A história e os personagens eram uma ocorrência comum para a polícia de Nova York. Uma mãe aparece na delegacia para reportar o desaparecimento de sua filha. Ela preenche a papelada, mas quando a polícia descobre que a filha da mulher era uma prostituta, eles fazem corpo mole. Também não é para menos, prostitutas, por natureza, são mulheres de gênios difíceis, muitas são jovens rebeldes que fogem de casa em busca de uma vida melhor, mas que acabam no fundo do poço. A polícia não tem tempo para elas.
Mas a mãe dessa jovem foi persistente, persistente e persistente. E de tanto persistir, a polícia começou a levar a sério o desaparecimento da jovem, e quando eles começaram a investigar, descobriram uma história muito estranha. E foi na busca dessa prostituta desaparecida que a polícia de Nova York tropeçou no cemitério de um serial killer.
Muitos de vocês, leitores do blog, já devem conhecer esta história. A prostituta desaparecida em questão é Shannan Gilbert, 24 anos. Sete meses após o seu desaparecimento, e em sua busca, a polícia descobriu quatro corpos na região onde ela foi vista pela última vez. Não demorou muito para que eles encontrassem mais corpos. A sinistra descoberta parecia óbvia: camuflado na sociedade, um serial killer agia impunemente matando prostitutas e descartando seus corpos na região de Long Island. Dias depois, descobriu-se que todas as prostitutas anunciavam seus serviços em um site de classificados, o Craiglist. Aparentemente, o serial killer contactou as prostitutas por este site, atraindo-as para a morte.
Acompanhamos essa terrível história desde o início, e há dois meses, o primeiro livro sobre o caso foi lançado nos Estados Unidos. Lost Girls: An Unsolved American Mystery, de Robert Kolker, oferece um assombrado e humanizado conto da busca real a um serial killer que ainda está à solta. Muito bem escrito, o livro detalha o mundo sombrio das prostitutas da era da internet e o drama dos familiares das vítimas. Mas o livro não é apenas um retrato delas, como também uma arrepiante pintura de assassinatos não solucionados na parte mais famosa da América.
E para falar sobre esse livro, trago para vocês dois textos, um da jornalista Jessica Mack, publicado no jornal inglês The Guardian, e outro de Mimi Swartz, colunista do The New York Times. Os textos são uma tradução livre (com pequenas modificações) e eu cometi o desatino de misturar as ideias presentes nos dois em um só. O texto abaixo é a mistura dos dois.
Garotas Perdidas – Um mistério americano não resolvido é um tributo a cinco prostitutas
Por Jessica Mack (The Guardian) e Mimi Swartz (The New York Times)
Em dezembro de 2010, quatro conjuntos de restos humanos, cuidadosamente envoltos em sacos de aniagem, foram descobertos ao longo da remota praia de Gilgo Beach, região de Long Island, estado de Nova York. Um ano mais tarde, um quinto esqueleto foi descoberto, era o de Shannan Gilbert, cuja persistência da família levou a polícia a encontrar os quatro primeiros. Todos os esqueletos eram de mulheres que estavam desaparecidas, de meses a anos, e todas elas eram prostitutas.
Embora os familiares de cada uma das mulheres terem desesperadamente procurado por elas e preenchido documentos de pessoas desaparecidas, no momento que eles informavam o que as mulheres faziam, os esforços da polícia imediatamente diminuíam. Quase três anos após a descoberta dos primeiros restos mortais, a polícia diz que há um serial killer à solta, mas o caso continua sem solução e a cada dia se torna mais frio.
Há pouco menos de dois meses, um minuncioso livro sobre o caso foi publicado. “Lost Girls: An Unsolved American Mistery”, de Robert Kolker, desenterra o caso de uma forma hábil, acumulando todos os fatos conhecidos sobre os crimes e, talvez o mais importante, inclui biografias de cada vítima, traçando suas vidas a partir da infância até os seus desaparecimentos, e a contínua luta dos familiares em busca de respostas. O livro é parte crime parte tributo. Uma leitura que vale totalmente a pena.
