A consciência e a preocupação com vítimas reais se dissolvem como imagens na areia em uma praia na maré alta.
Hoje, 31 de maio, faz doze anos do dia em que minha filha foi assassinada por um serial killer, que continua a ser o foco daqueles que se dedicam a “salvá-lo”.
Apesar de ser um período relativamente longo, minha filha ainda parece muito perto de mim, para nós. Ela sempre terá o seu próprio espaço em nossos corações. Eu penso nisso como um espaço sagrado que permite a memória para o amor.
Esses anos têm oferecido memórias que eu não poderia ter escolhido se realmente houvesse uma escolha. Hoje, depois de ler mais um artigo sobre a controvérsia em torno da injeção letal, pensei novamente sobre a preocupação de muitos com o ofensor – particularmente o ofensor do corredor da morte. Eu continuo a me espantar com as desconexões lógicas associadas com assassinato, especialmente pela transformação da atitude pública que muitas vezes ocorre com os mais horríveis criminosos e ao longo de seus encarceramentos.
O tempo fornece distância para os presos na teia de crueldade que o assassinato tece em torno daqueles que eles tocam. A distância dos detalhes de tal evento cria uma desconexão filosófica que nos permite considerar o evento “objetivamente”. Eu imagino que tais considerações são como pensar sobre a guerra como um evento histórico, sem nunca ter experimentado o horror imediato e a perda na linha de frente do conflito. As duas experiências são muito díspares.
Criminosos tornam-se o foco de grupos idealistas, que aparentemente são compelidos a tentar servir, alterar ou salvá-los. Esses criminosos, esses destruidores de pessoas, tornam-se objetos fascinantes de afeição por admiradores inebriados e mal aconselhados. Fontes de notícias e romancistas pretensiosos clamam pelo fato de poderem contar suas histórias.
Durante o encarceramento do assassino, uma sutil mudança de atitude começa a tomar lugar entre aqueles que fazem o “bem”: de uma percepção do assassino como agressor letal que gradualmente se transforma em uma percepção do ofensor como vítima.
A consciência ou a preocupação com vítimas reais se dissolvem como imagens na areia em uma praia na maré alta. Sua presença, suas vozes, suas vidas, são silenciadas como se cedessem a palavra para aqueles que as destruiu. Os infratores desfrutam de uma reavaliação pública a seu favor e parecem atrair vários advogados que apoiam apelos intermináveis, além de orações ardentes e privilégios que nunca tem fim.
Eu concordo com T.S. Eliot quando diz que “metade do mal que é causado neste mundo é devido a pessoas que querem se sentir importantes. Elas não querem fazer mal – mas o mal não interessa a elas, porque elas estão absorvidas na luta eterna para ter uma boa opinião de si mesmas.””.
Ann Pace é uma residente de Jackson, e mãe de Charlotte Murray Pace, que foi morta em Baton Rouge.
Nota do Aprendiz: O texto acima é uma tradução livre da carta aberta de Ann Pace, publicada em 30 de Maio de 2014 no The Clarion-Ledger. Como publicamos no caso Georgann Hawkins, a crítica de Pace é com relação à preocupação da sociedade com assassinos enquanto suas vítimas e famílias são relegadas e ignoradas. Em nossa sociedade são assassinos que ganham fama e até admiração; ao contrário, suas vítimas parecem não ter nenhuma empatia de grupos ligados aos Direitos Humanos e da sociedade em geral.
A filha de Ann Pace, Charlotte Murray Pace, 22 anos, estudante da Universidade do Estado da Louisiana, foi encontrada morta na casa onde morava em Baton Rouge, em 31 de Maio de 2002. Ela foi esfaqueada até a morte. Evidências mostraram que Charlotte brigou ferozmente com seu agressor antes de sucumbir aos seus ferimentos. Uma autópsia mostrou evidências de agressão sexual.
Charlotte havia se mudado há apenas dois dias para a casa onde o seu corpo foi encontrado. Seu endereço anterior ficava há apenas três casas de distância da de Gina Green, 41, morta oito meses antes da mesma forma.
Amostras de ambas as cenas do crime foram geneticamente comparadas e o DNA indicou que o mesmo homem havia assassinado as duas mulheres. Logo uma terceira vítima foi ligada ao mesmo assassino.
Um ano depois da morte de Charlotte, amostras de DNA ligaram Derrick Todd Lee, 34, aos assassinatos em série de mulheres em Baton Rouge, sete no total (apesar da polícia acreditar que ele pudesse estar envolvido em muito mais).
Em Dezembro de 2004, Lee foi formalmente sentenciado à morte por injeção letal e, desde então, aguarda sua execução. Mesmo preso, o serial killer continua mexendo com a vida de muitas pessoas. De um lado, protestos de grupos ligados aos Direitos Humanos, que desejam que o Estado poupe sua vida. De outro, mães como Ann Pace, que não aceitam que tanta energia e tanto tempo sejam gastos com um “destruidor de pessoas”. Para elas, tais homens deveriam ser esquecidos nos lugares onde merecem estar.
Fonte: The Clarion-Ledger (Society forgets murder victims)
Fonte consultada: “Derrick Todd Lee, Baton Rouge Serial Killer”. Crime Library, truTV.
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