Um dia qualquer sentei no sofá e liguei a TV. Passava na Globo uma reportagem sobre o jogador de futebol Júlio César. Sempre tive desgosto pelas reportagens da emissora endeusando tais jogadores, tachando-os de “gênios” ou então – como Júlio César – pintando-os como pobres coitados que poderão dar a volta por cima na vida. O goleiro falhou no último mundial e agora a pobre alma sofrida e escorraçada – que a propósito é milionário e mora num bairro rico de um país igualmente rico – poderá dar a volta por cima nesta Copa, como uma fênix, e assim entrar para a história(?) do país. Uau!
O país é o maior vencedor da história do futebol, mas isso nunca levou o Brasil a lugar nenhum, portanto, o futebol não serve para nada; serve, claro, para entretenimento, e principalmente, para duas ou três famílias encherem os seus bolsos para durante as férias ir mais uma vez para a Europa e enquanto eles tomam um champagne francês você aqui sofre para formar e no final conseguir um emprego de dois ou três salários mínimos. Eu gosto de futebol, não da mesma forma quando de era menino, mas gosto, só que o futebol aqui é usado como arma de manipulação em massa de um pequeno grupo para gerar dividendos. A receita é simples:
- fabricam-se ídolos – “gênios”, com massivas e tendenciosas reportagens – eles devem aparecer em todos os programas de TV e ter destaque especial no portal da internet quando aparecem numa balada ou postam “fotinhas” nas redes sociais;
- cria-se o interesse;
- a massa passa a assisti-los e a idolatrá-los (muitas vezes morrem nos estádios por eles);
- a audiência aumenta;
- e assim consegue-se vender cotas milionárias de publicidade.
Pois bem, antigamente eu ainda sonhava que houvesse algum compromisso público por parte daqueles que ganharam concessões públicas. Sim, Globo e Cia. possuem concessões públicas dadas pelo governo para transmitir conteúdos. Mas hoje não mais. E enquanto eu via mais um passo dessa receita (fabricação de ídolo/criação de interesse, do sofrido Júlio César) no Globo Esporte, imediatamente me veio à cabeça Marcos Aurélio, e pensei, “poxa, ao invés de Júlio César, eles deveriam eram estar falando de Marcos.” Se eles querem falar de alguém sofrido e cuja história tem tudo a ver com a Copa – e ainda por cima promover um pouco de cidadania – esse alguém poderia ser Marcos.
Marcos era um goiano, esse sim sofrido. Como filho de muitas famílias pobres do Brasil, não estudou e só conseguiu trabalhos braçais. Mas ele nunca reclamou, afinal, essa foi a única vida que conheceu. Como todos nós, Marcos ficou excitado com a Copa do Mundo, “isso trará milhares de benefícios para nós, investimentos em tudo quanto é área, oportunidades de trabalho… “ e realmente Marcos cresceu na vida com a vinda da Copa do Mundo: de um vaqueiro tirador de leite em Goiás, ele virou um peão de obra na construção do estádio Mané Garrincha em Brasília. Sabem o que aconteceu com Marcos depois? Teria ele subido ainda mais na vida? Virado um mestre de obras, por exemplo? Não. Definitivamente não. Ele, literalmente, “desceu” de vida. Marcos hoje está reduzido a ossos e enterrado num cemitério qualquer de uma cidadezinha do interior de Goiás. Nas obras do estádio padrão Fifa de qualidade, Marcos, casado e pai de dois filhos, conheceu o crack. Perdeu o emprego, a mulher o deixou, virou mendigo e foi assassinado covardemente com dois tiros na cabeça em Goiânia. Mais de 40 como ele foram mortos na capital goiana nos últimos dois anos. Um serial killer? Um grupo de extermínio que deseja remover os indesejáveis das ruas? Dívidas com traficantes? Ninguém sabe e ninguém está interessado em saber. Ninguém conta sua história, ninguém tem interesse nele, afinal, Marcos não tem “potencial” como “ídolo”, ele não é jogador de futebol.
“[Esportistas] são inspirações vazias cujo marketing esportivo conspira para criar.” (Bruce Arthur, jornalista do National Post)
Foto: Jornal O Popular
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