Embora, inicialmente, o caso tenha recebido atenção da mídia, o burburinho rapidamente morreu. Houve atenção, mas nenhuma indignação. Isso porque a sociedade não dá valor a prostitutas, nós concluímos que ninguém, nem mesmo seus familiares, dão. Nós assumimos que se elas desaparecem, ninguém irá notar. E assassinos sabem disso também. Mas não é bem assim, e o conto de Kolker mostra como as famílias das vítimas se desmoronam após os sumiços.
“Eu não posso acreditar que eles estão fazendo tudo isso por uma prostituta”, é um comentário citado no livro de um cinegrafista que cobria uma vigília das famílias das vítimas perto de onde os corpos foram encontrados. E essa atitude de desprezo, muitas vezes hipócrita, é um padrão entorpecente do livro. Da polícia do Condado de Suffolk às pessoas de Oak Beach, onde Shannan Gilbert foi vista pela última vez, a negligência e a falta de urgência são muitas vezes o que empurra prostitutas para a margem, da vida e da morte.
Na noite do seu desaparecimento, Shannan Gilbert conversou durante 23 minutos com o 911 ao mesmo tempo que freneticamente corria e batia em portas de casas, e mesmo assim isso não foi o suficiente para que ela se sentisse segura. Kolker contrasta essa impotência insidiosa contando as histórias das mulheres com muito cuidado e detalhes. Ele nos permite considerar a vida dessas mulheres, que foram injustamente reduzidas devido às suas escolhas, e cujos desaparecimentos e brutalidades foram resultado simplesmente de suas profissões.
Kolker trabalha duro para distinguir seus personagens principais, mas suas histórias sangram juntas em uma longa crônica de abuso na infância, negligência e escolhas erradas.
Maureen Brainard-Barnes, cuja mãe era uma empregada de motel e atendente de cassino, ficou grávida aos 16 anos. Ela abandonou o ensino médio e seu sonho de se tornar uma compositora foi esmagado pelo destino como prostituta.
“No Craiglist, Maureen via mulheres publicando anúncios, ganhando a vida sem sair de suas casas, não tendo que dividir o que ganhavam com ninguém, nem com um cafetão, serviço ou namorado”, escreve Kolker.
Melissa Barthelemy ansiava por uma carreira como cabelereira. Nascida de uma mãe adolescente, passou a maior parte de sua vida sendo cuidada pelos avós. Como muitas adolescentes rebeldes, crescer sem pai e mãe a fez ter conflitos internos. Ela abandonou a escola e teve seu destino traçado ao se envolver com pessoas erradas. Com uma promessa de emprego em Manhattan, a moça interiorana saiu em direção a grande Nova York. Sabemos muito bem o que a esperava lá.
Megan Waterman também foi criada pelos avós. Sua história assemelha-se à de Melissa. Bebia bastante na adolescência e era uma velha conhecida dos centros de reabilitação.
Amber Costello veio de uma família na qual o vício era um estilo de vida. Estuprada quando criança, começou a se prostituir aos 16 anos. Foi ajudada no ramo por sua irmã mais velha, Kim, que a levou pelo caminho sem volta das drogas e da prostituição na grande Nova York.
E, finalmente, temos Shannan Gilbert. Na infância, Shannan era uma criança que gostava de teatro, gostava de cantar e dançar. Ao entrar na adolescência foi diagnosticada com transtorno bipolar e, como Melissa, conheceu um homem que prometeu-lhe um emprego em Nova York. Na fatídica noite do seu desaparecimento, ela teve um ataque histérico inexplicável: drogas? tentativa de assassinato? Ninguém sabe. Ela fugiu da casa de um cliente que fora atender em Long Island passando direto por seu motorista, que a aguardava do lado de fora, e desapareceu na escura noite perto de Oak Beach.
E foi na busca por Shannan que a polícia encontrou os restos mortais das cinco mulheres.
