Poucos homens no mundo tiveram a oportunidade de conversar com Ed Gein. Um deles foi Errol Morris, que, em 2003, foi listado pelo periódico inglês The Guardian como o sétimo melhor diretor de cinema da história. Diferentemente de outros serial killers norte-americanos famosos, Ed Gein, o psicopata que inspirou filmes sanguinários – de Psicose a O Massacre da Serra Elétrica e O Silêncio dos Inocentes – não agraciou a mídia com uma entrevista bombástica. Não há uma filmagem, não há palavras ditas para algum jornal ou revista, não há nada. Para os pesquisadores e estudiosos de plantão, isso sempre foi uma ducha de água fria, afinal, quem não gostaria de ouvir uma das mentes mais perturbadas que já existiu? O que ele teria a dizer? Por outro lado, a equipe de psiquiatras do Hospital do Estado Central para Criminosos Insanos de Waupun, Wisconsin – local para onde Gein foi mandado após seus crimes – deve ter se deliciado. Obviamente que, em toda história da humanidade, foram poucos os especialistas que tiveram um “espécime” como ele em seu local de trabalho servindo de cobaia para seus estudos e testes.
Mas eis que, em meados dos anos de 1970, um homem teve a “oportunidade” de sentar frente a frente com o serial killer que esfolava corpos para depois costurar suas peles e fabricar peças de “vestuário” feminino.
Pouca gente sabe, mas um dos mais fascinantes projetos do diretor e documentarista norte-americano Errol Morris foi um filme sobre a vida de Ed Gein. Numa recente entrevista para o jornal inglês The Independent, falando do seu novo documentário The Unknown Known – sobre o político Donald Rumsfeld (um psicopata de terno?) –, Morris relembrou do assustador encontro que teve com o bizarro Gein. Como Rumsfeld, Ed Gein, nas próprias palavras de Morris, era uma companhia super agradável. O diretor o entrevistou três vezes em meados da década de 1970 como parte da construção do seu projeto para o filme sobre o serial killer. Pra quem está chegando agora, Ed Gein foi preso em Novembro de 1957 e acusado da morte de uma mulher chamada Bernice Worden. Em sua fazenda a polícia encontrou dezenas de pedaços de corpos; órgãos na cozinha; cabeças pregadas na parede; crânios e ossos servindo de enfeite; roupas e máscaras confeccionadas a partir de pele humana; etc, etc.
“Ed Gein, até onde sabemos, matou só duas pessoas. Ele ficou famoso como um taxidermista humano, ladrão de túmulos, etc, etc, etc. Ele era absolutamente agradável, um pouco engraçado, perverso…”, disse Morris ao The Independent.
Como muitos já estão carecas de saber, a mais famosa obra da história do horror cinematográfico, Psicose, foi baseada em Ed Gein. O filme foi totalmente baseado no livro de mesmo nome, de Robert Bloch que, na época dos crimes de Gein, morava há algumas dezenas de quilômetros da esquecida Plainfield. Lançado pouco mais de dois anos e meio após Ed ser preso pelos seus crimes, o filme de Hitchcock foi um divisor de águas no horror moderno, servindo de inspiração para outras grandes obras do gênero nas décadas seguintes. Teria Gein assistido ao produto máximo de sua própria loucura? “Eu não acho que ele tenha assistido Psicose, não. Ele não via filmes. Ele estava num hospital mental de segurança máxima para criminosos insanos. Era tipo uma piada. Quando, pela primeira vez, eu o vi num lugar chamado Waupun, Wisconsin, havia um aviso na frente, parecido com os que vemos nos filmes de horror, dizendo, ‘Hospital do Estado Central para Criminosos Insanos’.”, diz Morris. Realmente, quem nunca viu um filme de terror com tal cena? (Bom, neste caso é clichê em filmes slasher o maníaco insano fugir do hospício e promover um banho de sangue com um machado nas horas seguintes). Até mesmo em seu habitat de segurança máxima, sem ter a mínima ideia do que ocorria no mundo exterior, Gein parecia inspirar de forma silenciosa e fantasmagórica a sétima arte.
