“Havia um segundo ponto fundamental de discórdia entre os dois promotores, apesar de não ter nada a ver com a estratégia de julgamento. Stovitz achava que o julgamento dos assassinatos Tate-LaBianca era importante; haveria considerável interesse público e cobertura da imprensa, mas no fim aquilo seria esquecido. Bugliosi acreditava no contrário: o caso Manson era único na vida; o julgamento e todos que se sobressaíssem seriam sempre lembrados.”
[Jeff Guinn. Manson, a Biografia, página 354]
Em 1969, Vincent Bugliosi era apenas um jovem e ambicioso promotor de 35 anos, com apenas 5 anos de carreira, e estava entusiasmado, como sempre acontecia quando era designado para um novo caso. Ele não era o mais popular entre seus colegas, mas tanto seus amigos quanto seus rivais concordavam que ninguém no gabinete trabalhava tão duro na preparação para um julgamento quanto ele. Isso se refletia num registro pessoal invejável: em 104 júris, ele vencera 103. O novo trabalho parecia promissor: era um típico caso de alta publicidade, que se corresse bem, poderia transformar sua carreira. O caso? O caso de Charles Manson.
“Aquilo mudou a minha vida, porque o caso nunca morre”, contou Bugliosi ao The News Tribune ano passado. “O caso Manson aconteceu há 45 anos, e as pessoas ainda falam nisso. Eu ainda recebo ligações de todas as partes do mundo. O caso Manson, indiscutivelmente, foi o homicídio em massa mais bizarro da história americana, e as pessoas, por alguma razão, são fascinadas por coisas estranhas e bizarras. Nada consegue ser muito mais bizarro do que o caso Manson”.
Os eventos que levaram àquele julgamento começaram na noite de 8 de Agosto de 1969, quando, sob ordens de Manson, quatro membros de sua Família de desajustados dirigiram até a propriedade em que a atriz Sharon Tate e seu marido, o diretor de cinema Roman Polanski moravam, na Cielo Drive, Los Angeles. Polanski estava fora do país, mas seis pessoas foram mortas naquela noite: Steve Parent, Jay Sebring, Abigail Folger, Voytek Frykovski e Sharon Tate. Sharon estava grávida de oito meses e implorou pela vida de seu bebê. Na noite seguinte, Leno e Rosemary LaBianca foram mortos na Waverly Drive.
Desde o princípio, Bugliosi sustentou a tese de que o motivo para os assassinatos era o de desencadear uma guerra racial chamada Helker Skelter, nome que Manson tirou de uma música homônima dos Beatles. Ao final, Manson e três de suas seguidoras, Susan Atkins, Leslie Van Houten e Patricia Krenwinkel, foram condenados. Outro seguidor, Tex Watson, foi condenado em um julgamento separado.
“Stovitz preferia a tese de roubo, mais conservadora. Os assassinos foram até Cielo e Waverly Drive com o objetivo de conseguir dinheiro para a mudança para o deserto […]. Mas Bugliosi afirmou que aquilo era ridículo. Muito pouco foi levado em cada noite […]. Bugliosi queria convencer o júri de que as motivações dos assassinos e o plano principal de Charlie era iniciar uma guerra racial e deixar evidências incriminando os Panteras Negras”.
[Jeff Guinn. Manson, a Biografia, página 354]
No fim, todos os detalhes bizarros do caso e a habilidade do promotor em destrinchar a mente manipuladora de Manson e demonstrar a conspiração por trás dos assassinatos brutais tornaram o caso único.
Após concorrer duas vezes à vaga de promotor distrital, sem sucesso, Bugliosi abandonou a promotoria e dedicou-se à carreira de escritor. Em 1974, ele lançou Helter Skelter, sua obra-prima, em parceria com Curtis Gentry, um relato em primeira pessoa do caso Manson, que foi base para dois filme homônimos, lançados em 1976 e em 2004. Ele escreveria mais 11 livros, incluindo um best-seller sobre o julgamento de O.J. Simpson. Até hoje, Helter Skelter é considerado o maior best-seller de não-ficção da história cujo assunto é um crime.
Bugliosi nasceu em Hibbing, Minnesota, em 18 de agosto de 1934, e se graduou em Direito na UCLA. Trabalhou no escritório da Promotoria do Condado de Los Angeles até 1972, quando deixou a promotoria e passou a advogar. Nos últimos anos, sofreu com problemas de saúde e com um câncer que havia superado há 3 anos, mas que voltou. Ele morreu aos 80 anos, em Los Angeles, Califórnia, na última segunda-feira (8).
No fim da vida, Bugliosi lamentou que a tão sonhada fama com o caso Manson tivesse “apagado” todo o restante da sua história. Era como se ele “nunca tivesse feito mais nada”. Ele afirmou ano passado: “eu estou tão associado a ele, não posso mais me dissociar disso, da mesma forma que não consigo me desligar da minha própria sombra”. Ele contou que continuava falando sobre o caso Manson geralmente porque as pessoas continuavam lhe fazendo perguntas sobre os assassinatos e o julgamento, e afirmou que Manson de certa forma acabou impune, porque sua sentença de morte foi comutada em prisão perpétua.
“Ele não merece viver. Se alguém deve ser executado, essa pessoa é Charles Manson. Eu saio por aí durante o dia pensando ‘Jesus, estou chateado por ele estar vivo’? Não, eu nem sequer penso nisso. Eu não penso sobre esse caso”.
No ano passado a editora DarkSide Books lançou o excelente livro Manson, a Biografia, um meticuloso trabalho de pesquisa do autor Jeff Guinn, que se propôs a desvendar o homem que se tornou a encarnação do pesadelo americano e arruinou a aura de paz e amor dos anos 60. O livro é um ótimo complemento a Helter Skelter, de Bugliosi, e vai mais fundo ao trazer um retrato da época e buscar respostas no passado do garoto que entraria para a história como o mentor de um dos crimes mais horrendos da história americana.
Fontes consultadas: Variety; Duluth News Tribune; CBC; Kpak; Jeff Guinn: Manson, a Biografia.
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