Ao contrário das “ninguéns”, que é como toda a sociedade as vê, encontramos mulheres apaixonadas, inteligentes e ambiciosas. Cada uma tinha um sistema de segurança para trabalhar (motoristas, chamadas rastreadas, companhias), mas esses sistemas, por alguma razão, não funcionaram na noite dos seus desaparecimentos. Antes disso, outros sistemas falharam com elas: assistência social, assistência psiquiátrica, seguro desemprego, só para citar alguns. E o principal: o descaso da nossa sociedade e a falta de uma discussão aberta sobre os direitos de garotas de programa. A falta de um diálogo honesto e ponderado sobre a melhor forma de garantir segurança e direitos a elas é uma falha grave.
Muitas vezes a sociedade cria uma causalidade simples para a prostituição: ela é impulsionada pelo abuso ou desespero e isso leva inevitavelmente a pessoa a um beco sombrio. Mas não é bem assim que a vida funciona; não é uma série linear de eventos, mas uma teia. Um labirinto de circunstâncias e escolhas (algumas sob o nosso controle e outras não) dita a forma como as nossas vidas caminham. Cada vítima sofreu alguma tragédia ou trauma, e, verdade, drogas e pobreza desempenham, às vezes, papéis importantes. Mas, como observa Kolker, cada uma fazia sexo por dinheiro por razões intensamente pessoais. E a morte é uma conclusão injusta.
“Enquanto há riscos em qualquer empreendimento, especialmente aqueles sem proteção legal, ser vítima de um assassinato não é algo inevitável ou até mesmo provável por trabalhar como uma prostituta”.
Ao conhecer os detalhes íntimos da vida das mulheres, e enxergando-as como seres humanos ao invés de vítimas, nós vemos as semelhanças, e o “nós” e “elas” que estigmatizam o trabalho sexual na sociedade começa a se deteriorar.
A sociedade tem uma maneira de desvalorizar trabalhadores sexuais (sejam strippers, acompanhantes ou atrizes pornô). Embora a prostituição seja criminalizada na maior parte dos Estados Unidos, serviços sexuais sempre têm demanda. Ainda assim, as escolhas daqueles que as oferecem são sempre estigmatizadas. Se uma prostituta denuncia uma violência contra ela, ela deve estar preparada para sofrer mais violência.
Existe algo errado com uma sociedade na qual seres humanos desaparecem para apenas serem descobertos anos mais tarde reduzidos a ossos. Há algo ainda mais errado quando a conexão ossos-prostitutas é, de alguma forma, usada para justificar seus destinos.
O livro de Kolker é um ponto de partida para o diálogo, pois é, possivelmente, a imagem mais completa e mais real do que está acontecendo com o mercado sexual americano hoje. Além de esperar que o assassino um dia seja preso, o melhor que podemos oferecer a essas mulheres agora é a nossa leitura e compreensão de suas vidas, nossos pensamentos de considerar o nosso próprio papel na sociedade, um papel falho, mas que da próxima vez pode ser diferente.
Acima de tudo, Lost Girls é, como tantas histórias de hoje, uma história sobre novas tecnologias transformando velhos negócios. Empresas como Craiglist e Backpage parecem inaugurar uma nova era de prostitutas “empreendedoras”, que podem praticar seu negócio com menores riscos de exposição e sem cafetões que as sugam. Mas o anonimato pode também ser ruim, já que sem a proteção de cafetões, elas se encontram à mercê de comportamentos extremos de seus clientes. Um estudo de Kolker diz que em 2004 a principal causa de morte entre prostitutas foi homicídio, a maioria pelas mãos de seus clientes.
E foi a tecnologia que permitiu também que as famílias dessas mulheres se unissem pelo Facebook e, pelo menos por um tempo, manteve a história viva, fornecendo conteúdo 24 horas por dia, 7 dias na semana, até que a mídia esquecesse por completo os corpos encontrados em Gilgo Beach.
A seguir, traduzimos nove páginas do livro para degustação.
