Reportagem Retrô é uma coluna do blog O Aprendiz Verde que traz reportagens, matérias e artigos antigos publicados em algum lugar do nosso tempo-espaço. Trazer essas matérias é uma forma de resgatarmos o passado e, por um instante, ter um vislumbre daquele registro de época.
A reportagem retrô de hoje foi publicada na Revista Veja em 6 de Agosto de 1986, e é sobre o caso do maníaco Heraldo Barroso Madureira.
Vestido de Noiva
Maníaco escolhia vítimas em anúncios de jornal | Publicado na revista Veja em 6 de Agosto de 1986
Como num filme policial, ele recortava anúncios classificados dos jornais, ia aos endereços anunciados e assaltava e estuprava as mulheres que por ventura encontrava sozinhas em casa. Maníaco, dava preferência a anúncios que ofereciam vestidos de noiva. Na última terça-feira, a história terminou. Heraldo Barroso Madureira, 37 anos, ex-mecânico e vencedor de dois concursos de poesia, foi surpreendido pela polícia na casa de Marlete Conceição Pinto, 33 anos, em São Gonçalo, a 10 quilômetros do Rio de Janeiro, quando se preparava para fazer mais uma vítima. Na bolsa de Heraldo, aos policiais encontraram uma faca e vários recortes de anúncios de vestidos de noiva e objetos femininos. O mais surpreendente, para os policiais, foi a explicação que o homem deu para o que fazia. Segundo ele, sua mulher, de quem está separado há vários anos, o traía durante o tempo em que estiveram juntos – e o amante exigia que ela pusesse o próprio vestido de noiva durante os encontros que mantinham. “Hoje, eu faço tudo isso para me vingar de minha ex-mulher”, diz Heraldo. “Também tenho raiva das mulheres que se casam.”
Heraldo, ou “o homem do vestido de noiva”, como ficou conhecido pela polícia, foi preso pela primeira vez em 1983, por assalto, extorsão e lesões corporais. Há um ano, depois de fugir da prisão, atacou a advogada Marina Carvalho Pinto. Recapturado, foi encaminhado para o manicômio judiciário, de onde voltou a fugir em maio último. Na 73ª Delegacia, há seis queixas contra o estuprador e outras três vítimas já se prontificaram a reconhecê-lo. Em todos os casos, a história é a mesma. Heraldo se apresentava às mulheres como “Robson” e se dizia interessado em comprar um vestido de noiva para a cunhada ou a irmã. Voltava uma ou duas vezes para se certificar do horário em que a mulher estaria só e, numa última visita, a atacava. Foi assim com Marina Carvalho, Marlete Conceição e Deize Pinto Paula Santos, 19 anos – entre outras vítimas. “Essa história de que a mulher o traiu é uma desculpa”, afirma o delegado Antônio Carlos Soares de Azeredo, que prendeu o maníaco. “Ele é um psicopata que se interessava por qualquer anúncio de objetos femininos.”
Quando estava preso, Heraldo venceu o concurso de poesias do Departamento do Sistema Penitenciário e, no ano passado, tirou o primeiro lugar num concurso semelhante da Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro, ganhando um prêmio de 500 mil cruzeiros em livros. Casou-se com Sandra aos 21 anos e separou-se cinco anos depois. Tem uma filha de 15 anos, que costumava visitá-lo no manicômio. Segundo Heraldo, o motivo de sua última fuga foram os ciúmes da psiquiatra Maria da Penha Galhardo Guimarães, 44 anos, que ele teria namorado quando estava internado. Sobre isso, trata-se de delírio. “Eu apenas tentei reaproximá-lo da família”, conta a psiquiatra.
Nota do OAV Crime
A história de Heraldo serviu de inspiração para o dramaturgo Dias Gomes escrever As Noivas de Copacabana, que virou uma minissérie exibida pela Rede Globo em 1992. Na minissérie, o ator Miguel Falabella deu vida ao serial killer Donato Menezes, um homem acima de qualquer suspeita e obcecado por mulheres vestidas de noiva. Donato contatava mulheres que colocavam anúncios de vendas de vestidos de noivas em jornais. Ele seduzia as mulheres e pedia para que elas vestissem seus vestidos de noivas, estrangulando-as em seguida, no momento em que fariam sexo. A minissérie foi reprisada por mais duas vezes em 1995 e em 1998. Em 2013, a versão original da minissérie foi reprisada pelo Canal Viva.
