A Estranha história de Ivan, o Imbecil

Outrora, vivia num país cujo nome não importa, um abastado “Mujik”, que tinha três filhos… Semen, o Guerreiro Tarass, o Barrigudo Ivan, o Imbecil… …e uma filha privada do...
Ivan O Imbecil

Ivan, o Imbecil

Outrora, vivia num país cujo nome não importa, um abastado “Mujik”, que tinha três filhos…

  • Semen, o Guerreiro
  • Tarass, o Barrigudo
  • Ivan, o Imbecil…
  • …e uma filha privada do dom da palavra, Melania…

Certo dia…

seta

Ivan, o Imbecil

E foi muito bem Semen, o Guerreiro. Alcançou uma grande posição e o Czar deu-lhe um castelo.

Casou-se ainda com a filha de um “Barin”…

Contudo, suas rendas nunca chegavam para as despesas, pois o que ele ganhava, a mulher gastava… disse ela…

– Não temos dinheiro Semen. O último mandei comprar uma peliça em Paris.

Semen procurou o capataz de suas terras.

– Não há nada a receber, senhor. Precisamos de rebanhos, cavalos, bois e arados, com isso, teremos dinheiro para lhe dar.

Então Semen pensou…

– Irei à casa de meu pai. Ele me ajudará.

Já na casa do velho “Mujik”…

– Nada me deste, meu pai, e és rico! Dá-me a terceira parte que me pertence. Isso me servirá para melhorar minha propriedade.

– Nada trouxeste à casa. Por isso acho que não te devo dar a terceira parte de minha fazenda. Afinal… Em que baseias teu direito? Se te der o que me pedes, causaria prejuízo a Ivan e tua irmã!

– Ivan é imbecil e minha irmã é muda. O que lhes falta?

Ivan, o Imbecil

E Semen, o Guerreiro, tomou sua parte no patrimônio paterno, gastou-a para melhorar sua propriedade e voltou a servir o Imperador.

Tarass, o Barrigudo, também progredira na vida. Partira para uma cidade próxima e se tornara comerciante. Ganhara muito dinheiro e até se casara.

Mas, tampouco lhe eram suficientes as rendas. Por isso…

– Meu pai, venho reclamar minha parte.

– Você não tem trabalhado para esta casa, Tarass. Tudo o que existe nela foi Ivan quem ganhou.

E Tarass voltou-se para Ivan.

– Mas… para que queres dinheiro, Ivan? Não tens mulher! E além do mais, és um imbecil! Todas as mulheres fogem de ti! Conceda-me, Ivan, a metade do trigo. Deixo-te os utensílios da lavoura. Dos dois animais, eu só quero o cavalo pardo.

– Concedido!

E deste modo, Tarass obteve sua parte. Ivan ficou somente com a égua velha e continuou lavrando suas terras, sustentando como podia seus velhos pais.

Mas, nas profundezas do inferno, alguém não estava satisfeito com aquilo… (O Sr. de todos os Diabos, o próprio Satã, pensou…)

– Hum… não me agrada essa harmonia dos três irmãos. Seria melhor que tivessem brigado e se matado uns aos outros. Isto não ficará assim.

Ele voltou para um de seus seguidores…

– Chame três diabinhos de nossas legiões!

– Sim, grande Imperador!

E apresentaram-se três diabinhos ao grande Imperador.

– Prestem atenção! Semen, o Guerreiro, Tarass, o Barrigudo e Ivan, o Imbecil, são bons irmãos, mas não me verei satisfeito até que se crie desarmonia entre eles. Ide e apoderai-vos dos espíritos desses três irmãos e espalhai a discordia entre eles. Não cessai até que se arranquem os olhos entre si!

– Sim, grande Imperador! Primeiro, os arruinaremos. Não terão o que comer e logo se verão forçados a viverem juntos… e então se baterão.

E assim lá se foram os três diabretes para a terra.

Passaram-se os meses, e num dia marcado reuniram-se os três num pântano…

O primeiro diabinho falou de Semen, o Guerreiro.