Informações
Título: Lost Girls: An Unsolved American Mystery
Autor: Robert Kolker
Publicação: 9 de julho de 2013
Gênero: Crime
Idioma: Inglês
Número de páginas: 416
Editora: Harper
ISBN-13: 9780062183637
Resumo: No final da primavera de 2010, Shannan Gilbert, após correr por toda comunidade de Oak Beach gritando por sua vida, desapareceu. Ninguém que ouviu falar sobre o seu desaparecimento deu importância para o que tinha acontecido com a jovem de vinte e quatro anos: ela era uma prostituta do Craiglist que havia fugido de uma casa. A polícia do Condado de Suffolk também pareceu dar pouca atenção… até sete meses depois, quando uma inesperada descoberta em um espinheiro ao lado de uma rodovia mostrou quatro corpos, todos uniformemente espalhados, embrulhados em sacos de aninagem. Mas nenhum dos corpos era de Shannan.
Preview do Livro
Capítulo 1 | Página 5 | Maureen
“Oi! Eu sou Maureen! Eu falo da Atlantic Security! Nós temos uma oferta, esta não é uma ligação para venda, nós estamos oferecendo um mês grátis para uma demo, oferecemos facilidades…”
Maureen Brainard-Barnes era cativante e feminina, com pele de porcelana, cabelos escuros despenteados, e olhos verdes. Sara Karnes era loira e gordinha, com um queixo com covinhas e intensos olhos verdes. Como funcionárias da mesma empresa de telemarketing, elas imediatamente encontraram-se tagarelando entre as paredes dos cubículos, sendo advertidas por seu chefe sobre como elas deveriam fazer chamadas: “Estamos fazendo as chamadadas. O computador faz chamadas pra nós. Quando ouvimos, calamos a boca!”
Groton, Connecticut, é uma cidade portuária industrial no Rio Thames onde o norte alcança Long Island Sound, conhecida pela fabricação de submarinos e agora mais bem conhecida pelos cassinos indígenas. O escritório da Atlantic Security de dez cubículos está longe da água, fica numa loja no meio de um shopping que os locais chamam de Hamburger Hill, um esporão da Rota 95 com a Burger King, Wendy’s e McDonald’s. Sara estava trabalhando lá por algumas semanas quando Maureen chegou, logo depois do Natal de 2006. Após os primeiros dias de Maureen fazendo chamadas, um script decorado,
Página 6
Sara decidiu que ela era diferente dos outros. Maureen podia não estar feliz lá, mas pelo menos ela não estava sendo hostil. Ela não agia como se estivesse arriscando sua alma sobre o resultado de suas chamadas. Ela sorria.
Sara logo percebeu que ela e Maureen tinham muito em comum. Elas tinham a mesma idade, vinte e quatro anos, e frequentaram a mesma escola em Groton, Robert E. Fitch. Elas não lembravam uma da outra. A estada de Sara na escola foi breve, foi transferida para lá depois de ter sido expulsa de uma escola católica. Maureen, apenas um pouco menos selvagem, deixou a escola quando tinha dezesseis anos para ter um bebê e nunca mais voltou. Ela tinha dois filhos agora, cada um com um pai diferente. O trabalho tinha chegado em boa hora: Incapaz de pagar por um lugar próprio, Maureen se viu na casa de sua irmã por alguns meses, depois se mudou para um lugar em Norwich pago pelo pai de seu filho. Maureen disse a Sara que não gostava de ser tão dependente de seu ex. Queixava-se de seu companheiro de quarto, que Maureen pensava estar lá para ficar de olho nela. A este respeito, também, Sara viu algo de si mesma em Maureen. Ambas eram um pouco irresponsáveis e pouco conscientes e irritavam-se com aqueles que queriam controlá-las.
