“Hoje, ‘A Tortura do Medo’ é considerado um dos filmes mais complexos sobre a psicopatia.”
[Folha de São Paulo, 6/8/2014]
“Foi incompreendido em 1960, mas o foco psicanalítico hoje e a audácia da linguagem lhe valem a aura cult.”
[Estadão, 2/8/2014]
Poucos filmes na história do cinema foram tão injustiçados quanto “Peeping Tom” (“A Tortura do Medo”). Atacado de maneira unânime pelos críticos na época de seu lançamento, em 1960, o filme de Michael Powell foi retirado dos cinemas de Londres em menos de uma semana – e instantaneamente a carreira do diretor britânico foi destruída.
Cinquenta e quatro anos depois, e graças a Martin Scorsese, um entusiasta do filme, “Peeping Tom” é considerado um sofisticado clássico do horror com carga psicanalítica. Para Powell, que morreu em 1990, aos 85 anos, o filme era um risco subversivo. Muito a frente de seu tempo, é um estudo profundo de até onde o voyeurismo pode chegar.
O ator austríaco Karl-Heinz Bohm é Mark Lewis, um homem assombrado pelas memórias de infância, nas quais seu sádico pai o tortura psicologicamente (perversamente, Powell, além de dirigir o filme, interpreta o pai, com seu filho Columba Powell interpretando o Mark Lewis criança). Obcecado com o desejo de capturar o medo, Mark persegue jovens mulheres ruivas e as filma em seus últimos segundos gritando por suas vidas antes de matá-las.
Até hoje é difícil entender o porquê dos críticos britânicos terem destruído o filme. Apenas como comparação, três meses antes da estreia de Peeping Tom, Alfred Hitchcock lançou “Psicose”, um filme com uma explicação freudiana bastante pesada e com um assassino muito mais assustador e macabro, Norman Bates. Por que Peeping Tom foi escorraçado e Psicose não ainda é uma pergunta sem resposta.
Para a mulher do diretor, Thelma Schoonmaker, a diferença de prestígio entre os protagonistas de cada filme – Anthony Perkins (Psicose) e Karl Bom (Peeping Tom) – aliada à retratação do serial killer (um homem simpático e não um lunático) no filme do marido, contribuiu para o fiasco: “Colocar Karl Boehm e o fato do personagem ser tão simpático causou uma incrível tensão. Michael sabia que existiam pessoas severamente perturbadas, mas que poderiam ter personalidades atraentes.”, disse Schoonmaker, numa entrevista, após a morte do marido.
Realmente a ousadia de Powell em apresentar um serial killer perverso como um personagem digno de empatia contribuiu para sua ruína. A vida de Mark é, literalmente, um estudo do sadismo, e seus esforços assassinos nada mais são do que uma consequência das experiências de medo que seu pai psicólogo realizou sobre ele – e ao fazê-lo, acabou criando uma espécie de monstro Frankenstein do mundo psicanalítico. Mas ao contrário de Norman Bates, que começa simpático e lentamente se transforma no mal personificado, Mark Lewis torna-se cada vez mais humano e simpático no desenrolar do filme. E essa visão de Powell de não condenar moralmente Mark pode explicar porque Peeping Tom não chegou nem perto do prestígio de Psicose – que, aqui conosco, é muito mais explícito em sua violência sangrenta.
Além disso, quando Powell supostamente sugeriu que cineastas e suas câmeras eram voyeurs, ou seja, uma tribo de predadores que obtinham prazer em espiar seus atores atrás das lentes, indignou toda sua classe.
Assim, enquanto Psicose se tornou um marco cultural, Peeping Tom foi forçado a um limbo silencioso. Em um documentário sobre o making of do filme – “A Very British Psycho” –, o roteirista Leo Marks relembra de um crítico chegando até ele depois de uma exibição para a imprensa e sussurrando: “Não faça isso de novo.”.
No documentário, Marks compara a investigação psicológica de Peeping Tom com sua carreira militar na Segunda Guerra Mundial como especialista em quebrar códigos criptografados. No mesmo documentário, Boehm descreve a estreia do filme em Londres como “um silêncio mortal que me machucou tanto quanto Powell.”. A atriz coadjuvante Anna Massey disse que Peeping Tom é “um filme horrível de se ver.”.
Nas décadas seguintes, Powell fez apenas mais dois filmes, ficando esquecido e falido. No entanto, sua mulher diz que “ele nunca se tornou amargo, o que eu acho que é a sua maior qualidade na vida, além da maravilhosa qualidade de seus filmes. Ele nunca desistiu de realizar grandes projetos.”.
Como inúmeras outras obras incompreendidas, Peeping Tom, hoje, é considerado uma obra-prima e um dos melhores filmes de horror da história do cinema britânico. Um dos maiores críticos de cinema da história, Roger Ebert, o incluiu em sua coluna dos “maiores”.
E a boa notícia é que este clássico acaba de ser lançado em DVD com imagem e sons restaurados, além de uma hora de extras. Está lá uma apresentação do Mago Martin Scorcese (reparem como os olhos dele brilham quando fala do filme) e entrevistas com Moira Shearer, Ann Massey e Shirley Anne Field.
Não é todo dia que podemos ter um desses em nossa videoteca, então não perca esta oportunidade. O filme pode ser comprado no site da Versátil Home Video e em livrarias.
- Leia também nosso post: 77 Filmes de Serial Killers.
Vídeo: Peeping Tom, por dentro dos extras
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