Três anos após ser preso em 1986 pelos estupros em série, Heraldo fugiu do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro. Ele foi recapturado três anos depois em São Gonçalo (RJ). Segundo reportagens da época, durante o tempo foragido, Heraldo disse ter vivido da venda de frutas numa barraca em Porto das Caixas, em Itaboraí, Niterói. Mas a polícia descobriu que o maníaco continuou sua onda de estupros e roubos. Numa reportagem da Folha de São Paulo de 14 de Julho de 1992, uma das vítimas disse que Heraldo apresentou-se a ela como comprador de móveis, “Ele acertou o preço e disse que voltaria no dia seguinte. Retornou, mas foi para me estuprar.” Outra vítima disse que ela foi estuprada pelo maníaco ao lado de seu filho, de cinco meses. Heraldo teria usado uma faca para ameaçá-la. Ele teria chegado até a vítima por um anúncio de venda de filhotes de cães que viu numa clínica veterinária.
Em 2012, um Eraldo (sem o “H”) Barroso Madureira, 62 anos, foi preso pela PM do Rio no Hospital do Andaraí. Ele usava um nome falso, estava foragido do semi-aberto e tinha contra ele 12 mandatos de prisão. A notícia saiu no website da PM do Rio, mas não há como confirmar se trata do mesmo criminoso. Não se sabe se Heraldo está preso, solto ou morto,
É visível o caráter ritualista de Heraldo assim como o grande investimento de tempo no planejamento dos crimes; com a fantasia desempenhando um papel muito importante. Em geral, ofensores ritualistas são criminalmente mais sofisticados do que os ofensores impulsivos.
Segundo o seu discurso, a motivação maior seria vingança e raiva explicita contra as mulheres, sendo esses sentimentos provenientes de alguma situação real ou não. Porém, a forma como os crimes foram cometidos – bem como a escolha das vitimas e forma de ataque – não o coloca na tipologia proposta para este subtipo, onde a motivação é raiva, retaliação. Não sabemos então se este discurso foi apenas uma tentativa de “justificar” suas violações ou uma maneira de não expor a sua fantasia.
As reportagens disponíveis sobre Heraldo Madureira informam que ele ficou preso no Manicômio Judicial do Rio por vários anos e isso indica que ele foi diagnosticado com algum tipo de distúrbio mental por psiquiatras do estado. Que tipo de distúrbio isso não foi informado. Pelo pouco que se sabe sobre ele podemos colocá-lo como um fetichista. O fetichismo é uma parafilia na qual a pessoa, comumente um homem, só consegue se excitar sexualmente por meio de um objeto associado ao sexo oposto, que, em geral, ou é uma peça íntima de vestuário – sapatos, sutiãs, calcinhas, meias de náilon etc -, ou uma parte específica do corpo (sendo os pés o mais comum). De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, “o indivíduo fetichista frequentemente se masturba enquanto segura, roça ou cheira o objeto de fetiche, ou pede à sua parceira para usar o objeto durante seus encontros sexuais.”
Como explica o ex-profiler do FBI John Douglas em seu livro The Anatomy of Motive (A Anatomia do Motivo), não há nada de inerentemente prejudicial em relação ao fetichismo, afinal, qual o problema em sentir-se sexualmente excitado pela calcinha de renda preta de sua mulher ou namorada? O problema com fetiches ocorre com os psicopatas, que geralmente os levam ao extremo. No caso de Heraldo, seu fetiche por mulheres vestidas de noivas o levou a cometer atos criminosos, sendo este impulso fetichista a explicação para ele roubar “troféus” de suas vítimas estupradas – os objetos femininos citados na reportagem da Veja. Tais itens, que psicopatas fetichistas usam para reviver seus crimes na imaginação, muitas vezes são usados durante a prática da masturbação, o que lhes proporciona um prazer intenso e, claro, pervertido.
Você tem alguma sugestão para a coluna Reportagem Retrô? Possui alguma revista ou jornal antigo com alguma matéria que acredita ser interessante para publicação? Então não deixe participar! Faça já sua sugestão! Este post foi uma sugestão da leitora Gabriela Lima.
Fontes consultadas: Revista Veja (Vestido de noiva -Maníaco escolhia vítimas em anúncios de jornal, Edição de 6 de Agosto de 1986); Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (disponível em http://www.pmerj.rj.gov.br/news_full.php?ver=2041); Folha de São Paulo (Vítimas Reconhecem Estuprador de Noivas, Edição de 14 de Julho de 1992); Schechter, Harold (Serial Killers – Anatomia do Mal, DarkSide Books, 2013)
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Esta matéria teve colaboração de:
Psicóloga forense