Tão precária quanto a situação de Maureen parecia, era muito melhor do que a de Sara. Sara e seu namorado estavam hospedados em um quarto de hotel que custava duzentos dólares por semana. Sara foi para a Atlantic Security. Quando não podiam pagar por comida, eles rondavam cozinhas comunitárias e bancos de alimentos. Ainda assim, Sara tinha uma coisa que Maureen não tinha: um carro. Sara dirigia um Chrysler LeBaron GTC 93, um presente de sua mãe. Cravado na porta do lado do motorista estava a palavra prostituta, uma amarga mensagem para Sara de um dos seus ex-namorados. Maureen achou aquilo engraçado.
Página 7
Logo após se conhecerem, Maureen, não querendo mais caronas do seu ex, perguntou a Sara se ela podia lhe dar carona do trabalho para casa no seu prostituta-móvel. Sara disse que sim. A partir de então, Maureen tinha transporte todas as noites.
Ambas disseram que o Atlantic Security oferecia apenas trabalho temporário; trabalho em tempo integral significava ter direito a benefícios de saúde.
Sara foi demitida logo após o ano novo. Um mês depois, Maureen foi embora. Elas ficaram em contato. Sara começou a trabalhar no McDonald’s, mas o dinheiro que ganhava não dava para pagar seu quarto. O namorado de Sara foi morar com uma tia e Sara se mudou com seu chefe e a namorada. Ela estava a um passo de morar na rua. Foi quando Maureen apareceu com uma oferta.
“Eu preciso de um motorista”, disse ela. “Esse cara quer uma massagem.”
“Você é uma massagista?”, perguntou Sara.
Maureen sorriu. “Sim.”
Vá para a estrada Long Hill, saída 95 em Connecticut, em direção ao centro de Groton, e você irá encontrar, não muito longe da Atlantic Security, cada um dos lugares, ainda de pé, onde Maureen Brainard-Barnes se empregou. Há o (restaurante) Blimpie não muito longe do T.J. Maxx e do AutoZone e o Stop & Shop. E há também o posto de gasolina Cory, onde ela trabalhou atrás do balcão de frangos, fazendo o que os locais chamam de fatias de batata. E o Shopping Plaza de Groton, com o cinema Goto 6, onde ela fazia lanches descartáveis em troca de entrada livre e um saco de pipoca.
Até meados dos anos noventa, quando a Foxwoods e o Mohegan Sun chegaram a essa parte de Connecticut, Groton era uma cidade de duas empresas. Havia a base de submarinos da marinha, onde, dependendo da situação geopolítica do momento, mísseis tomahawk
Página 8
cruzariam o céu escuro em noites frias, e havia a Pfizer (uma das maiores empresas do mundo de fabricação de remédios). Cientistas enriqueceram os subúrbios, como em Mystic, casas de classe média alta, ou “lugar de pessoas ricas”, como a família de Maureen dizia. Elas evitavam Mystic, assim como evitavam o outro lado da cidade, New London, onde gangues agiam. Groton estava no meio, e em Groton, se você não fosse marinheiro, você não era ninguém.
Maureen cresceu em um apartamento de três quartos em um conjunto habitacional subsidiado pelo governo federal chamado Poquonnock Village. Todo dia sua mãe, Marie Ducharme, caminhava 3.6 quilômetros para limpar quartos em um motel ao lado de uma rodovia; ela poderia ir dirigindo, mas o carro quase nunca dava partida. Maureen conhecia seu pai, mas Bob Senecal, que ficou com elas apenas uma vez, era como Maureen, imaturo, uma pessoa que não levava a vida a sério, rápido como Beavis e Butthead. Bob trabalhava com madeira, e um pouco como mecânico. Marie, por sua vez, era pavio curto, de forma compreensível, considerando-se que o destino de toda família repousava sobre seus ombros. Bob estimava a solidão, e ele gostava de fazer longas caminhadas que davam-lhe a chance de pensar. E foi numa dessas caminhadas que ele morreu alguns anos depois, em 2003, no aniversário de vinte e um anos de Maureen. Ele caminhava em um cavalete de trem, tarde da noite, quando tropeçou e se afogou na água rasa em que caíra.