Ivan o Imbecil

– O Czar o nomeou chefe supremo do exército e o enviou contra o Imperador da Índia… Na véspera da batalha, molhei a pólvora do acampamento de Semen. Feito isto, encaminhei-me para o exército da Índia e fabriquei soldados de palha… E quando começou o combate, os canhões e os fuzis não dispararam! Os soldados de Semen ficaram mais espantados ainda quando soldados de palha avançaram de todos os lados! E fugiram!

– Perderam a guerra e Semen ficou infamado. O Czar tomou-lhe a fazenda e amanha o executará. Só me resta retirá-lo do cárcere e fazer com que vá a casa do pai.

O segundo diabinho falou de Tarass, o barrigudo…

– Também vou muito bem com Tarass. Meu primeiro cuidado foi engrossar-lhe a barriga, aumentado-lhe a avidez. Cobiçava de tal modo, que queria se apossar de tudo que via!

– Comprou muita coisa com seu dinheiro… e ainda continua comprando! Mas agora o faz com dinheiro tomado emprestado!

– Dentro de oito dias vencerão os prazos das prestações e convertí suas mercadorias em esterco! Não podendo pagar, irá a casa do pai!

Os dois diabinhos voltaram-se para o terceiro.

– E você, saiu-se bem com Ivan, o Imbecil?

– Meu trabalho não vai por bom caminho. Esse Ivan é realmente um imbecil!

– Comecei escarrando em seu cântaro de cidra para dar-lhe dor de barriga. Em seguida, meti-me em suas terras e endureci o solo como pedra… para ele não poder trabalhar.

– Mas mesmo assim o imbecil do Ivan, suando em bicas, conseguiu arar. Então, decidi quebrar-lhe o arado. Ele voltou a casa e trouxe outro novo… e continuou a faina!

– Já arou quase todo o terreno, só está faltando um pedacinho. Venham, meus irmãos, me ajudar. Se o imbecil continuar no seu trabalho, seus irmãos não sentirão os efeitos da miséria, pois ele os sustentará.

Diante de tais razões, o diabrete dedicado a Semen prometeu ajudá-lo. E assim, combinado, os três separaram-se.

No dia seguinte, Ivan continuou seu trabalho…

– Que dor de barriga! Mas… não há de ser nada! Tenho que acabar de arar tudo ainda hoje!

– Mas o arado não anda! Eta! É uma pequena raiz!

Ivan, o Imbecil

– Vou partir-lhe a cabeça contra o chão!

– Não me mate, Mujik! Farei tudo o que quiser! Manda-me e obedecerei!

– Minha barriga doi! Podes me curar?

– Sim. Toma esta raiz com três pontas, come uma das três e a dor te passará!

Ivan arrancou uma das pontas da raiz e comeu.

– Oh! A dor de barriga desapareceu! Milagre!

– Deixa-me agora, por favor! Sumirei no fundo da terra e não voltarei a superfície.

– Está bem… vá COM DEUS!

Assim que Ivan pronunciou o nome de Deus, o diabrete desapareceu terra a dentro, mais rápido que uma pedra ao cair na água. Sobre o solo ficou um orifício…

Ivan guardou as outras pontas da raiz e terminando o trabalho, voltou para casa. E lá encontrou seu irmão.

– Oh, Semen! Você voltou!

– Sim, mano Ivan. Eu e minha mulher nos refugiaremos aqui. Minha situação periga. Alimenta-me e a minha mulher também, até que me seja possível encontrar outra casa.

– Como quiser. Viva aqui em paz.

Logo chegou a hora do jantar…

– Minha mulher Carinia diz que você fede Ivan. Seria melhor que comesse no estábulo.

– Concedido. Já é noite e está na hora em que costumo dar de comer a égua.

Dito isso, Ivan apanhou a sopa, o pão e foi comer no estábulo.

O diabinho de Semen, o Guerreiro, ao se ver livre, foi ajudar o diabinho de Ivan, afim de vencer o imbecil…

Mas o diabinho não encontrou seu companheiro, entretanto, viu o buraco aberto no chão…

– Hum… agora compreendo! Aconteceu-lhe alguma desgraça!

– A terra está completamente arada! Pegarei o imbecil na hora de colher o feno! Agora, irei dormir!

Agasalhando entre o feno, o diabrete adormeceu…

Mas ainda antes de raiar o sol… (Ivan acordara de madrugada e fora para o campo arar)

– O que foi isso? Meu rabo! Cortou meu rabo! Esse imbecil não dorme!

