Dicas de Filmes: A Fortaleza

Grupo de crianças e sua professora são sequestradas por sádicos homens que usam máscaras de animais. O filme retrata o universo infantil de uma forma macabra.
Dicas de Filmes - A Fortaleza

Fortress

“O professora! Eu tô vendo um rato lá fora!”

– “O professora! Eu tô vendo um rato lá fora!”

– “É professora, tem um gato, um rato e um outro animal lá fora. Eles estão escondidos mas eu vi!”

Certamente as duas falas acima estão no inconsciente de centenas de adultos que cresceram assistindo ao filme Fortress (A Fortaleza) nos anos de 1990. Fortress é um filme australiano feito para a TV que, provavelmente, marcou a infância de muita gente ao passar insistentemente no SBT. É o típico filme que crianças, de 20 anos atrás, podiam assistir de dia na TV aberta, mas que hoje você só verá de madrugada (se passar). Que chato para a geração de hoje que assiste lindos peixinhos coloridos fugindo de um tubarão na Sessão da Tarde. Não sei vocês, mas acho muito mais instigante para uma criança ou adolescente assistir a um filme onde um sádico Papai Noel tortura criancinhas do que assistir a um filme de peixinho. 😀

Dirigido por Arch Nicholson, o filme é baseado num romance de mesmo nome escrito por Gabrielle Lord, que por sua vez foi vagamente baseado no caso real Faraday Kidnapping, onde dois homens sequestraram uma professora e sua turma de alunos em uma escola do interior australiano.

O filme narra a desventura de um grupo de crianças da pequena cidade australiana de Sunny Flat, sequestrados juntamente com sua professora por um sádico grupo de criminosos que vestem máscaras de animais. O motivo do sequestro é o dinheiro do possível resgate. Durante o filme, as crianças que vão do jardim de infância até o ensino médio, chegam à conclusão de que para sobreviver deverão trabalhar como uma equipe.

Cena do filme A Fortaleza.

Não se deixe enganar, o filme das criancinhas é uma constante alternância entre aventura e horror, ou você acha que um filme que contém cenas de empalamento e decapitação pode ser considerado aventura infantil? E essa é uma das razões pela qual o filme funciona. Outro ponto que o faz funcionar é a crescente sensação de medo e impotência, muito devido ao ambiente, o deserto australiano, o que dá uma profunda sensação de isolamento e vulnerabilidade.

Desde o começo são definidos os mocinhos e os vilões, e eles são opostos em todos os sentidos que você possa imaginar.

De um lado você tem as crianças e sua professora, todos cooperando para passar por uma terrível situação. A professora Sally, interpretada por Rachel Ward, é brilhante. Para tentar acalmar as crianças, ela tenta a todo momento transformar o bizarro sequestro em algum tipo de viagem de férias. Ela, como todo grande líder, incentiva cada aluno a utilizar seus conhecimentos e habilidades individuais para executar tarefas essenciais para a sobrevivência do grupo. Ela permanece fria e tranquila, nunca entra em pânico ou fica em desequilíbrio emocional, e isso é importante tendo em vista que as crianças estão sob sua proteção. Em uma situação como essa, tudo o que elas não precisam é de um adulto entrando em parafuso. Mesmo o foco do filme sendo no grupo em si, cada um deles tem personalidades distintas. Independente da idade, todos contribuem de alguma forma com suas habilidades individuais e todos se mantém unidos. Mesmo que algum deles faça algo errado, eles nunca se separam.

Cena do filme A Fortaleza. A professora Sally (Rachel Ward) e seu grupo de alunos passam por muitas provações, mas sempre permanecem unidos na tentativa de escapar dos seus sanguinários sequestradores.

Do outro lado há um gritante contraste.