A mãe de Maureen parou de limpar quartos de motel quando ela se tornou uma das primeiras funcionárias da Mohegan Sun. Um novo emprego como assistente que a ajudou a pagar as parcelas de um carro, um bronzeado Ford Taurus, que permitiu a ela dirigir para um segundo emprego, limpando escritórios. Daquele ponto em diante, ela quase nunca ficava em casa. Maureen e sua irmã e irmão mais novos, Missy e Will, cuidariam
Página 9
um do outro. Cada semana Marie comprava uma nova pilha de refeições congeladas, pizzas Ellio e costeletas de frango, para as crianças comerem no jantar. Eles foram deixados à própria sorte para explorar a floresta atrás do complexo de apartamentos; pegavam frutas, andavam sobre trilhos e fugiam da polícia quando eram avistados. Algumas noites Maureen levava Missy e Will ao American Billiards para jogar sinuca e beber. Também jogavam futebol em um grande campo perto do prédio de apartamentos. Nos dias mais quentes, eles subiam em galpões para olhar o céu.
Enquanto sua irmã e irmão passavam muito tempo praticando esportes, Maureen ficava consigo mesma. Lembrava dos seus sonhos e rabiscava-os em um notebook através de sua conta no MySpace, deixando os outros saberem dos momentos de sua vida: a morte de sua avó, um amigo oferecendo um cigarro. Ela se sentia em contato com coisas que os outros não podiam ver. Sua escrita a ajudou a chegar a algumas questões centrais: O paraíso é um lugar físico ou apenas um estado de espírito? Me diga o que pensa. Ela procurou as respostas em alguns livros. O livro do Apocalypse a fascinou por um tempo. Mais tarde, O Código de Da Vinci tornou-se seu livro sagrado, assim como o tema Illuminati. Ela passou a acreditar no sobrenatural. Maureen acreditava que as respostas para os mistérios da vida eram atingíveis para aqueles que procuravam. Ela dizia a Missy e Will sobre o que lia e aprendia. Às vezes, eles acreditavam.
Apesar de a escola ser algo fácil para Maureen, ela preferia ler a ir para lá. Mas isso mudou quando ela começou a chamar a atenção dos meninos.
Página 10
Maureen nunca foi uma garota vaidosa, mas ela desenvolveu curvas e seios muito cedo. Ela não precisava se maquiar para chamar atenção, e quando começou o ensino médio na Fitch High School, ela chamou atenção. Uma vez pensativa e introvertida, agora ela era impetuosa. Se ela entrasse em uma sala, fazia questão que os meninos a notassem, e ignorava as meninas. Meninas invejosas fizeram dela um alvo. Ela parou de ir a escola por um tempo, tempo suficiente para sua mãe perceber e as duas brigarem. Maureen deixou a escola quando tinha dezesseis anos, assim que soube que estava grávida.
Ela ficou com seu namorado, Jason Brainard-Barnes, por apenas seis meses, mas eles eram apaixonados. Ele a pediu em casamento, e ela disse sim. Um juiz realizou uma breve cerimônia em uma corte em 1999, após Maureen ter dado à luz Caitlin. Eles se mudaram para a casa do avô de Jason em Pawtucket, e então, Jason foi para o sul servir o exército. Pouco tempo depois de ele voltar, o casamento se desfez, mas não houve brigas e nem advogados. Sem assinar documentos, eles decidiram que Caitlin viveria a maior parte do tempo na casa de Jason em Mystic, onde havia as melhores escolas.
Maureen foi morar com sua irmã, Missy, e sua filha em um conjunto habitacional de baixa renda em Groton chamado Branford Manor. Os três se reuniram, Maureen, Missy e Will, crescidos e cada um com seus próprios filhos. Como a mãe havia recuado de suas vidas diárias, cabia a Missy uni-los no Natal. Apesar de mais jovem, ela era mais madura, mais prática. Pelo menos uma vez por semana, Missy cozinhava para manter os irmãos unidos.