– Porcaria! Ainda estás aqui, feio animalzinho?

Ivan o Imbecil

– Basta que pegue algumas espigas e diga assim: “Meu escravo, ordeno que cesse de ser mentiroso e que suas espigas se transformem em outros tantos soldados!”

– E como faço para que sumam de novo?

– Diga: “Tantos soldados, outros tantos sabugos!” E pronto!

– Certo. Estás livre agora. Vai com DEUS!

– Oh! Não…

Ao ouvir o nome de Deus, o diabinho desapareceu no fundo da terra, mais rápido que uma pedra ao cair na água… e só ficou um buraco no chão…

Ivan voltou para casa e encontrou seu segundo irmão.

– Tarass! Você voltou!

– Sim, Ivan. Atravesso uma fase má! Mas, esperando que volte a ser rico, alimenta-me e também a minha esposa!

– Como pede! Viva aqui em satisfação completa!

– Mas… um momento! Não podemos cear contigo! Fedes muito!

– Está certo… vou comer no estábulo… afinal, já estava na hora de alimentar minha égua…

E pegando sua sopa e um naco de pão, o imbecil foi para o estábulo.

O terceiro diabinho que tinha que azucrinar Tarass, ao completar seu trabalho, partiu a procura dos companheiros…

– Oh! Um buraco! Já sei o que aconteceu com um deles!

Continuou procurando e…

– Um rabinho!… E mais um buraco! Caíram os dois em desgraça!… É justo que eu os substitua na luta contra Ivan!

Enquanto isso, Ivan trabalhava…

– Prometi construir uma nova casa para meus irmãos… logo terei madeira suficiente!

Era cálculo de Ivan cortar umas cinquenta árvores, mas nem sequer pôde derrubar dez até a noite…

– Como estou cansado! Esquisito! As árvores parecem mais duras que o costume! Vou parar e descansar.

Tão depressa ele se sentou…

– Isto vai bem! Estou trabalhando certo! O Imbecil parou… aproveitarei para descansar também!

Mas aconteceu que Ivan, repentinamente, levantou-se e de um golpe só, derrubou a árvore!

– Cai, diaba!

Foi tão rápida a queda que o diabinho não teve tempo de fugir…

– Aaii! Minha perna!

– Feio animalzinho! De novo em minha presença!

– E-eu… sou outro! Estava na casa de seu irmão Tarass, o Barrigudo! N-não! Não me mate! Farei tudo o que quiser!… OURO! Faço-lhe ouro!

– Quero ver!

Ivan o Imbecil

Mas ao ouvir o nome de DEUS, o diabinho aprofundou-se pela terra adentro, mais rápido que uma pedra ao cair na água!

E naquele lugar ficou apenas um buraco!

E quando voltou para casa, Ivan, o Imbecil, fez bastante OURO para seu irmão comerciante… e muitas companhias de soldados para seu irmão guerreiro.

Partiram, cada um para seu canto, deixando uma vez mais Ivan, o Imbecil, a cuidar do arado, de seus velhos pais e de Melania, a irmã muda…

… E aqui é que começa, em verdade, nossa história… pois certa manhã…

Justo naquela época a filha do Czar caíra enferma e seu pai fez apregoar em todas as vilas do império que premiaria àquele que a curasse e a daria em matrimônio, caso fosse solteiro seu salvador!

– Ivan, sou um emissário real. Conta-se nesta vila que tens uma raiz salvadora. VEM COMIGO!

Como tinham pressa em chegar ao destino, fustigaram os cavalos, atravessando estepes…

Não tardando a se apresentarem na corte, onde Ivan mnistrou a raiz à Czarina, que logo se curou.

– Serás meu genro, Ivan.

– Como queira, Czar.

Ivan casou-se com a czarina. Passado algum tempo, o Czar faleceu e Ivan sucedeu-o no governo do Império. O Imbecil tornara-se Czar!! Rei do Império! Mas…

– Toma minhas vestes, mulher. Voltarei a arar a terra. Esta inércia me mata!

– Mas, como trabalhar senhor, se é um Czar?

