“E comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que te der o Senhor teu Deus, no cerco e no aperto com que os teus inimigos te apertarão.”
[Deuteronômio 28 : 53]
Cabrito é a primeira co-produção entre a Old Man Filmes e o Inhamis Studio. Dirigido por Luciano de Azevedo, o curta foi gravado durante um final de semana em uma fazenda no interior de Minas Gerais com gastos aproximados de R$ 1.700,00. O filme conta a história de uma família marcada pelo fanatismo religioso exacerbado, que culmina em problemas atormentadores para todos.
Assustadoramente sombrio e arrepiante, o trailer divulgado mostra, dentre outras cenas, uma mulher às gargalhadas fumando um cigarro, seguida da cena de uma senhora de idade, uma fanática religiosa, atormentando um homem mais novo, talvez o seu filho, dizendo que “Deus está vendo você desrespeitando o evangelho!”. Será que o rapaz caiu na tentação da luxúria e agora tem que aguentar uma mãe dominadora e fundamentalista? As cenas do trailer me fizeram lembrar de uma mulher bastante especial para nós: Augusta Alvina. Quem é Augusta Alvina? É simplesmente a megera mãe de Ed Gein, um dos mais conhecidos psicopatas sexuais da história e que inspirou filmes como Psicose, O Massacre da Serra Elétrica e O Silêncio dos Inocentes. Quem conhece a história de Ed Gein sabe que Augusta era uma fanática religiosa que criou seus dois filhos a base de muito terror psicológico. Em 1914, a família chegou a se mudar para uma fazenda afastada de tudo e de todos, isso porque Augusta queria que seus filhos vivessem isolados de qualquer influência demoníaca que supostamente pudesse prejudicá-los, leia-se: mulheres. Para Augusta, todas as mulheres, exceto ela, eram prostitutas. Os filhos não podiam conviver com mulheres, muito menos descobrir o sexo porque isso era obra do Demônio, não de Deus. Poderia essa senhora do filme Cabrito ter sido inspirada em Augusta Alvina? Ou pior, seria ela uma mistura de mãe e filho – o fanatismo religioso de Augusta com a demência assassina de Gein? A propósito, Luciano de Azevedo é um leitor assíduo do blog O Aprendiz Verde.
Outra dica que nos faz tentar desvendar um pouco mais sobre o “slasher rural bíblico” made in Brazil é a citação sobre canibalismo em Deuteronômio (o trailer mostra uma figura bizarra que parece gostar de fazer picadinho de humanos). A citação bíblica diz respeito a dias calamitosos, em que inimigos cercaram ou cercariam uma cidade da Terra de Israel, provocando a fome de seus habitantes. Consequentemente, as mulheres e os homens, para sobreviver, comeriam seus filhos. Abominável para o cristão ocidental branco, o canibalismo é algo relativamente aceito por nós quando cometido por povos que consideramos selvagens. Seria então os personagens de Cabrito uns selvagens no melhor estilo Quadrilha de Sádicos? Ou uma família igualmente selvagem cujo prato principal no jantar são tripas humanas com vinagrete? Ou o canibalismo presente na obra (pelo menos na citação) tem uma explicação muito mais complexa?
O cinema independente de baixíssimo orçamento se vê em campos férteis no Brasil atual, onde boas ideias são gravadas com pouca grana e incentivo. Editais cada vez mais burocráticos transformam projetos como esse em elefantes brancos sendo jogados de um lado para o outro sem viabilizar verba. A solução encontrada para impulsionar produções de gênero, nesse caso o terror, é explorar narrativas intrigantes e um modo de produção de baixo custo, onde a amizade e a vontade de contar boas histórias prevalece. Cabrito nasceu de uma troca grande entre pessoas interessadas em fazer cinema de qualidade mesmo longe dos grandes centros, editais de incentivo e grandes financiamentos.
O curta brasileiro foi disponibilizado no canal da Old Man Filmes no Vimeo. Veja abaixo:
Filme completo
Este texto foi escrito em colaboração com Luciano de Azevedo e Pedro Carcereri. Mais informações acesse: Cabrito Movie.
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