Página 11
Will tinha sido uma estrela do futebol na Fitch High School e agora estava trabalhando como mecânico na Midas. Ele se tornou pai de família e o protetor da família. Se Maureen reclamasse com ele sobre algum namorado, ela sabia que a conversa terminaria com seu irmão atacando quem quer que a tenha magoado.
Maureen era uma pessoa que todos amavam, a sonhadora, a artista, a romântica. Uma manhã, ela trouxe dois gatinhos que estavam abandonados debaixo de uma chuva. Quando Missy percebeu que eles tinham pulgas, disse para Maureen livrar-se deles. Maureen saiu, comprou um shampoo e voltou para dar banho neles, mesmo que eles a enchessem de água ao não pararem quietos. O mundo real ainda a deixava perplexa às vezes. Seu trabalho mais promissor, como vendedora de cartões na Foxwoods, terminou em menos de um ano quando ela começou a adoecer com frequência. Entregar pizza ou ser caixa na ShopRite não entravam em sua imaginação. Cada vez mais ela deixava sua filha com Missy enquanto saia. Às vezes, Missy perdia a paciência, e ia desabafar, e Will, o pacificador, acalmava Missy. Esses confrontos fizeram Maureen sentir-se culpada, e ela fazia de tudo para fazer as pazes: presentes para Caitlin, lagosta assada, ou pizzas para Missy e seus filhos.
Ainda assim, Missy pensava em todos juntos, tudo o que ela pode lembrar é de uma família amorosa: Maureen lendo Shel Silverstein em voz alta para Caitlin e, mais tarde, para a filha de Missy; Maureen brincando de vestir roupas na filha de Missy e no gato; todos saindo juntos para um passeio no parque; Maureen enchendo suas pilhas de cadernos com poemas e letras de rap. Todos os fins de semana com tempo bom, os vizinhos interagiam e as crianças comiam e brincavam. Maureen trazia Caitlin sempre que podia.
Página 12
Maureen nunca pareceu mais à vontade do que quando estava descalça num vestido de verão, correndo livre no quintal com um largo sorriso.
Demorou um pouco para que a situação se tornasse tensa. Em 2003, Maureen tinha vinte e um anos, com uma filha de quatro anos, sem emprego fixo, e sem um lugar para viver. Outra pessoa poderia ter se resignado devido às limitações de sua vida, sem diploma, sem um bom emprego para sustentar a filha… Mas Maureen não faria as mesmas escolhas que Missy. Para Maureen, as possibilidades faziam parecer que ela estava começando a vida. Ela permanecia flexível e curiosa. Quem sabia que tipo de sorte a iria encontrar? Talvez ela se tornasse uma rapper, talvez uma modelo. O plano sempre mudava. Maureen sempre tinha um plano.
No ano seguinte, Maureen foi parada por seu amigo Jay, que ficou quase tonto de emoção. Ela trouxe Caitlin, agora com cinco anos, e a levou para brincar com a filha de Jay, que tinha um ano. “Oh olhe!”, disse Maureen antes das crianças correrem para um outro quarto, “Eu tirei uma foto!”
Jay morava no mesmo corredor de Missy, no Branford Manor, quando conheceu Maureen. Ele trabalhou um tempo dando suporte remoto a transmissões de emissoras de rádio. Foi despedido e estava trabalhando em dois outros empregos; vendendo quadros para Sherwin-Williams e entregando pizza. Eles haviam crescido juntos. Ela poderia conversar com Jay sobre qualquer coisa. Eles dormiram juntos, apesar de não conversarem sobre o que isso poderia significar. Melhor ser amigos para sempre em vez de ex-namorado ou ex-namorada algum dia.