– Ora! O que me importa isso? Por mais Czar que seja, tenho necessidade de me esticar!

Os mais sábios do reino, ao verem aquilo, abandonaram o império. Os que ficaram, os imbecis, passaram a viver de seu próprio trabalho e era dessa maneira que se alimentavam e sustinham aqueles que não podiam mais trabalhar.

Satã, o velho diabo, tão velho quanto todo o mal que há sobre a terra, esperava notícias…

– Hum… por onde andarão aqueles três diabretes? Irei eu mesmo me informar de como andam as coisas.

Achou os três buracos no solo.

– Entendo… meus três diabinhos não conseguiram. Pelo que vejo, eu mesmo tenho que cuidar deste caso. Transformado em Voivoda (chefe do exército), estarei bem disfarçado. Vou me apresentar no reino de Ivan.

E foi Satã ao encontro do imbecil.

– Um Czar não pode sobreviver sem um exército. Permita-me que organize um, convocando os homens entre seus súditos!

– Concedido!

Satã empreendeu uma viagem pelo reino de Ivan, o Imbecil, e desfraldou bandeirolas para atrair recrutas voluntários, oferecendo a cada, uma garrafa de vodka e um boné roxo.

– Ah! Ah! Ah! Oferece-nos vodka, como se não tivéssemos tanta vodka quanto desejamos! Nós mesmos as fazemos!

– Bonés! Se quisermos, nossas mulheres farão bonés de todas as cores e de variados tamanhos!

…diziam os homens. Então Satã pensou…

– Hum… como não há tentação… ninguém se alistou como voluntário… mas não me dou por vencido..

E Satã voltou a tentar Ivan, o Imbecil, Czar dos imbecis…

– Seus súditos não querem alistar-se voluntariamente! Seria preciso obrigá-los pela força!

– Como você pede, concedido! Aliste-os pela força!

Satã não perdeu tempo. Saiu pelas ruas do reino a ameaçar o povo…

– Todos devem inscrever-se como soldados! Aqueles que não o fizerem, serão punidos com a morte! Palavra de Ivan, o Imbecil!

– Você disse que se não nos alistarmos, o Czar nos matará. Mas não disse o que nos acontecerá se formos soldados. Dizem que os soldados MATAM ATÉ MORRER!

– É verdade, mas nem todos morrem. Se não obedecerem, o Czar os matará sem piedade!

– Negamo-nos categoricamente! Preferimos ser mortos em nosso país, se é que temos que morrer!

E assim foi que Satã falhou pela segunda vez… Porque não conseguiu nenhum voluntário. E como Ivan não tinha nenhum soldado para manter suas ordens, a coisa ficou por isso mesmo…

Dias depois, no castelo do Czar Taranski, reino vizinho de Ivan, o Imbecil… vamos encontrar o falso voivoda em nova missão…

– Ouça, Czar Taranski, declare guerra ao Czar Ivan. Aposse-se de suas terras. Ele não tem mais exército!

– Que ótimo! Suas terras são férteis.

Não faltou quem advertisse Ivan do que se passava…

– Senhor, o Czar Taranski vem invadir seu império!

– Está bem! Como ele quiser! Pode vir!

Ivan O Imbecil

O reino foi devastado, os velhos choravam. Choravam as velhas e os meninos também choravam. Os invasores decidiram ser cruéis…

– Queimaremos tudo!

– Por que destroem nossos bens? Se necessitam deles, podem levá-los, mas não os destruam!

Isso aborreceu aos guerreiros, que foram falar com o falso voivoda…

– É impossível combater. Mande-nos a outro país onde tenhamos com quem lutar!

E se negaram a prosseguir, tendo todo o exército se dispersado…

Ivan o Imbecil

Pouco depois, adentrava o reino um cavalheiro rico: era Satã…

– Venho, senhor, trabalhar em benefício e ensinar-lhe coisas excelentes. Sou um dos homens mais ricos da terra!

– Como pede! Concedido! Fique se quiser ficar!

Satã construiu uma bela vivenda no reino de Ivan, o Imbecil.

E distribuiu moedas de ouro pelo povo.

– Estas peças são muito bonitas senhor!

– Tomem! Tomem! Moedas de ouro! Ninguém é mais rico do que eu!

