Agrupando-se na gasta tenda principal, com o acompanhamento de uma banda de quatro músicos bêbados, os elefantes do circo itinerante de Charlie Sparks faziam o seu melhor para entreter o público naquela fria tarde de Setembro de 1916. Ao sentarem-se sobre as patas traseiras, erguiam suas cabeças e formavam um comboio elefântico, colocando suas patas dianteiras nas costas uns dos outros, fazendo barulho ao redor do picadeiro.
Ao final, eles realizaram todos os truques pelos quais foram torturados para aprender. Mas aquela apresentação era sombria para aquele grupo de elefantes. Por mais que parecessem estar alegres, eles não poderiam compensar a ausência da real estrela do show, uma elefanta asiática de cinco toneladas chamada Mary. O talento de Mary resumia-se a escolher 25 músicas de buzinas, que ela tocava com sua tromba; e também foi campeã de arremessos na equipe do circo de baseball.
Dias antes, Mary foi despida. Haviam tirado sua sela dourada e vermelha e seu cocar de penas azuis artificiais; ficou presa em desonra fora da tenda. Dizem que ela tremeu de medo, como se estivesse ciente de seu destino terrível. O que essa elefanta fez para ser chamada de “Assassina Mary” não foi apenas matar um homem, mas fazê-lo perto de Erwin, Tennessee, Estados Unidos – a cidade Americana estava em recente expansão pela passagem de uma estrada de ferro. Com pretensões à civilização, ela ostentava seus próprios correios, um teatro e um tribunal; também havia uma cadeia, mas a autoridade do xerife era pouco considerada (a lei da multidão ainda prevalecia).
Entre 1882 e 1930, 214 pessoas foram vítimas de linchamentos em Tennessee. A maioria era homens negros sumariamente considerados culpados de crimes como “luta contra o homem branco” e “mau-caratismo”. Em breve Mary iria juntar-se aos seus rankings trágicos (certamente o único elefante da história a ser enforcado).
Quase cem anos depois, sua história continua pertinente e significativa, principalmente quando, há três semanas, o Príncipe Charles organizou uma conferência internacional de combate ao comércio ilegal de partes de animais selvagens. É no mínimo curioso, já que seus filhos costumavam pagar para assassinar animais durante as férias na África. Sim, o homem sempre domesticou animais selvagens para exibi-los como troféus e, dentre eles, os elefantes sempre estiveram entre as espécies destacadas como de maior risco. Entretanto, o mundo ocidental (supostamente esclarecido) nunca se preocupou com o bem-estar dessas criaturas majestosas; a bárbara morte de Mary é um dos exemplos mais tristes. Seu destino foi selado no dia anterior ao seu enforcamento, quando o circo de Charlie Sparks chegou à pequena cidade de Kingsport, a aproximadamente 65 quilômetros de Erwin.
Como sempre, foi anunciada a sua presença em um desfile ao longo da rua principal, durante o qual Mary foi montada por Walter Eldridge, 38 anos, apelidado de Vermelho por causa de seu cabelo cor de ferrugem. Walter fora um andarilho, estava com o circo há apenas um dia, e não tinha experiência na condução de elefantes, porém, a única qualificação requerida era a habilidade para manejar um “bastão de elefante” – uma vara com uma lança afiada na ponta.
Uma pista de por que o uso de tal vara imprimia medo aos animais vem de um relato de 1829. Um relato de como um bebê elefante chamado Mademoiselle Djek foi domado em um curto período para um circo de Londres. Enquanto a plateia maravilhava-se com sua docilidade, Charles Reade, um escritor da época, descreveu como seu primeiro domador obteve domínio sobre ela, apunhalando sua tromba com uma forquilha. Ela “girou, correu a cabeça em um canto, estendeu suas nádegas grandes e tudo tremia como uma folha.“ O domador, então, lhe espetou com toda a sua força por meia hora, até que “o sangue derramasse por cada metro quadrado do seu corpo enorme”, e a “enchera de buracos, o que a deixou parecendo uma laranja com cravos.”
Técnicas semelhantes teriam sido usadas para domar Mary. Mas, embora o bastão de elefante geralmente a mantivesse na linha, esse era o menor de seus problemas. Naquele dia, Mary estava sofrendo com um doloroso abscesso dentário. Quando ela parou durante o desfile para beliscar um pedaço de casca de melancia jogada fora, Red Eldridge espetou-a para mantê-la em movimento. A lança afiada bateu bem no ponto sensível. A reação dela foi rápida e mortal, quase que por reflexo. O alcançando com sua tromba, ela o arremessou ao chão e pisou em sua cabeça. “Sangue, miolos e outras coisas apenas esguicharam pela rua”, relembra uma testemunha.
Enquanto os espectadores, aterrorizados, gritavam e fugiam, um ferreiro local começou a atirar em Mary com uma pistola, descarregando cinco cartuchos de munição em sua grossa pele, surtindo pouco efeito.
De repente, ela se acalmou e, aparentemente, ficou alheia tanto para as balas quanto para a comoção dos habitantes da cidade que a rodearam com gritos de “matem o elefante, matem o elefante”.
Temendo que as datas em outras cidades fossem canceladas se os habitantes ouvissem falar que seu circo era o lar de um paquiderme homicida, Charlie Sparks não encontrou alternativa alguma senão ceder à demanda por vingança. A única questão era como Mary deveria encontrar seu fim. As balas já provaram ser ineficazes e nem foi cogitada a ideia de trabalhar com veneno, uma vez que os elefantes têm cerca de meio milhão de receptores sensoriais em suas trombas e podem facilmente detectar substâncias nocivas.