Os sequestradores são um bando de homens sádicos que parecem não terem um pingo de sensibilidade ou empatia. O líder do grupo é o psicótico “Papai Noel” (interpretado por Peter Hehir). Os outros três são “Pato Dabby” (interpretado pelo excelente Vernon Wells de Mad Max 2), “Gato” (David Bradshaw) e “Mac, o Rato” (Roger Stephen). Cada um deles é um maníaco em grau diferente; nenhum deles mostra qualquer tipo de empatia ou compaixão para com as crianças. Quando seus planos são alterados pelas ações da professora e seus alunos, eles demonstram o quão violentos podem ser e o quanto estão dispostos a seguir adiante com seu plano. Em algumas cenas eles apontam armas para as cabeças de algumas crianças e em nenhum momento nós duvidamos que eles realmente podem fazer voar pedaços de cérebro pelo ar. O estupro também é uma ameaça constante ao longo do filme. Os criminosos fazem diversos comentários sobre uma das vítimas, uma adolescente e seus “peitões”. Ficamos esperando o momento em que eles finalmente a violarão. Para que não tenhamos dúvidas sobre a perversidade desses psicopatas, um deles é morto pelo próprio bando, decapitado e pregado em um poste.

O Gato

Pato Dabby

Pato Dabby e Mac, o Rato

O líder do grupo, o psicótico e temperamental Papai Noel.

Um filme de crianças para crianças. Decapitação, mutilação...era esse o tipo de filme que as crianças dos anos 90 assistiam na Sessão da Tarde.

Um filme de crianças para crianças. Decapitação, mutilação…era esse o tipo de filme que as crianças dos anos 90 assistiam na Sessão da Tarde.

Peter Hehir é o mais memorável dos sequestradores e faz um ótimo trabalho como o louco Papai Noel. Sua perversidade pura e simples nos é mostrada quando ele espalha as tripas de um senhor de idade com sua escopeta calibre doze na frente de um bando de criancinhas inocentes. O Gato é outro da turma que merece ser mencionado. Ele praticamente não fala no filme, mas seus maneirismos combinados com sua máscara de bichano nos faz pensar que ele é aquele tipo de lunático que pode estourar a qualquer momento.

O filme se desenrola em um bem calculado ambiente sombrio que faz o espectador pensar que o mal nunca poderá ser vencido. A Fortaleza, porém, não é perfeito e possui algumas falhas que surgem na parte final (sempre o final). Algumas das cenas finais (na minha opinião) são desnecessárias. A trilha sonora tribal quando o grupo de crianças montam armadilhas para os seus algozes é brega. Outras duas cenas finais são, no mínimo, incoerentes. Em uma delas o bando de crianças cercam dois investigadores com lanças deixando claro que o episódio vivido por eles deixou profundas marcas e que não pensariam duas vezes em furá-los até a morte. Na cena seguinte um dos alunos assusta a professora com a máscara do Papai Noel, numa típica brincadeira de criança, e cai na gargalhada. Estranho, em uma hora eles parecem estar num estado psíquico profundo e na mesma hora fazem brincadeiras como se nada tivesse acontecido?

Cena do filme A Fortaleza. O Gato e a professora Sally.

Cena do filme A Fortaleza.

Não consigo ver esse filme sem pensar em um tom de provocação do diretor Arch Nicholson. O fato dos sequestradores permanecerem mascarados durante todo o filme contribui bastante para áurea pesada da película. E, para mim, o uso dessas máscaras é o grande mote do filme e, certamente, uma metáfora bem pensada e aplicada pelo diretor. O uso das máscaras alimenta nos espectadores (crianças ou adultos, mas principalmente nas crianças) diversos tipos de análises e pensamentos conflituosos. Seriam homens de verdade? Seria um pesadelo de uma criança? – um insano Papai Noel assassino que corre atrás de mim? Isso alimenta conflituosamente o inconsciente da criança que em sua fantasia acredita que bichanos e o Papai Noel são seres bondosos, bonitinhos e que praticam o bem. Vale lembrar que mesmo sabendo que o Papai Noel é o bom velhinho, muitas crianças simplesmente morrem de medo dele, assim como de outras figuras.