– Rê! Rê! Rê! Meus planos vão bem. Agora, arruinarei o Czar Imbecil… e comprarei sua alma!

O cavalheiro rico prometia tudo facilmente.

Quando os imbecis tinham acumulado grande número de peças de ouro, deram-nas as suas senhoras para que fizessem colares, e então todas as moças tinham adornos em suas tranças com moedas.

E foi tal a abundância que até os meninos brincavam com elas nas ruas.

– Compro-te toda a batelada de trigo por dez moedas de ouro!

– Para que quero essas moedas? Lá em casa já há tantas…

Satã pensou…

– Humm… a coisa vai mal! Ninguém quer saber de dinheiro! Quem gente imbecil!

Com este estado de coisas, Satã começou a sentir fome e foi procurar alimentos… mas…

– Troco por outros artigos, Senhor. Pelas moedas, não…

Já outro vendedor…

– Não me fazem falta, Senhor… pois não tenho nenhum menino que possa se entreter brincando com essa moeda. Ademais, já tenho três dessas que guardo como curiosidade.

Satã foi então a casa de um “Mujik” comprar pão. Ele lhe devolveu a moeda…

– Não me faz falta. Mas se me pedir pelo amor de Deus, poderei arranjar-lhe uma fatia de pão.

Ao ouvir o nome de Deus, o falso cavalheiro pôs-se a cuspir e fugiu apressadamente. A lembrança de Deus era pior do que se lhe dessem uma punhalada.

Em todo canto que ia era a mesma coisa…

– Se nos oferecesse outra coisa, ou se quisesse trabalhar… ou se pedisse pelo amor de Deus…

– M-mas… só tenho DINHEIRO para oferecer! Trabalhar? Não é trabalho o que eu quero! Implorar em nome de Deus? Irra! T’esconjuro! Não posso fazer isso!

Resultado: O Diabo velho teve que dormir aquela noite sem jantar.

E tanto se manifestou o imponente cavalheiro, que Ivan se inteirou do que acontecia…

– Que devemos fazer com ele que apareceu em nossa porta bem vestido e com desejos de passar bem. Aprecia bons pratos e boas bebidas, mas acontece, Senhor, que não quer trabalhar, nem pedir que necessita pelo amor de Deus. Propõe unicamente adquirir o que lhe falta por meio de moedas de ouro. Antes, quando nos chamou a atenção com elas, nós lhe demos tudo o que quis em troca delas. Mas como já temos bastante, já não lhe damos nada. O que devemos fazer para que não morra de fome?

– Dêem-lhe de comer e o recolham de casa em casa, como fazem os pastores.

E assim, Satã foi de casa em casa, e chegou por fim à casa de Ivan…

– Dá-me de comer, sinto fome. Estou fraco.

Melania, a irmã muda de Ivan, o Imbecil, o atendeu. Como os preguiçosos vinham cedo à sua casa para comer, sem haver trabalhado, ela aprendera a conhecê-los pelas mãos…

Os que tinham calos, eram bem recebidos e instalados. Os outros, recebiam as sobras das refeições. Disse Ivan…

– Não te zangues, cavalheiro. Minha irmã não consente aqueles que não têm as mãos calejadas tomem lugar à mesa. Logo que tenham terminado, comerás as sobras.

Todos podem imaginar como ficou humilhado o Diabo…

– Eu, achar-me no extremo de comer na casa do Czar com os porcos!

– Somente num império de imbecis como o seu, pode existir uma lei que obrigue a trabalhar valendo-se das mãos! Não é serviço também o das pessoas inteligentes que trabalham com a cabeça?

Ivan, o Imbecil, retrucou a fala do falso cavalheiro.

– E como nos arranjaríamos, nós, os imbecis, para saber isso? Nós só sabemos trabalhar com as mãos!

– Tenho pena de vocês, imbecis. Eu exercitei muito minha cabeça durante minha vida e agora sou capaz de ensiná-los. Pois bem, eu os ensinarei a trabalhar com a cabeça! Venham comigo!

Ivan o Imbecil

– Não entendo nada do que diz esse homem.

– Nem eu. Vou arar o meu campo.