Algumas pessoas defendiam o lento esmagamento de Mary entre dois trens opostos entre si. Outros sugeriam que a sua cabeça fosse amarrada em uma locomotiva e as pernas em outra, de modo que ela seria desmembrada viva quando partissem em direções opostas. Outra opção era a eletrocussão – existia um precedente horrível graças a Thomas Edison, inventor da primeira lâmpada elétrica comercialmente viável. Em um momento em que a América escolhia qual das duas formas de eletricidade adotar – corrente contínua (CC) ou corrente alternada (CA) -, Edison tinha patentes para muitos dispositivos usando o antigo sistema e lucraria imensamente se a sua ideia fosse comprada ao invés do seu rival.
Alegando que a corrente contínua era a mais segura entre as duas, Edison espalhou falsas histórias sobre acidentes fatais que supostamente envolviam a corrente alternada. Ele também fez várias demonstrações públicas, em que animais eram eletrocutados com corrente alternada. A mais espetacular aconteceu em 1903, quando um novo parque de diversões foi aberto em Coney Island, Nova Iorque. Uma das atrações era uma elefanta chamada Topsy, cujo suposto comportamento violento e não cooperativo fez seus proprietários buscarem dinheiro e publicidade de outra forma: eletrocutando-a em público com a ajuda de Edison. Uma enorme multidão viu Topsy colocar obedientemente suas patas dentro de sandálias de madeira especialmente desenhadas, revestidas com cobre e ligadas a uma fonte de alimentação com corrente alternada. Quando o interruptor foi acionado, uma grande quantidade de fumaça se levantou acima de suas patas, e, em um minuto ou dois, tudo estava acabado. Um jornal escreveu sobre o prazer mórbido do público em assistir à sua morte, mesmo causando um “odor desagradável que se misturava com o cheiro de amendoim torrado, vendido a dois centavos o pacote.” Posteriormente, disseram que a “cavalgada no relâmpago” de Topsy havia levado a um breve apagar de todas as lâmpadas da região, como em comemoração a ela. Mas sua morte provou ser em vão. A trama macabra de Edison falhou e a América acabou adotando a corrente alternada como o seu padrão de energia elétrica.
Esta história havia alcançado o Tennessee rural de 1916, mas eles não tinham poder o suficiente para despachar um elefante dessa forma. Foi aí que Charlie Sparks surgiu com a “sensacional” ideia de enforcar Mary.
No dia seguinte, o circo visitou Erwin, que tinha um guindaste de 100 toneladas usado para erguer vagões de trem para dentro e para fora dos trilhos. Isto era forte o bastante para suportar um elefante. Os frequentadores da matinê, desapontados por não verem Mary no picadeiro naquela tarde, foram tranquilizados com a notícia de que poderiam vê-la ser enforcada pouco tempo depois, sem nenhum custo adicional.
Enquanto era conduzida ao pátio ferroviário, Mary era seguida pelos outros quatro elefantes do circo; cada um entrelaçou sua tromba na cauda do animal da frente, como haviam feito em inúmeros desfiles.
Charlie Sparks tinha a esperança de que a sua presença a manteria calma, mas quando uma corrente foi colocada em volta do pescoço dela, na “forca”, os outros elefantes começaram a fazer um triste alarde, o que fez com que Sparks temesse sua fuga. Para evitar que isso acontecesse, uma de suas pernas foi amarrada aos trilhos. Ninguém pensou em liberá-la quando o guindaste zumbia em ação. Quando ela foi suspensa no ar, ouviu-se um terrível som de algo se rompendo: eram seus ossos e ligamentos sucumbindo à pressão. Ela não havia sido erguida mais do que um metro e meio quando a corrente que estava em seu pescoço se rompeu, jogando-a no chão e quebrando seu quadril. “Isso produziu um barulho pouco elegante“, relembrou uma pessoa da multidão, que era de cerca de três mil pessoas; a maioria das crianças da cidade estava lá.
Os espectadores entraram em pânico e fugiram para se esconder, mas Mary simplesmente sentou-se ali atordoada e com uma dor terrível. Enquanto isso, um dos responsáveis pelo circo correu por suas costas – como se estivesse subindo em uma pequena colina, ao invés de uma criatura viva – e prendeu uma corrente mais forte. O guincho foi acionado novamente e, desta vez, Mary foi levantada no ar, suas grossas pernas castigadas e seus gritos e grunhidos agonizantes eram audíveis, mesmo sob as risadas e aplausos de quem assistia o espetáculo.
Finalmente, ela se silenciou. Mary ficou pendurada por mais ou menos meia hora, antes que um veterinário local a declarasse morta. Seu triste e horrível final está registrado em uma fotografia tão sinistramente surreal que muitos acreditaram que deveria ser falsa – mas, com muita tristeza, sua autenticidade foi confirmada por outras fotografias tiradas na época.
Como de costume, naquela noite, o circo continuou com suas atrações, mas depois do show, um dos elefantes restantes se separou do rebanho e começou a correr em direção ao pátio ferroviário, uma vez que os elefantes na vida natural retornam aos ossos dos membros da família mortos por muitos anos; talvez, ele estivesse em busca de Mary. Porém rapidamente foi recapturado e voltou para sua vida de miséria em cativeiro, da qual ele havia tentado escapar.
Saber que Mary já não tinha mais que suportar essa existência cruel e antinatural é talvez o único consolo a tirar deste conto horrível. Ainda hoje, a elefanta encontra-se enterrada em uma enorme cova que foi escavada usando uma pá a vapor. Alguns dizem que o buraco era “tão grande como um celeiro”, mas ninguém sabe exatamente onde é, ou parecem muito interessados em saber. Não há nenhum monumento em homenagem à Mary em Erwin, a única cidade em toda história que enforcou um elefante e, aparentemente, permanece envergonhada por ter feito isso.
Fonte da matéria: David Leafe – Daily Mail (Alterações do original por OAV Crime)
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