“Papai-noel, palhaços ou super-heróis. O medo natural acontece, pois essas fantasias fogem da figura do pai e da mãe, com as quais a criança está habituada”, diz Simone Savaya, psicóloga cognitivista com especialização clínica e hospitalar, de São Paulo.

E se não bastasse o diretor usar um bando de psicopatas lunáticos que usam máscaras de bichinhos e de Papai Noel, ele ainda coloca do outro lado, como as presas, inocentes criancinhas. É pra ferrar de vez com a infância de quem assiste.

Outro ponto interessantíssimo do filme e que vale a pena ser analisado é o seu sinistro e macabro final. Se você ainda não viu esse filme (o que acho bastante improvável) e não quer saber o final pule para baixo.

Talvez nada seja mais inquietante e sinistro do que a última cena. Sem dúvidas é um cena que causa inveja a qualquer serial killer da vida real. Durante o filme, na tentativa de escapar dos seus sádicos sequestradores, as crianças, sob a liderança da professora Sally, acabam matando-os um a um, sendo que o líder, o perverso Papai Noel, é mutilado sem dó nem piedade pelas crianças em uma cena macabra. Posteriormente ele é esquartejado e estripado.

Isso mesmo. E é na cena final que ficamos sabendo que a professora e suas crianças assassinas guardam algo conservado em um vidro com formol. Esse “algo” é nada mais nada menos do que o coração do Papai Noel, exposto como um troféu em cima de uma mesa dentro da sala de aula.

A cena pode ter diversas interpretações. Pode significar desde a vingança cruel das crianças que são assombradas por essas figuras dúbias (Papai Noel, Palhaços, Coelho da Páscoa…), até o simbolismo final proporcionado pelo cruzamento da linha entre vítima e assassino. Essa última mais explosiva.

Eu pergunto: O que essas crianças viraram? Esse fato em suas vidas poderia ter repercussões futuras, tender a um comportamento explosivo ou violento? Até mesmo gerar futuros assassinos? Lembre-se que eles não mataram apenas o Papai Noel; eles o trucidaram, abriram o seu peito e retiraram o coração. Todos nós estamos suscetíveis ao assassinato. Não o assassinato puro e simples, mas aquele o qual praticamos para nos defender. Mas uma coisa é matar para se defender, outra coisa é matar, mutilar, esquartejar, retirar o coração da sua vítima e guardar em um pote de vidro como enfeite.

Por mais que uma pessoa normal passe por uma situação extrema nas mãos de outra, o assassinato em si já seria um grande impacto em sua mente. Guardar partes do corpo de uma vítima, ou algum objeto específico, é restrito a assassinos que possuem algum tipo de distúrbio psicológico.

Cena do filme A Fortaleza. O coração do Papai Noel, guardado como um troféu pela professora Sally e sua turma de alunos na sala de aula. É o grand finale do perturbador filme.

Apesar de hoje parecer bobo (principalmente para alguns adultos xiitas), o filme é muito representativo não só por mostrar a perda da inocência mas também por mostrar que, no final das contas, somos todos animais que, se encurralados, matamos sem dó nem piedade, não importando a idade. Até hoje é um dos mais simbólicos filmes sobre o universo infantil.

Vocês concordam?

Informações:


Título Original: Fortress

Título no Brasil: A Fortaleza

Dirigido por: Arch Nicholson

Escrito por: Everett De Roche

Elenco: Rachel Ward, Vernon Wells, Peter Hehir, David Bradshaw, Roger Stephen, Sean Garlick, Elaine Cusick, Laurie Moran, Marc Aden Gray, Ray Chubb, Bradley Meehan, Rebecca Rigg, Asher Keddie, Beth Buchanan

Obs.: Baseado em um romance de Gabrielle Lord

Produção: Crawford Productions

Lançamento: 26 de junho de 1986

País: Austrália

Prêmio: Vencedor do prêmio de Direção de Fotografia da  American Cinema Editors

Veja o filme:


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"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz." (Platão)
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