Maureen via muitos homens, mas recentemente, havia deixado Missy
Página 13
e foi morar com um que era mais sério. Steve tinha uma casa em Norwich. Alto, com bigode e barba, Steve era branco, mas vestia-se e falava como alguém do gueto. Ele nunca queria estar por perto de nenhum dos amigos ou familiares de Maureen, nem mesmo Missy e Will. O relacionamento de ambos parecia tenso quase desde o início. Um amigo lembra de Steve falando sobre Maureen como se ela fosse uma criança que não podia ser cutucada ou que não podia fazer algo. Maureen retrucava dizendo que essa era a maneira de Steve dizer que queria ela em casa. A casa de Jay tornou-se outro refúgio para Maureen, da forma como a casa de Missy tinha sido. Ela e Jay nem sempre se viam. Às vezes ela ia lá para compartilhar um pouco de erva ou acessar a internet. Jay sempre tinha computadores, e ela ia lá para acessar sua página no MySpace; isso era sempre melhor do que usar um computador na biblioteca pública. Outras vezes eles saíam e viam seus filhos brincando no quintal, assistiam a TV, ou então, escreviam um novo rap juntos.
Maureen sempre falava sobre escrever um rap algum dia, ou melhor, tornar-se uma rapper, como Lil’ Kim, ela brincava. Sua abordagem era diferente, menos brincalhona e mais crítica, como Three 6 Mafia. Lil’ Kim escrevia sobre timidez, autoconsciência, dinheiro e sexo, Maureen escrevia sobre sua indignação com a vida ao seu redor.
Há muitas pessoas andando por aí com cara de plástico
Muitas crianças penduradas em lugares errados
Muitos policiais corruptos controlando as esquinas do gueto
Muitas brigas terminando em tiros
Muitas meninas tomando caminhos errados
Não é tarde demais para fazer a matemática
Jay achava que ela não era nada mais do que uma poetisa. Missy também pensava assim. Mas Maureen tinha apenas vinte e dois anos, e sua música não estava recebendo
Página 14
a atenção que ela achava que deveria. As fotos eram a sua solução, um trampolim. Ela usava o MySpace para comercializar sua música e se conectar com outros rappers, foi quando percebeu anúncios para trabalhar como modelo. Esses anúncios a levaram a um site chamado Model Mayhem.com, que a convidou para enviar um portfolio para que eles pudessem ter uma referência. Ela encontrou um amigo que tirou algumas fotos de graça. As fotos que ela mostrou a Jay naquela noite eram provocativas, Maureen sorrindo da cabeça aos pés, usando alguns vestidos diferentes, com lingerie, uma camisola vemelha. Jay disse que ela estava adorável.
Ela era aberta a qualquer coisa: catálogos, revistas, videoclipes. Quando ela se matriculou no site, começou a receber dezenas de e-mails de lugares que se propunham a ser agências de modelos. Depois de alguns cliques, ela descobriu que as propostas iam de modelagem, fotos nuas, até sair como garota de programa. Ela não ficou surpresa. O que a surpreendeu foi o dinheiro. Clicando em alguns links, Maureen viu como fazer strip-tease na webcam poderia dar dinheiro fácil, sem sexo envolvido. A partir daí, ela viu o quanto de dinheiro ela poderia fazer se fizesse sexo. Até onde ela sabia, o único grande problema era ter que assinar um serviço de acompanhantes. Maureen não tinha interesse em compartilhar seu dinheiro ou ser uma funcionária, algo que, essencialmente, levava-a a uma dependência.
Mas não havia outra maneira de fazer a mesma quantidade de dinheiro completamente sozinha. No Craiglist, Maureen viu mulheres de Groton publicando anúncios, ganhando a vida sem sair de casa, e não tendo de compartilhar o que ganhavam com ninguém, nem um cafetão, nem um serviço, nem um namorado.
O blog O Aprendiz Verde tem acompanhado este caso desde o início, e, apesar de o nosso texto precisar de atualizações (não muitas, até porque nada de relevante neste caso surgiu nos últimos tempos), temos um bom material a respeito. O texto é uma linha do tempo do caso. Para saber todos os detalhes acesse o post Serial Killers – Assassinatos em Long Island.
Boa leitura!
Universo DarkSide – os melhores livros sobre serial killers e psicopatas
Fontes: The Guardian, The New York Post.
Com colaboração de:
Revisão por:
Curta O Aprendiz Verde No Facebook