfil no Facebook, ele postou uma mensagem na qual fazia menção a pertencer a um grupo de homens que desprezava mulheres por razões semelhantes às de Rodger. Parece que Minassian, que supostamente gritou para a polícia atirar nele, esperava se tornar o próximo mártir desse grupo.

O grupo se autodenomina “Incels”, iniciais de “Involuntary Celibates” (Celibatários Involuntários), ou seja, são homens que não tem sucesso com o sexo oposto e são obrigados a viverem na solteirice. Eles são homens e são heterossexuais. Raivosos pelo fato, os Incels se reuniram na chamada dark web, destilando sobre sua falta de sucesso com mulheres e o ódio do poder feminino em fóruns e sites desse lado obscuro da Internet. (Eles também estavam nos populares 4Chan e Reddit. No Reddit a página dos Incels foi banida, mas eles continuam por lá). Um Incel fez o upload de uma foto de Minassian na dark web e escreveu: “A revolução Incel começou.” Outro escreveu: “Alek Minassian. Espalhe esse nome, fale de seu sacrifício pela nossa causa, adore-o, pois ele deu a vida pelo nosso futuro.” Um outro integrante revelou que Minassian se tornou o “próximo santo” do grupo. (Essas mensagens podem ser vistas no Incels.me, mas cuidado! Você precisa de um navegador específico para acessar esta parte sombria da Internet!)

Mensagem de um Incel no fórum incel.me.

Mensagem de um Incel no fórum incel.me – “Alek Minassian. Espalhe esse nome, fale de seu sacrifício pela nossa causa, adore-o, pois ele deu a vida pelo nosso futuro.”

Embora um porta-voz do Incel tenha enviado uma mensagem a veículos de mídia canadenses afirmando que o grupo não tolera violência, isso não é o que vemos no fórum Incel. Na verdade, acessar e ler os registros desse grupo é o mesmo que ver dezenas de Elliot Rodger’s conversando. “Eu desejaria ser apreciado por uma fêmea humana“, escreveu um. Outro respondeu, “fêmeas merecem a forca.” O mais comum são relatos de como as mulheres não conseguem enxergar as “inúmeras qualidades” deles. Mas há também muita, mas muita misoginia. Um deles escreveu:

“Eu quero ver algumas mortes em massa por envenenamento de comida, talvez uma ou duas bombas, ou espero que alguém finalmente use a porra de um caminhão para derrubar [mulheres] durante um desfile escolar ou algo assim, variar um pouco.”

Membros do Incel ou não, alguns homens claramente são inspirados (ou infectados) pelas noções tóxicas que o mestre deles, Elliot Rodger, vomitou em seus vlogs. Eles preferem culpar as mulheres por sua frustração a reconsiderar suas estratégias ineficazes.

O assassino em massa Nikolas Cruz, assim como seu ídolo Elliot Rodger, tinha um canal no YouTube e postou que ele "não será esquecido".

O assassino em massa Nikolas Cruz, assim como seu ídolo Elliot Rodger, tinha um canal no YouTube e postou que ele “não será esquecido”.

O britânico Chris Harper-Mercer também enxergou Rodger como um modelo (ele e Minassian não foram os únicos). Em 2015, ele atirou em estudantes de uma faculdade comunitária do Oregon, matando nove e ferindo sete antes de se matar. Ele se descreveu como um solitário perturbado pelo fato de não conseguir fazer amigos ou ter uma namorada.  Antes de cometer o massacre, Harper-Mercer publicou na Internet o desejo de que suas vítimas “tivessem um dia de Elliot Rodger“. Nikolas Cruz, que matou 17 pessoas em uma escola da Flórida no dia dos namorados (americano) de 2018, postou que “Elliot Rodger não será esquecido.”