Satã permaneceu um dia inteiro no alto da torre falando… e sentiu fome, mas os imbecis não lhe trouxeram pão, porque acreditavam que ele também pudesse fabricá-lo com a cabeça.

Mesmo assim, continuou a falar o velho Diabo…

No segundo dia…

– O cavalheiro já começou a trabalhar com a cabeça?

– Ainda não. Só fica falando.

No terceiro dia… disse o Diabo:

– Não aguento mais… E-estou caindo de fome… minhas pernas tremem!

– Venha, Ivan! Parece que o cavalheiro começa a trabalhar com a cabeça! Está dando quedas e suas pernas tremem espantoso!

Ivan, o Imbecil

Apesar de todos os esforços de Satã, Ivan, o Imbecil, ainda vive. Os povos de todos os impérios vão em tropa a seu império.

Seus irmãos moram com ele e Ivan os alimentam.

E naquele país onde reina Ivan,o Imbecil, foi estabelecida uma única Lei, que se segue com constância…

A quem tem calos nas mãos, se diz…

– Senta-te à mesa!

A quem não os tem…

– Come as sobras!

Fim

“Queremos que os jovens deixem de ter medo de folhear obras extensas, que foram escritas há mais de 150 anos. Queremos que eles deem uma chance a Tolstói, porque, se o fizerem, verão que Liev contou histórias incríveis, sentimentos de verdade, que não podem se perder com o passar dos séculos”.

[Fekla Tolstói]

O conto que vocês acabaram de ler foi escrito por ninguém menos que Liev Tolstói (1828-1910), considerado o maior escritor russo e um dos maiores narradores da literatura universal. E como diz sua bisneta Fekla, se você der uma chance a Liev, verá o quão incrível são suas histórias.

Muitos já devem conhecé-lo, o russo é o homem por trás de obras-primas da literatura universal como Cossacos (1863), Guerra e Paz (1865) e Anna Karenina (1878).

E o mais interessante é que 128 anos depois de escrever sobre o imbecil Ivan, Liev mostra as caras para a geração Facebook-Twitter. A poucos dias, os descendentes do escritor lançaram o site tolstoy.ru com todos os 90 volumes da obra completa do autor, totalmente de graça e para qualquer uso. Em seu testamento, escrito em 1883, o autor russo foi claro: determinou que toda sua obra poderia ser copiada e republicada por quem quisesse, em qualquer lugar do planeta, sem a necessidade de pagar diretos autorais a ele ou a sua família.

Estão lá no site todos os seus romances, contos, cartas pessoais, tudo disponível para download nos formatos PDF, FB2 e EPUB. O trabalho, colaborativo, contou com 3 mil voluntários do mundo inteiro. A partir de agora, tradutores do mundo todo tem acesso aos originais do autor e poderão traduzir e republicá-los.

Quanto a Ivan, o Imbecil, alguns especialistas em Tolstói dizem que o conto retrata as ideias comunistas do escritor, que envolve a abolição das forças militares, da classe média, do despotismo e do dinheiro. O autor descreve as várias lutas através das quais três irmãos passam, como são afligidos por demônios (pequenos e grandes), até o ponto onde chegam ao estado ideal de existência, o qual ele acredita ser o único estado de felicidade possível no mundo. No mundo idealizado por Tolstói, cada pessoa seria um trabalhador e produtor, não necessitando de inteligência ou intelectualismos para sobreviver e atingir a felicidade.

O conto Ivan, o Imbecil, disponibilizado neste post é uma adaptação feita por Edmundo Rodrigues e publicada na revista em quadrinhos Almanaque de Terror, cuja edição número 1 é de 1982 e custava 500 cruzeiros. A revista hoje é item de colecionador, uma raridade, e representa o período áureo das publicações de histórias de terror no Brasil. 

Ivan o Imbecil - Ilustracao

Título Original: Иван-дурак

Título em inglês: Ivan, the fool

Título em português: Ivan, o Imbecil

Data de publicação: 1886

Autor: Liev Tolstói

País: Rússia

Download (em inglês): Ebook

Formato: ZIP, Epub, Kindle

Créditos: Universidade de Adelaide

Imagem: Ilustração da história de Ivan, o Imbecil, de Michael Sevier, publicada em 1916

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"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz." (Platão)
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