Estudantes nigerianas relaxavam em seus dormitórios na Escola Secundária para Garotas, na cidade de Chibok, Nigéria, quando homens chegaram em caminhões, carros e motocicletas. Havia dezenas deles e eles estavam fortemente armados. Após atirar em guardas, eles colocaram fogo na escola e sequestraram 276 meninas. Isso foi no dia 15 de Abril. Desde então, as garotas nunca mais foram vistas..
A mídia no mundo inteiro permaneceu em silêncio. Nos Estados Unidos – ou no mundo ocidental – se algo assim acontece, somos bombardeados com reportagens de todos os cantos a respeito (se alguém mostra uma arma num shopping americano, a notícia é primeira página nos jornais de todo o mundo); mas na Nigéria, um país africano pobre, talvez a mídia ache mais interessante falar sobre os casos de racismo na NBA, a banana jogada em direção ao jogador de futebol Daniel Alves, o navio que afundou na Coréia, a convocação do Felipão, etc.
“Talvez se as mais de 200 meninas nigerianas tivessem sido raptadas do navio na Coréia, ou de um avião que voava sobre o Oceano Índico, ou da casa do proprietário dos Clippers (time de basquete), ou fossem brancas, o mundo prestaria mais atenção“, disse Xeni Jardin em seu blog pessoal. Já Frida Ghitis, jornalista da CNN, disse que “se isso tivesse acontecido em qualquer outro lugar, seria a maior história do mundo”.
Mas três semanas depois, a mídia começou a falar. Por quê? Por causa de uma campanha lançada na web, cuja hashtag no Twitter já foi tuitada quase um milhão de vezes. Mas chegar a este ponto foi quase que um acidente, algo comum no mundo da Internet. A consciência hoje em torno do caso é o resultado direto de uma campanha nas redes sociais para que líderes mundiais, a mídia, eu e você ficássemos conscientes da situação das meninas desaparecidas na Nigéria e começássemos a falar. Deu certo, e a imagem acima de Michele Obama não me deixa mentir.
#BringBackOurGirls
O sequestro das meninas é de autoria do grupo terrorista nigeriano Boko Haram. Quem leu nosso post dos 101 Crimes Notórios e Horripilantes de 2013 deve ter fresco esse nome na memória. Em um vídeo disponibilizado recentemente, o líder do grupo declarou que Deus pediu a ele para que sequestrasse as meninas e vendesse-as como escravas. O jornal local The Trent citou uma fonte que informou que as meninas são vítimas de até 15 estupros por dia e que as virgens são levadas até o líder do Boko Haram para serem defloradas e convertidas ao Islã. Outras foram vendidas a preços menores do que R$ 30,00 na fronteira com o Chade e Camarões.
E é esta a história de horror que a mídia ignorou. Ignorou até Oby Ezekwesil, Vice-Presidente do Banco Mundial para a África, dar uma palestra em 23 de Abril na cidade nigeriana de Port Harcourt e gritar para os presentes: “Bring Back Our Girls!” (Traga de Volta Nossas Meninas!). Dois homens que assistiam a palestra escreveram suas observações na rede social Twitter, incluindo as hashtags #BringBackOurGirls e #BringBackOurDaughters. Abaixo os dois primeiros Tweets cuja hashtag logo se espalharia como um barril de pólvora:
Yes #BringBackOurDaughters#BringBackOurGirls declared by @obyezeks and all people at Port Harcourt World Book Capital 2014.
— Ibrahim M. Abdullahi (@Abu_Aaid) April 23, 2014
Knowing @ObyEzeks well I could sense d tears in her voice, sadness on her face & strength speaking truth to authority #BringBackOurDaughters
— Kayode Akintemi (@KayodeAkintemi) April 23, 2014
Ezekwesil, mais tarde, também tuitou a hashtag.
Lend your Voice to the Cause of our Girls. Please All, use the hashtag #BringBackOurGirls to keep the momentum UNTIL they are RESCUED.
— Oby Ezekwesili (@obyezeks) April 23, 2014
Mas levaria mais uma semana para que a mídia mundial se “interessasse” pelo caso das meninas mantidas como escravas sexuais e mercadoria de venda, isso porque alguém influente e conhecido deve ter escrito a hashtag, que teve o seu pico registrado no dia 1º de Maio e, desde então, tem sido a hashtag mais tuitada na rede. Provavelmente, a celebridade africana Genevieve Nnaji, e seu post no Facebook, tenha algo a ver com isso. Celebridades, políticos e líderes mundiais – incluindo Hillary Clinton e Michelle Obama – aderiram à campanha, e foi aí que o mundo passou a se “interessar” pela história.
Esse fato comprova o poder da Internet como canal de comunicação capaz de mobilizar o que antes era “imobilizável”. Antes da Internet, a grande mídia não escutava (ou fingia que escutava) a voz das ruas, hoje ela não pode mais ignorar com risco de ficar para trás e ser massacrada pelo exército de vozes digitais (alguém se lembra da Rede Globo e sua pífia cobertura do início das manifestações no Brasil? E de quando ela viu que o negócio estava pegando fogo e passou a transmitir ao vivo as manifestações com seu jornalismo dando aquele ar de que eles estavam cobrindo a coisa com afinco desde o início?). É sabido que o interesse é sempre vender a notícia e notícias vindas de países pobres africanos não interessam ninguém (isso é o que a grande mídia acha). E esse caso prova o contrário.
Boko Haram
Boko Haram é um grupo militante islâmico ativo na África cujo nome significa “a educação ocidental é pecaminosa.” O grupo tem executado uma série de ataques por toda a Nigéria, incluindo duas explosões de ônibus no último mês de Abril assim como assassinatos em massa de estudantes em fevereiro e setembro de 2013. Como dito antes, o líder do grupo reivindicou a autoria do sequestro das meninas em um vídeo dizendo dentre outras coisas que “a educação ocidental deve acabar. Meninas, vocês devem ir e se casar. Eu vou repetir isso: a educação ocidental deve acabar. Eu raptei suas meninas. Eu as venderei no mercado, por Deus.”
Como em dezenas de outros casos parecidos ocorridos em continente africano (veja este post), líderes mundiais e a ONU discutem e discutem, apenas discutem. Já as autoridades nigerianas, essas são corruptas e indiferentes. O presidente Goodluck Jonathan participou de um rally dois dias depois do ocorrido e apenas semanas depois deu um depoimento, e mesmo assim por causa da repercussão no Twitter. “Eles estão tão distantes da realidade do povo que as reações ao sequestro, tanto internas quanto internacionais, forçaram-no a acordar de seu estado de negação. O presidente e sua esposa não mostraram, até recentemente, nenhuma empatia pelo desastre“, disse Murray Last, professor emérito de antropologia da Universidade de Londres.
Vários protestos na Nigéria se seguiram após a campanha online, assim como protestos nas embaixadas nigerianas em Los Angeles, Nova York e Londres. Uma marcha online está sendo organizada para este 8 de Maio. Os organizadores pedem para que todos usem a hashtag #BringBackOurGirls em seus perfis no Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp e outras redes sociais.
Num mundo cada vez mais indiferente e egoísta, o exército solitário de pessoas na frente de um computador pode fazer a diferença. Isso não mudará as coisas em nossa volta, mas pode ajudar a criar uma consciência global dos problemas que nos afligem e a outros povos também.
Não deixe de participar! #BringBackOurGirls
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Fontes consultadas: Mashable, Daily Mail, CNN, The New York Times, The Trent, Twitter, The Guardian, The Mirror, ABC News, ABC Australia.
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