Mas mais interessante e surpreendente foi uma discussão que Morris teve com Ed a respeito de Sigmund Freud. Parece estranho. Um serial killer falando sobre o pai da psicanálise? Nada mais antagônico, não? Segundo Morris, Gein, pausadamente, explicou a ele sobre como o psicanalista era louco. “Ed tinha uma fala mansa, realmente muito doce, simpático. Ele disse, ‘Aquele Freud, sabe, ele é realmente louco. [Por exemplo], Freud poderia estar andando por uma rua forrada com edifícios e varandas. Você e eu estaríamos andando na mesma rua e ao olharmos para cima veríamos as varandas. Freud? Ele andaria na mesma rua e você sabe o que ele enxergaria? Ele enxergaria os peitos de uma mulher’.”. Certo Ed, isso foi uma indireta, a indireta de um psicopata, sim? Não. O “você e eu” aqui é a frase chave. Gein considerava-se apenas um cara normal, como qualquer outro na face da terra. É interessante sua fala ao chamar Freud de louco. Mesmo que o psicanalista fosse um doido varrido, o ponto é: Quem é Ed Gein para chamar alguém de louco? Isso mostra que o serial killer realmente vivia num mundo à parte, completamente absorto em suas fantasias macabras. E por falar em fantasias, Freud, certa vez, disse que a diferença entre os homens normais e os criminosos é que estes últimos colocam em prática seus desejos mais obscuros, enquanto os primeiros apenas se limitam a sonhar aquilo.
Freud cunhou o termo “princípio da realidade”, no qual um indivíduo normal entende que por mais que ele imagine estar fazendo amor com Angelina Jolie, tal sonho erótico nunca se tornará realidade. Serial killers como Ed Gein, por outro lado, têm um vínculo frágil com a realidade. Eles vivem dentro das próprias cabeças, trancados em um mundo de sonhos bizarros e patológicos. Como bem sabemos, Ed era um homem isolado do convívio social; morando numa fazenda distante da pequena comunidade de Plainfield, ele podia colocar para fora suas necessidades sórdidas sem se preocupar com outras coisas; sem constrangimento por escrúpulos de consciência e dotado de uma personalidade infantil, Gein acabou cruzando a linha que separa a imaginação da realidade, pondo em prática todas suas horrorosas fantasias, as quais ele considerava normais.
“Ele não entende a cadeia de eventos que o trouxe até aqui. Ele não percebe a magnitude da situação em que esteve envolvido. Ele parece pensar que tudo isso deve ser esquecido para assim ele poder tomar seu lugar na sociedade. Ele é um homem estranho e parece ter sido um homem estranho por muitos anos.”, disse o Dr. Edward Schubert, diretor do hospital psiquiátrico de Waupun, para um jornal em 1975.
Quanto ao projeto Gein, Errol Morris foi obrigado a engavetá-lo quando Schubert o proibiu de continuar visitando o hospital. “Talvez eu tenha feito muitas perguntas horripilantes.”, diz Morris ao The Independent. Ele diz que existe a possibilidade de, em algum momento, desengavetar o projeto Gein, mas quem sabe um livro ou artigo relatando suas conversas com Ed, Morris? Definitivamente seria um documento único que contribuiria para a compreensão moderna da mente de Ed Gein.
Quer saber mais sobre Ed Gein? Não deixe de ler os posts:
- Serial Killers: O Pai do Terror
- Ed Gein, O Homem que Inspirou Psicose
- Psicose: Por trás do Bates Motel
Fontes consultadas: Donald Rumsfeld spills the beans on his time as US Secretary of Defence in Errol Morris’ documentary The Unknown Known. The Independent; Who Is Ed Gein? ‘Nobody Will Ever Forget About’ Him. Ludington Daily News, Edição de 27 de Outubro de 1975; Harold Schechter, Serial Killers – Anatomia do Mal; DarkSide Books, 2013.
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