Anatoly Slivko e Ted Bundy: um Silêncio dos Inocentes da vida real

Um assassino que arranca as peles de mulheres acima do peso. Sem pistas, a força-tarefa que o investiga decide conversar com um serial killer que está preso. Quem sabe...

Um assassino que arranca as peles de mulheres acima do peso. Sem pistas, a força-tarefa que o investiga decide conversar com um serial killer que está preso. Quem sabe ele possa ajudar a desvendar a mente doentia do esfolador? O plot de O Silêncio dos Inocentes encantou e assustou o mundo em 1991. Agora imagine se as pessoas soubessem que situações do tipo eram mais do que comuns na vida real.

Na Rússia soviética, por exemplo, um serial killer apelidado de o “Estripador da Floresta” espalhou o horror em Oblast de Rostov durante a década de 1980. A impressionante contagem de corpos foi marcada por uma selvageria orgíaca: seios cortados, olhos arrancados, genitália mutilada (e até comida). Sem qualquer pista do maníaco, investigadores decidiram conversar com um serial killer que estava no corredor da morte. O nome dele? Anatoly Slivko.

Inicialmente, Slivko foi contatado por carta pela força-tarefa que investigava o Estripador. Ele respondeu de volta, dando alguns insights sobre o que pensava.

Serial killers, disse Slivko, tinham dificuldades em se engajar em sexo normal. Eles eram sádicos que se excitavam com sangue e o sofrimento das vítimas. Eles fantasiavam o tempo inteiro e tinham enorme prazer no ato de planejar seus crimes. Por natureza, eram disciplinados e viviam entre regras. Metódicos, criavam regras para os tipos de equipamentos usados nos crimes e até para as vítimas. Slivko, por exemplo, nunca selecionou um garoto com mais de 17 anos.

Slivko sugeriu que as escolas soviéticas, que deliberadamente ignoravam tudo exceto os fatores biológicos da reprodução, deveriam fornecer às crianças mais conhecimento sobre sexualidade. “Se eu fosse consciente, poderia ter ido a um médico tão logo os primeiros sintomas anormais surgiram,” escreveu. De forma vaga, ele sugeriu um tipo de campanha social contra a perversão e a homossexualidade no exército, prisões e outros lugares onde jovens homens se reuniam. Mas, mais importante para os investigadores, ele não sabia nada sobre os homicídios em Rostov e não deu dicas práticas para capturar o assassino.

Talvez os investigadores devessem ver Slivko pessoalmente. E foi isso o que eles fizeram.









Um dos moradores da temida prisão de Novocherkassk era o serial killer Anatoly Slivko. No corredor da morte e torturado pela própria existência, Slivko estava esquecido, mas em setembro de 1989 três homens apareceram para conversar com ele. Eles eram Viktor Burakov, Mikhail Fetisov e Issa Kostoyev, chefes da força-tarefa do Estripador da Floresta. Eles queriam entender a psicologia do homem que há anos estava matando pessoas em Rostov e quem sabe Slivko podia ajudar.

“Sem que eu quisesse”, respondeu Slivko, ao ser perguntado sobre sua atração por garotos e como ela surgiu. “Eu não li nada sobre isso, não vi ou ouvi sobre tal atração. Apenas apareceu por conta própria”. Melancólico, Slivko contou que tentou se controlar, mas o desejo se tornou um tormento arbitrário e ditatorial que parecia existir como uma força externa. “Me perseguia constantemente,” disse ele. Os investigadores, então, perguntaram sobre seu ritual homicida. Ele sodomizou as vítimas? Massageou seus genitais?

Slivko não gostou da pergunta. Ele apenas usou as fotografias e os filmes que gravou, além dos sapatos dos garotos, como estímulos para a masturbação. Os exames de alguns corpos exumados, porém, sugeriram que ele havia castrado as vítimas. “Não lembro disso. Se fiz, não posso explicar”, respondeu.

Mas foi uma das perguntas mais inócuas que revelou a resposta mais notável.

Slivko se sentiu ultrajado ao ser perguntado se fumava ou bebia álcool. Ele nunca fumou e só ficou bêbado uma vez, quando imaginou que isso o ajudaria a sentir atração por mulheres. “Sempre trabalhei com crianças, e sentia responsabilidade por elas. Era uma questão de moralidade, de princípio, eu não podia aparecer diante delas cheirando a álcool”, disse o homem que matou sete meninos.

Essa e outras respostas deram um vislumbre sobre o tipo de homem que procuravam. Slivko era um tipo cuja mente estava tão compartimentalizada que podia matar crianças ao mesmo tempo que pensava ser imoral aparecer diante delas com hálito de vodca. O Estripador da Floresta devia ser do mesmo jeito: alguém vivendo uma vida normal, exceto nos momentos em que a implacável e sádica força externa o atacava, levando-o a matar.

Muito antes de Anatoly Slivko houve Ted Bundy. Em 1984, o psicopata americano deu uma de Hannibal Lecter e traçou o perfil do Assassino do Green River.