As redes sociais oferecem um turbilhão de notícias em tempo real de indivíduos violentos. Do lado positivo, é tudo o que um cientista do comportamento, pesquisador, jornalista etc deseja para saber mais sobre o indivíduo. Do lado negativo, muitas pessoas começam a sentir atração pelo matador, chegando até mesmo a embelezar seus crimes ou sentindo simpatia pelo destroçador de vidas chegando até a revelar que o “entende”. Homens (principalmente jovens) que, de alguma forma, passam pela mesma situação, começam a se sentir atraídos pela ação do indivíduo e não é difícil encontrar outros como eles nos comentários das postagens (algo que pode ser visto até em publicações – principalmente Facebook – do Aprendiz Verde, bom, também recebemos algumas mensagens nada amigáveis em nosso WhatsApp). Na companhia de outros, eles se sentem justificados em sua raiva, às vezes (e podemos afirmar raras) ao ponto de agir. O próprio Elliot Rodger está longe de ser o estopim do efeito. Ele mesmo pesquisou no Google sobre o blogueiro assassino em massa George Sodini, que em 2009 resolveu matar as mulheres bonitonas da academia em que malhava.

O psicólogo americano Peter Langman, um especialista em atiradores de escola e assassinos imitadores, criou um gráfico que mostra quantos dos assassinos em massa de hoje foram influenciados por assassinos passados. O advento das redes sociais catapultou esse fenômeno na última década. Os atiradores de Columbine (1999) estão entre os mais populares, ou seja, muitos dos que vieram após eles os tiveram como grande influência (incluindo o brasileiro Wellington Oliveira, que aparece no estudo de Langman). Alguns tiveram múltiplas fontes de inspiração. Em um grupo de pessoas que compartilha o ódio, quando assassinos são expostos das mais diversas formas na Internet, é provável que muitos como eles se sintam encorajados.

A Influência de Columbine: gráfico do psicólogo Peter Langman mostra que Eric Harris e Dylan Klebold influenciaram direta e indiretamente dezenas de assassinos em massa, incluindo o brasileiro Wellington de Menezes. Foto: schoolshooters.info.

A Influência de Columbine: gráfico do psicólogo Peter Langman mostra que Eric Harris e Dylan Klebold influenciaram direta e indiretamente dezenas de assassinos em massa que vieram depois deles, incluindo o brasileiro Wellington de Oliveira. Foto: schoolshooters.info.

Langman diz em seu estudo (excelente por sinal) que quando jovens desequilibrados com potencial para o assassinato descobrem a história de um assassino em massa, isso ajuda a normalizar a violência, especialmente se o assassino for idolatrado (imagina então quando meninas comentam dizendo que o assassino “é lindo”!). Indivíduos assim não estão sozinhos em suas inseguranças.

“É o jeito deles de se unir a uma subcultura na qual eles não são apenas normais, mas talvez se sintam especiais, separados e acima da sociedade dominante.”

[Peter Langman]

Eles podem tornar a aberração aceitável, até mesmo um ato nobre.

Dado o número sempre constante de tais incidentes nos últimos anos, uma pergunta se faz pertinente: pode alguma coisa ser feita para diminuir o impacto desse culto anti-herói?

Para Langman, talvez os meios de comunicação devam parar com o sensacionalismo barato e oferecer menos detalhes sobre um assassino em massa, “Não falem o nome deles, não mostrem eles, mas reportem todo o resto“…

“Parece provável que quanto mais a mídia se concentra nos criminosos e não nas vítimas, mais as pessoas que estão no risco da violência serão influenciadas a cometer seus próprios ataques, seja por imitação, inspiração, idolatria, semelhanças percebidas, simpatia com a causa ou o desejo da fama.”

Anjos Cruéis é um livro de autoria de Daniel Cruz, fundador e editor do OAV Crime. Clique na imagem acima e saiba mais.

Fontes consultadas: [1] Don’t Name Them, Don’t Show Them, But Report Everything Else: A Pragmatic Proposal for Denying Mass Killers the Attention They Seek and Deterring Future Offenders – Peter Langman, disponível em schoolshooters.info; [2] Role Models, Contagions, and Copycats: An Exploration of the Influence of Prior Killers on Subsequent Attacks – Peter Langman, disponível em schoolshooters.info; [3] Toronto Van Attack Suspect Wrote Facebook Post Announcing ‘Incel Rebellion’ Before Attack — Here’s What That Means – Digg; [4] Incel.me; [5] Christopher Harper-Mercer: The copycat killer who aped embittered virgin’s killing spree – Express.co.uk;

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Daniel Cruz
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"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz." (Platão)
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