Desde 1982, corpos de mulheres estavam sendo encontrados aos montes ao longo do Green River, em Washington. Havia um serial killer à solta e as autoridades não estavam nem perto de pegá-lo. Então Bundy apareceu. No corredor da morte na Flórida, ele ficou sabendo dos crimes e ofereceu ajuda. Os investigadores aceitaram.

Como aconteceria com Slivko cinco anos depois, Bundy inicialmente escreveu uma carta à força tarefa que investigava os crimes. Em 22 páginas escritas a mão, Ted discorreu sobre todos os aspectos do Assassino do Green River — de sua área de caça, escolha das vítimas à sua psique. O interessante é que ao descrever o homicida, Bundy parecia descrever a si mesmo. Aos investigadores, ficou claro que Ted não podia falar sobre o comportamento do Homem do Rio sem detalhar suas próprias experiências.

Acreditando que seria útil conversar pessoalmente com Bundy, os investigadores Dave Reichert e Bob Keppel voaram até a Flórida e passaram dois dias com ele. Os três homens conversaram sobre tudo e Reichert e Keppel perceberam, através de Ted, o quanto serial killers se excitam ao planejar e caçar uma vítima. Convencido, Bundy acreditava que o assassino não poderia alcançar seu nível de sofisticação, pois qualquer um podia pegar prostitutas (a maioria das vítimas do Homem do Rio); ele não se aventuraria a ir em locais onde teria que usar técnicas mais elaboradas para atrair vítimas e levá-las para longe de suas zonas de segurança. Isso é astúcia. E nesse quesito Ted se considerava O Mestre.

Mas de muitas maneiras Ted se fascinou pelo assassino e disse acreditar na existência de mais corpos escondidos. Para os investigadores, mais uma vez pareceu que Ted se referia a si mesmo, deixando nas entrelinhas que muitas de suas vítimas ainda não haviam sido encontradas.

Em resumo, o assassino que ele chamou de “Homem do Rio” era uma projeção dele mesmo. Ainda assim o encontro com Bundy foi proveitoso. Como Slivko, ele deu aos investigadores uma boa ideia do macabro funcionamento de um serial killer.

Para entender a mente de um monstro, somente outro. Em O Silêncio dos Inocentes, à sua maneira Hannibal Lecter ajuda o FBI a identificar um assassino desconhecido. Na verdade, isso não foi nem um pouco difícil para ele porque Lecter conhecia o maníaco — o maluco foi namorado de um paciente dele.

Na vida real, Anatoly Slivko e Ted Bundy não forneceram nada prático aos investigadores que caçavam o Estripador da Floresta e o Homem do Rio. Entre os dois, Ted seria o mais propenso a agir como Lecter caso soubesse de alguma coisa ou conhecesse o Homem do Rio — dando migalhas e usando jogos mentais enquanto tentava barganhar algum tipo de privilégio. Os detetives, entretanto, aprenderam com eles.

Uma coisa que atormentava a força-tarefa do estripador era o fato de nenhuma testemunha ver alguém ensopado de sangue andando por aí. Eles não podiam deixar de fazer essa pergunta a Slivko: Ele ficava coberto de sangue após desmembrar os corpos? “Nunca. Após a pessoa morrer, o sangue escorria bem devagar”, respondeu o assassino. Saber disso foi importante. Slivko sugeriu que um assassino experiente podia matar sem causar sujeira excessiva. O estripador deveria saber que quando o coração para, o fluxo sanguíneo mingua, assim ele poderia adaptar seu ritual homicida.

Slivko, porém, só podia dizer coisas sobre si mesmo. Ele não sabia nada do estripador. Slivko era alguém torturado e prestes a ser executado. Bundy não. O americano deu uma de Hannibal Lecter e traçou um perfil completo do Homem do Rio. Ele acertou umas coisas e errou outras. Foi mais subjetivo do que objetivo. Ele baseou-se em si mesmo e na sua experiência homicida, além do seu conhecimento da área.

Encontrar-se com serial killers presos não ajudou em nada para o grande objetivo: capturar os assassinos. Mas quando isso aconteceu, viu-se que eles eram como um reflexo no espelho. O estripador da floresta Andrei Chikatilo, por exemplo, como Slivko, foi professor e membro do partido comunista.

E talvez essa seja a lição mais assustadora. Eles podem ser qualquer um — o seu psiquiatra, o professor de seu filho ou o colega da faculdade. Assim foram o fictício Lecter e os reais Chikatilo, Slivko e Bundy.

Referências: [1] Cullen, Robert. The Killer Department. Orion. 1993; [2] Keppel, Robert. The Riverman. The Bundy and I Hunt for the Green River Killer. Simon & Schuster. 1995; [3] M. Krivich; O. Olgin. Товарищ Чикатило [Camarada Chikatilo]. РИПОЛ классик. 2018. Edição do Kindle.

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Por:


Daniel Cruz
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